16/02/24

 

JUROS TIRÂNICOS 6

 

Em campanha eleitoral a chapa Lula-Alckmin prometeu rever a autonomia do Banco Central (BC). Passados mais de um ano essa foi uma das tantas promessas abandonadas. Por ocasião da posse, em janeiro de 2023,  a taxa Selic estava em 13,75% ao ano, em dezembro foi cotada em 11,75%. E na primeira reunião do Comite de Política Monetária (Copom) de 2024 caiu para 11,25%. O movimento de queda começou em agosto de 2023 com 0,5% e continuou nas cinco reuniões seguintes. Mas ainda é alta. Um dos motivos da taxa permanecer elevada está na presença de Campos Neto como presidente do BC, indicado por Bolsonaro e Paulo Guedes, e na subordinação do governo ao capital financeiro. A lei que conferiu autonomia ao BC estabeleceu uma desconexão entre os mandatos de presidente da república e o do banco. Por isso, há a necessidade de revogar a  Lei Complementar nº 179/2021.

As duas últimas reuniões de 2023 do Copom ocorridas a 1º de novembro e 13 de dezembro, não registraram mudança no que havia sido anunciado na reunião de agosto, com previsão de reduzir a taxa Selic em 0,5% a cada reunião. A ata das duas reuniões não aprofundou nenhuma análise substantiva, nem introduziram novos elementos, foram protocolares. A repercussão da reunião de dezembro, última do ano, que poderia ensejar um balanço público, deixou a impressão de que ambos os lados se acomodaram. O governo desistiu de criticar a gestão Campos Neto e ele abaixou um pouco a taxa. Porém, aquém das necessidades de crescimento econômico do país. De comum acordo entre os lados (governo e rentistas) perdura a omissão do problema central da economia brasileira – a dívida pública. Ela exige ser auditada e enquanto isso não ocorrer que seja decretada a moratória de seu pagamento.

Em 7 de fevereiro de 2024 o BC divulgou “Estatísticas Fiscais” com dados sobre o pagamento dos juros da dívida: “Em 2023, os juros nominais do setor público consolidado, apropriados pelo critério de competência, alcançaram R$718,3 bilhões (6,61% do PIB), (...).” A título de comparação o orçamento do Estado de São Paulo para 2024 é de R$ 328 bilhões, ou seja, paga-se em juros da dívida mais que o dobro dos gastos anuais de São Paulo. De acordo com o mesmo documento do BC,  cada um ponto percentual de juros na taxa Selic equivale a R$46,4 bilhões a ser pago aos rentistas. Daí a urgência em reduzir os juros, combinado a uma auditoria e moratória da dívida.

Na tabela abaixo, a título de mera ilustração,  é possível visualizar o comportamento da taxa Selic, do IPCA (principal índice de inflação do Brasil) e presumir uma taxa real de juros, que só no mês de dezembro de 2023 rendeu aos especuladores do mercado R$ 63,9 bilhões (cf. Estatísticas Fiscais: Banco Central do Brasil, 07.02.2024).

2023

taxa SELIC

IPCA acumulado em 12 meses

juros reais presumidos

Janeiro

13,75

5,77

7,98

Fevereiro

13,75

5,60

8,15

Março

13,75

4,65

9,10

Abril

13,75

4,18

9,57

Maio

13,75

3,94

9,81

Junho

13,75

3,16

10,59

Julho

13,75

3,99

9,76

Agosto

13,25

4,61

8,64

Setembro

12,75

5,19

7,56

Outubro

12,75

4,82

7,93

Novembro

12,25

4,68

7,57

Dezembro

11,75

4,62

7,13

Reuniões do Copom: 30 e 31 de janeiro, 19 e 20 de março, 7 e 8 de maio, 18 e 19 de junho, 30 e 31 de julho, 17 e 18 de setembro, 5 e 6 de novembro, 

10 e 11 de dezembro

A visão dos membros do Copom, que tem se manifestado em uníssono, é o de que a dinâmica desinflacionária será obtida por meio de uma desaceleração gradual da economia.  As consecutivas quedas se justificam por esse motivo. E com misto de arrogância e desfaçatez o Comitê afirma que sua decisão de caráter contracionista promove o “(...) fomento do pleno emprego” (21º parágrafo da Ata 260ª Reunião 30-31 de janeiro de 2024).

