JUROS TIRÂNICOS 6
Em campanha
eleitoral a chapa Lula-Alckmin prometeu rever a autonomia do Banco Central (BC).
Passados mais de um ano essa foi uma das tantas promessas abandonadas. Por
ocasião da posse, em janeiro de 2023, a
taxa Selic estava em 13,75% ao ano, em dezembro foi cotada em 11,75%. E na
primeira reunião do Comite de Política Monetária (Copom) de 2024 caiu para
11,25%. O movimento de queda começou em agosto de 2023 com 0,5% e continuou nas
cinco reuniões seguintes. Mas ainda é alta. Um dos motivos da taxa permanecer elevada
está na presença de Campos Neto como presidente do BC, indicado por Bolsonaro e
Paulo Guedes, e na subordinação do governo ao capital financeiro. A lei que
conferiu autonomia ao BC estabeleceu uma desconexão entre os mandatos de
presidente da república e o do banco. Por isso, há a necessidade de revogar a Lei
Complementar nº 179/2021.
As duas últimas reuniões de 2023 do Copom
ocorridas a 1º de novembro e 13 de dezembro, não registraram mudança no que
havia sido anunciado na reunião de agosto, com previsão de reduzir a taxa Selic
em 0,5% a cada reunião. A ata das duas reuniões não aprofundou nenhuma análise substantiva,
nem introduziram novos elementos, foram protocolares. A repercussão da reunião
de dezembro, última do ano, que poderia ensejar um balanço público, deixou a
impressão de que ambos os lados se acomodaram. O governo desistiu de criticar a
gestão Campos Neto e ele abaixou um pouco a taxa. Porém, aquém das necessidades
de crescimento econômico do país. De comum acordo entre os lados (governo e
rentistas) perdura a omissão do problema central da economia brasileira – a
dívida pública. Ela exige ser auditada e enquanto isso não ocorrer que seja
decretada a moratória de seu pagamento.
Em 7 de fevereiro de 2024 o BC
divulgou “Estatísticas Fiscais” com dados sobre o pagamento dos juros da dívida:
“Em 2023, os juros nominais do setor público consolidado, apropriados pelo critério
de competência, alcançaram R$718,3 bilhões (6,61% do PIB), (...).” A título
de comparação o orçamento do Estado de São Paulo para 2024 é de R$ 328 bilhões,
ou seja, paga-se em juros da dívida mais que o dobro dos gastos anuais de São
Paulo. De acordo com o mesmo documento do BC,
cada um ponto percentual de juros na taxa Selic equivale a R$46,4
bilhões a ser pago aos rentistas. Daí a urgência em reduzir os juros, combinado
a uma auditoria e moratória da dívida.
Na tabela abaixo, a título de mera ilustração,
é possível visualizar o