Durante 2023 o mercado financeiro nacional e internacional apostou que no Brasil e nos EUA a “convergência da inflação para a meta e ancoragem das expectativas” seria obtida com uma política recessiva. Todavia essa não foi a realidade. Os megainvestidores e os gestores dos principais bancos centrais do mundo ficaram surpresos com o fato de que a esperada crise não aconteceu e a inflação não subiu, como foi registrado pelo jornal Valor Econômico dia 5 de janeiro de 2024: “Os economistas passaram os últimos meses de 2023 investigando um enigma: a inflação caiu bastante, bem mais do que se previa, sem uma recessão. Agora que começa um novo ano, ainda não há uma resposta consensual para esse mistério, e ele deverá pautar o ritmo e o tamanho dos cortes de juros pelo banco central de 2024”.

Contudo, nos parece que o cenário dos juros em 2024 está traçado pela agiotagem financeira internacional. Arend Kapteyn economista chefe do UBS, banco suíço que incorporou o Credit Suisse em meados de 2023, concedeu uma entrevista ao jornal Valor Econômico, publicada dia 31 de janeiro de 2024 tratando de economia mundial e taxa de juros. Sobre os EUA ponderou como problemas econômicos a existência de um mercado de trabalho em desaceleração, o fim das transferências de renda do período de confinamento e  pós-pandemia,  um varejo aquecido por dois componentes; de um lado, a poupança do período pandêmico, e de outro, 40% de seu total financiado por cartão de crédito. O banqueiro afirmou que “A recessão [nos EUA] deve começar em maio (...)” com uma queda de 1% do PIB, gerando 1,3 milhão de novos desempregados, elevando a taxa para 5%: “Com esse tamanho de desemprego o FED vai cortar os juros dos atuais 5,5% e chegar no fim de 2024 a 2,75% atingindo 1,25% no fim do ciclo de afrouxamento em 2025”. Diante desse cenário avaliou o comportamento dos juros no Brasil e, justamente no dia da primeira reunião do Copom em 2024, prognosticou a evolução da política monetária brasileira: “Acreditamos que o BC vai cortar 0,50 ponto por reunião até junho e depois aumentar os cortes para 0,75 ponto, com a Selic chegando em novembro a 8%”.

Essa não é uma simples opinião, mas uma diretriz que o sistema financeiro brasileiro deve seguir. Esse receituário é o mesmo, pois se trata da agiotagem do mercado financeiro que com a justificativa de combater a inflação promove na verdade uma recessão para chantagear a sociedade e os trabalhadores. Observe-se que de acordo com o economista do banco suíço a queda dos juros nos EUA decorrerá do início de uma recessão. Caberia ao governo brasileiro, fosse ele soberano,  ignorar o gradualismo do mercado global e determinar de imediato um tombo na taxa Selic para no máximo 2% ao ano para impedir que o país entre numa recessão que ocasionará um maior desemprego e um maior flagelo social. 

 

 


11/01/24

 

O 8 DE JANEIRO E A DEMOCRACIA TUTELADA

 

“Foi o maior ataque à democracia brasileira”.  Repetida à exaustão por cidadãos, autoridades políticas e redes sociais em referência aos eventos de 8 de janeiro de 2023 em Brasília, ocasião em que a Praça dos Três Poderes foi vandalizada, essa frase não corresponde aos fatos. Desconsidera que em perspectiva histórica a maior afronta à legalidade foi o golpe militar de 1964 que destitui o presidente João Goulart. E antes da deposição de seu governo, que era constitucional, houve a instituição de um arremedo de regime parlamentarista de setembro de 1961 a janeiro de 1963, visando limitar os poderes dele, diante da renúncia  de Jânio Quadros em agosto de 1961.

Há um ano (12.01.23) afirmávamos que: “Com base na experiência histórica e no rigor conceitual, a invasão dos prédios e palácios em Brasília não foi um golpe de Estado. Faltou o destacamento militar que invade, ocupa, destituí o governo e se autodeclara governante, transfere ou concede o exercício do poder a quem couber. Não havia uma força real armada. (post Apoteose Negacionista). As apurações, apesar de todas as falhas, evidenciam que caracterizar os acontecimentos como tentativa de golpe seria um exagero. Ao longo desses 12 meses os que afirmaram que a tentativa malogrou devido a ação de militares legalistas encobrem um fato relevante no mês anterior. Dia 5 de dezembro de 2022 o governo Biden enviou um emissário com recado explícito de assegurar que qualquer tentativa de questionar a legitimidade da eleição de Lula não seria apoiada pelos EUA. Nesse dia Lula recebeu o Conselheiro de Segurança Nacional dos Estados Unidos, Jake Sullivan além do assessor do governo dos EUA para a América Latina Ricardo Zuñiga. A advertência era, desautorizar os militares a qualquer iniciativa de impedir a posse de Lula. Inexiste a possiblidade de uma ação golpista em desacordo com os EUA. Admitam ou não, o Brasil segue com sua soberania tutelada pelos EUA. "O secretário de Defesa, o chefe da CIA, o assessor de Segurança Nacional, todos visitaram o Brasil em um ano eleitoral.[2022]. Isso é normal? Não, não é." (FSP 23.06.23). Declarou  o ex-funcionário do Departamento de Estado e ex-embaixador dos EUA no Brasil, Michael McKinley.

Seis meses após a suposta tentativa de golpe o jornal Folha de São Paulo (FSP), edição do dia 23 de junho de 2023, reproduziu um artigo originalmente publicado pelo jornal britânico Financial Times intitulado “EUA fizeram campanha para defender Brasil de possível golpe de Bolsonaro”. Na matéria ficou claro que o governo dos EUA atuou no sentido de cacifar o processo eleitoral brasileiro “Washington também tinha uma motivação mais direta. Depois de apoiadores de Trump invadirem o Capitólio para tentar subverter os resultados da eleição de 2020, Biden, dizem funcionários americanos, rejeitava fortemente qualquer tentativa de Bolsonaro de questionar resultados de uma eleição livre e justa.”

A matéria informou que no dia 8 de janeiro, em meio ao vendaval que tomou conta de Brasília, Lula e Biden conversaram por telefone. Os detalhes do que foi acertado permanece em segredo. Ambos os presidentes, a mídia corporativa e a esquerda liberal silenciam sobre o conteúdo do diálogo e seu registro: “Biden estava no México no momento da insurreição, numa cúpula de líderes norte-americanos, e assistiu ao que estava acontecendo nos jornais. "Ele pediu para falar com Lula na mesma hora", diz um alto funcionário da administração. "Depois do telefonema, propôs ao primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau, e ao presidente mexicano, Andrés Manuel López Obrador, que fosse emitido um comunicado trilateral em apoio a Lula e ao Brasil. Foi a primeira vez que algo assim foi feito na América do Norte." (FSP 23.06.23).

Organizadas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) as eleições de 2022 necessitaram ter sua credibilidade endossada pelos EUA, como disse o então presidente do TSE e ministro do Supremo Tribunal Federal, Luis Roberto Barroso: "Pedi [a Douglas Koneff, então encarregado de negócios dos EUA no Brasil] algumas vezes... Declarações sobre a integridade e a credibilidade de nosso sistema eleitoral e a importância de nossa democracia. Ele deu a declaração, e, mais do que isso, conseguiu que o Departamento de Estado emitisse uma declaração em apoio à democracia no Brasil e à integridade do sistema eleitoral." (FSP 23.06.23).

Nas eleições de 2022 Lula e o PT fizeram uma campanha articulada em torno a salvar o país do fascismo, do reconhecimento da legitimidade do processo eleitoral e do estado de direito. Bolsonaro e seus apoiadores adotaram o discurso contrário. Apesar disso uma vez eleito, o governo Lula/Alckmin optou por albergar em seu interior muitos dos cabos eleitorais de Bolsonaro: fascistas, negacionistas e terraplanistas.  

Essa é uma das contradições que o PT conserva. Na sua origem lutou contra a ditadura militar, mas passados 40 anos, em 2023, reabilitou bolsonaristas, agraciando-os com ministérios, cargos, emendas e sinecuras.  

Desprovido de um programa coerente o PT, e seus governos em todas as esferas (federal, estadual ou municipal) é cativo da democracia burguesa, assim sendo, carrega em seu interior  uma das suas mazelas – a corrupção – e vacila na aplicação de medidas que possam limitar a exploração capitalista e sua acumulação.  

No espectro ideológico o PT não supera o liberalismo e o regime democrático-burguês. Sua  inspiração segue presa ao século XVIII, à  Revolução Francesa de 1789. Esse, inclusive, é o referencial para definir o PT, e seus aliados PCdoB (apesar do apelido comunista) e PSOL como esquerda liberal. Com base nessa experiencia histórica podemos definir como reacionários os defensores da monarquia, como democratas radicais os jacobinos, como socialistas os apoiadores da Conspiração dos Iguais dirigida por Graco Babeuf que propunha uma sociedade igualitária e como liberais os adeptos da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, que considera a propriedade privada como sagrada e divina.  

Presumir que o capitalismo e suas instituições não conspiram  contra os interesses populares é inocência. Os trabalhadores não podem desprezar que as contradições se avolumam  e os fatos recentes da América Latina revelam o caráter autoritário e golpista da classe dominante. Em nossa história recente várias foram as  deposições de governos “populares”: Jean-Bertrand Aristide no Haiti em 2004,  Manuel Zelaya em Honduras 2009, Fernando Lugo no Paraguai em 2012, Dilma Roussef em 2016 e Evo Morales em 2019 na Bolívia. Lula e seu governo não estão imunes ao golpismo. A democracia no Brasil, ao invés de inabalada, segue abalada pela pobreza e miséria social. A lógica do capital impõe a barbárie que se manifesta pelas guerras em curso e pelas políticas neoliberais.

 

 

27/10/23

 

JUROS TIRÂNICOS 5

 

Na véspera da reunião do Copom (Comitê de Política Monetária) do Banco Central do Brasil, dias 19 e 20 de setembro de 2023,  o jornal Valor Econômico informou que o mercado esperava um corte de 0,5% na taxa Selic. Ao final da reunião, na quarta dia 20, não foi surpresa que fosse esse o corte na taxa de juros. Por dois motivos, em primeiro lugar o mercado no dia anterior sinalizava acordo com o percentual, pois das 140 instituições financeiras ouvidas em levantamento promovido pelo jornal,  139 concordaram que este deveria  ser o percentual de queda; em segundo lugar, o próprio comitê em sua ata anterior havia antecipado que poderia prosseguir com uma redução de meio ponto percentual.

A Ata da 257ª reunião do Copom não difere em termos das atas anteriores. Adota um tom sóbrio ao se referir aos problemas econômicos das duas locomotivas da economia mundial: “O Comitê notou a elevação das taxas de juros de longo prazo dos Estados Unidos e a perspectiva de menor crescimento da China.” Ambas as constatações não são novidade, pois os sinais em ambos os países já eram de conhecimento público. Os EUA necessitam captar dinheiro e a China (mas também nenhum outro país) consegue manter um ritmo de crescimento em contínua progressão. A redução do nível de atividade econômica da China decorre de seu mercado interno, em alguns segmentos já saturado, mas também de uma retomada mais lenta do mercado mundial no pós pandemia.

No contexto nacional a Ata observa que o consumo das famílias é um dos responsáveis pelo crescimento econômico do país, tanto em função dos programas de distribuição de renda como de um mercado de trabalho ativo. Antes da reunião do Copom o Relatório Focus de 18 de setembro de 2023 projetava um crescimento do PIB em 2023 de 2,89% tendo em vista que o PIB no primeiro e segundo trimestres deste ano surpreenderam, 1,9% e 0,9% respectivamente.  O forte desempenho do agronegócio no primeiro trimestre de 2023 (compensando o desempenho negativo em 2022 com uma retração de 1,7%)  e as expectativas abertas pelas reformas regulatórias (arcabouço fiscal e tributária) foram citados como pontos que alimentam expectativas futuras de um bom desempenho da economia.

A queda da inflação, argumento central para a redução da taxa de juros, foi avaliada em uma dinâmica dividida em dois estágios. Em um primeiro notou-se uma diminuição dos preços de alimentos e industriais. Em um segundo estágio a desaceleração alcançou os preços de serviços. Foi com base nesse cenário que o Copom decidiu por abater 0,5% na taxa básica de juros, reduzindo-a para 12,75% ao ano.

A decisão foi unânime. Porém, o problema possui outro caráter. De um lado a gestão Lula 3 continua focada na estabilidade das contas públicas em tom de austeridade, secundarizando outros aspectos impulsionadores da economia, em particular a reativação industrial. E de outro lado a ênfase do Comitê em perseguir a meta de inflação se coloca como o maior obstáculo para o setor fabril, justificada nos seguintes termos: “(...) a necessidade de perseverar com uma política monetária contracionista até que se consolide não apenas o processo de desinflação como também a ancoragem das expectativas em torno de suas metas.” Essa obsessão, que reflete o poder do rentismo em preservar seus lucros, deve ser substituída pelos interesses populares por emprego e investimentos públicos em serviços sociais.

 


01/09/23

JUROS TIRÂNICOS 4

 

Em sua quinta reunião do ano e quinta na gestão Lula 3, o Comite de Política Monetária (Copom) do Banco Central do Brasil (BC) decidiu reduzir em meio ponto percentual (0,5) a taxa Selic (Sistema Especial de Liquidação e de Custódia), denominação dada para a taxa básica de juros no Brasil. Foi a primeira vez que houve redução da taxa neste ano, retomando o patamar de junho de 2022, em 13,25%. Porém, há exatos três anos, em 5 de agosto de 2020, o Copom anunciava uma taxa de 2% e a economia do país não evaporou.

 

A ATA DA 256ª REUNIÃO

 

O Copom reunido 1º e 2 de agosto de 2023, dessa vez com dois  novos diretores, Ailton de Aquino Santos e Gabriel Galípolo, ambos indicados pela gestão Lula 3, divulgou sua ata dia 8.

Como de praxe, lembrou que no plano internacional não houve mudanças significativas desde a última reunião do comitê, com a economia mundial em desaceleração e com os principais bancos centrais do mundo focados em promover a convergência da inflação para as suas respectivas metas. Sublinhamos que o FED (equivalente do banco central nos EUA) e o Banco Central Europeu (BCE) estabeleceram uma meta inflacionária de 2% ao ano. Para nós, o Conselho Monetário Nacional, em decisão anunciada dia 29 de junho, manteve a meta da inflação em 3,25% ao ano para 2023 e indicou que para os próximos anos será de 3%, até que seja alterada.

Em várias passagens a Ata reiterou que o objetivo é conter a inflação e o meio para obtenção da meta é promover uma política contracionista. O que isso significa? Em linguagem direta, contrair a atividade econômica e fomentar o desemprego. E pelo resultado da reunião, esse objetivo está sendo alcançado.

No item 6 da Ata, o Copom admitiu: “(...) que não há evidência de pressões salariais elevadas nas negociações trabalhistas” (p. 4), certifica que a política recessiva favorece o desemprego e encurrala os trabalhadores a ponto de inibir a organização de greves em defesa do salário.

Mais abaixo repete: “Ao fim, concluiu-se unanimemente pela necessidade de uma política monetária contracionista e cautelosa, de modo a reforçar a dinâmica desinflacionaria.” (p. 4).  Conferida credibilidade ao que está dito pela Ata, os dois novos diretores indicados na gestão Lula 3 estão de antemão alinhados com a direção do banco, pois o documento afirma que por unanimidade a política contracionista responsável pelo desemprego deve prosseguir. Em outra passagem, foi reforçada a ideia de coesão de propósitos: “Foi unânime o entendimento de que, independentemente da composição da diretoria colegiada ao longo do tempo, deve-se garantir a credibilidade e a reputação da Instituição” (p. 5).

Para os diretores do Copom, responsáveis pela condução da política de favorecimento do capital financeiro, a Ata salienta como um aspecto positivo para a baixa da inflação: “(...) uma desaceleração da atividade econômica global mais acentuada do que a projetada” (p.5). Concluem que, em ambas as esferas – nacional e internacional –, reduzir o nível de atividade econômica é o caminho. Fica evidente que existe uma articulação global dos bancos centrais para desaquecer o mercado mundial e dessa forma intimidar os trabalhadores. Não se trata de inferência, mas de uma confirmação pela leitura da Ata: “Permanece, assim, a determinação dos bancos centrais de controlarem a inflação por meio da manutenção do aperto da política monetária por período mais prolongado.” (p. 3).

  

 

 

O CONTEXTO

 

Numa análise do primeiro semestre de 2023, o comportamento da inflação, se comparado com a taxa Selic, vai revelar que o juro real no Brasil aumentou em termos reais e, por extensão, a renda dos especuladores. Logo, a redução da taxa Selic em meio ponto percentual não está em função de auxiliar o governo ou beneficiar a sociedade, mas resulta de uma queda da inflação que já permitiu grande acúmulo de capital aos rentistas. Confira na tabela abaixo a constatação de que os juros reais se elevaram ao longo do ano, portanto  a redução da taxa Selic está alinhada com os interesses do mercado. 






O Copom insiste em defender que o caráter de sua política é contracionista e dela não abrirá mão. Uma das formas de se evidenciar essa política está no raquítico desempenho da indústria brasileira. O primeiro semestre de 2023 serve de exemplo: em três dos seis meses houve retração industrial (janeiro, fevereiro e abril); nos três meses em que houve expansão, em dois deles (maio e junho) o aumento foi muito baixo, quase desprezível, ― 0,3 e 0,1 respectivamente. O segmento é o mais importante e sensível da economia,  é o que melhor remunera e exige mão de obra mais qualificada. Esse quadro reflete a política do BC conduzida por Campos Neto.

 








Na véspera da reunião, o jornal Valor Econômico, de propriedade do Grupo Globo, porta voz do mercado financeiro, dos megainvestidores e do imperialismo global, em matéria publicada na edição de 31 de julho,  informou o levantamento de opinião entre 128 instituições financeiras sobre qual deveria ser a decisão do Copom acerca dos juros – somente uma defendeu a manutenção da taxa em 13,75 e uma outra não declarou. Aquilo que pode ser lido como uma matéria jornalística nada mais era que um ordenamento ao Banco Central sobre qual deveria ser sua decisão. Um total de 99,2% das instituições validava uma flexibilização da política monetária avalizando uma queda da taxa. A diferença de opinião recaiu sobre o ritmo e o percentual: 64,6% defendiam uma queda de 0,25 enquanto 34,6% apostavam em 0,5.

 

No mesmo dia em que publicou a matéria referida acima, o jornal Valor Econômico manifestou-se e, num editorial despudorado, revelou o pensamento das classes dominantes do Brasil sobre os problemas da economia e qual deve ser a principal medida do BC para conter a inflação: “(...) o mercado de trabalho segue com um desempenho melhor do que o esperado (...) Representa, por outro lado, um desafio para o Banco Central baixar a inflação para a meta de longo prazo (...) O mercado de trabalho deveria se desacelerar, ampliando a taxa de desemprego e o nível de ociosidade, garantindo uma queda duradoura da inflação.” (Editorial:  Mercado de trabalho segue mais forte que o esperado). Isto é, para a plutocracia que possui as riquezas do Brasil, os trabalhadores devem ser jogados na miséria. É essa a civilização do mercado.

O infortúnio reside no fato de que setores da esquerda liberal, amplos setores dos movimentos sociais e do governo seguem acreditando que é possível uma conciliação com as classes dominantes do Brasil. Essa política, que não resulta de ingenuidade, mas de crença em pactos de governabilidade, é filha da perdição.

07/07/23

 

JUROS TIRÂNICOS III


No dia 27 de junho de 2023 o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central do Brasil divulgou a ata de sua 255ª reunião ocorrida dias 20 e 21. Ela está dividida em quatro partes. Na primeira “A) atualização da conjuntura econômica e do cenário do Copom” inicia por destacar que o ambiente externo segue adverso. O que não é novidade pois repete o que já havia apontado anteriormente. Contudo omite um dos aspectos centrais da economia mundial que é a instabilidade financeira dos EUA. Se ao final de maio o Congresso dos EUA não tivesse votado em ritmo urgente a suspensão do teto da dívida pública até 1º de janeiro de 2025 o mundo assistiria a uma pane geral, pois eles não teriam como girar sua economia. Caso essa fosse a realidade de qualquer outro país “emergente”, como o Brasil ou Argentina, a imprensa global estaria praticando seu habitual terrorismo de fim do mundo, mas como se trata dos EUA há um embargo geral de reportagens sobre o assunto. O problema da dívida pública no Brasil também é acobertado, ela é a questão central de nossa economia e o pano de fundo dos juros da taxa Selic. Tanto o governo Lula 3 como a serviçal grande imprensa escondem que a remuneração da dívida pública escoa recursos das áreas sociais e investimentos públicos. De acordo com nota para a imprensa de 30 de junho de 2023 o BC informou no documento “Estatísticas Fiscais” que só no mês de maio foram pagos de juros aos especuladores a soma de R$69,1 bilhões.

Na segunda parte intitulada “B) Cenários e análise de riscos” faz um apelo à “serenidade e paciência” o que significa aceitar que o rentismo prossiga acumulando riqueza ao ponto de fechar o ano com balanço de ganhos acima da inflação. Fez uso de uma linguagem de natureza incerta ao reconhecer que o comportamento do processo inflacionário presente e futuro depende de expectativas, que podem ser verdadeiras ou falsas. “O Comitê segue avaliando que expectativas desancoradas elevam o custo de trazer a inflação de volta à meta”. 

Ao afirmar que inexiste relação entre a baixa da inflação e a aprovação do Novo Arcabouço Fiscal não só frustra o ministro da Fazenda como despreza todo o esforço governamental de reformulação do teto de gastos. Na visão dos membros do Comitê está embutida avaliação de que apesar da aprovação do teto de gastos na gestão Temer em dezembro de 2016, implementado a partir do ano seguinte, a inflação flutuou de modo independente. Portanto, pode-se concluir que o novo teto de gastos da gestão Lula/Haddad seria desnecessário, como instrumento de contenção da inflação, e deveria ser revogado ao invés de aperfeiçoado “O Copom novamente enfatizou que não há relação mecânica entre a convergência de inflação e a aprovação do arcabouço fiscal, uma vez que a trajetória de inflação segue condicional à reação das expectativas de inflação e das condições financeiras.”

A visão petista de desenvolvimento com bem-estar pressupõe que os juros possuem efeito direto sobre o crédito e a atividade econômica. O que pode ser verdade a depender de inúmeras outras variáveis. Quanto mais caro o dinheiro maior a inibição de investimentos e por extensão o crescimento econômico. Essa, porém não é a prioridade do mercado e da classe empresarial.

Na parte seguinte: “C) Discussão sobre a condução da política monetária” flerta com o governo ao relatar divergência no Comitê sobre recuo da taxa Selic. De acordo com a ata predominou na reunião a visão de que há um processo desinflacionário que poderia dar início à queda dos juros. Houve contraposição a essa opinião ao se questionar as bases econômicas de confluência da inflação para sua meta. Apesar da diferença de opinião: “(...) os membros do Comitê foram unânimes em concordar que os passos futuros da política monetária dependerão da evolução da dinâmica inflacionária, em especial dos componentes mais sensíveis à política monetária e à atividade econômica, das expectativas de inflação, em particular as de maior prazo, de suas projeções de inflação, do hiato do produto e do balanço de riscos”. Ou melhor, mesmo dada publicidade a eventuais diferenças de opinião quanto ao momento de promover a queda da taxa Selic prevalece o consenso de que a baixa dos juros dependerá de condições favoráveis o que é muito relativo em se tratando das flutuações do mercado (que são mais imprevisíveis que a meteorologia).

Na última parte “D) Decisão de política monetária”, ainda que a grande mídia tenha enfatizado que o Copom poderá iniciar a redução dos juros em sua próxima reunião de agosto a ata encerrou seu relato com uma mensagem de inflexibilidade de sua política: “O Comitê reforça que irá perseverar até que se consolide não apenas o processo de desinflação como também a ancoragem das expectativas em torno de suas metas.”

A divulgação da ata foi precedida pela publicação dia 21 de junho de 2023 do Comunicado “255ª reunião Copom mantém a taxa Selic em 13,75% a.a.” Nele em três passagens fica clara a indisposição do banco em alterar sua rota, malgrado toda a pressão dos gestores do governo Lula 3. A expectativa do BC é prejudicial para os trabalhadores pois aponta em tom positivo que o Brasil “ (...) segue consistente com um cenário de desaceleração da economia nos próximos trimestres”. Campos Neto e a diretoria do BC atuam por jogar a economia do país na recessão, por aumentar o desemprego e por diminuir a renda dos trabalhadores. Em outra passagem do mesmo comunicado exercitam o cinismo ao afirmar que “(...) essa decisão também implica suavização das flutuações do nível de atividade econômica e fomento do pleno emprego”.  É, portanto, o reconhecimento de que a política monetária do BC é propositalmente recessiva. Para colocar a inflação na meta não possuem pudores em desaquecer o mercado de trabalho. Ao contrário do que os eunucos do mercado financeiro (a expressão é de autoria do velho Leonel Brizola) – os jornalistas econômicos da grande imprensa ao repercutirem a reunião omitiram que os agentes do mercado que dirigem o BC não possuem nenhuma intenção de alterar a rota dos juros, pois o comunicado reitera: “O Copom conduzirá a política monetária necessária para o cumprimento das metas e avalia que a estratégia de manutenção da taxa básica de juros por período prolongado tem se mostrado adequada para assegurar a convergência da inflação”.

Depois da reunião do comitê ocorreram dois fatos que se relacionam diretamente com a política monetária da gestão Lula 3. O primeiro foi a reunião do Conselho Monetário Nacional (CMN) dia 29 de junho de 2023, composto por apenas três membros, o ministro da Fazenda Fernando Haddad, a ministra do Planejamento Simone Tebet e o presidente do Banco Central Campos Neto. Em entrevista, terminado o encontro, foi anunciado que a meta da inflação deixará de ser aferida pelo ano calendário de janeiro a dezembro para ser contínua, o referencial será de 24 meses. A mudança entra em vigor a partir de janeiro de 2025 com intervalo de tolerância de 1,5%. Manteve a meta da inflação de 2023 em 3,25% ao ano e daí em diante 3% a.a. até que seja alterada. Em nossa leitura resulta como conclusão da reunião que o atual presidente do BC terá liberdade para definir a critério de mercado a taxa de juros, que não será demitido e que qualquer mudança substantiva só a partir de janeiro de 2025. O segundo fato: Haddad indicou Lula avalizou e Galípolo, um “ex” banqueiro, foi aprovado pelo Senado em 4 de julho de 2023, e em breve assumirá a diretoria de política monetária do Banco Central. Poderia ter sido um trabalhador, mas esse não é um governo de trabalhadores.

Há exatos 20 anos, em 2003, Lula, os petistas e os partidos satélites que compunham a base do governo reclamavam da herança maldita de FHC (expressão utilizada para se referir aos problemas herdados da gestão anterior). Essa era a justificativa para fora do governo (externa corporis na expressão em latim), para justificar ao cidadão que o governo gostaria de garantir o bem-estar mas não pode. Todavia, a verdade era outra, a condução da política econômica para dentro do governo Lula 1 (interna corporis, na expressão em latim) dava continuidade ao tripé econômico do Plano Real: meta inflacionária, superávit fiscal e câmbio flutuante, daí não cumprir suas promessas eleitorais. Palocci era o ministro da Fazenda e o ex-banqueiro e deputado federal eleito pelo PSDB de Goiás Henrique Meirelles era o presidente do Banco Central.  Passados 20 anos a gestão Lula 3 segue na mesma linha, atribui ao antecessor a culpa por não poder promover as transformações necessárias para a vida dos trabalhadores, mas atende as exigências da patronal. Essa política oferece riscos mais sérios e de consequências mais danosas que as vividas no período 2013 – 2016, das jornadas de junho ao impeachment de Dilma.

  O PRONUNCIAMENTO DE HADDAD E O INSUSTENTÁVEL PESO DO ARCABOUÇO FISCAL   Se o regime político do Brasil fosse o parlamentarismo caberia...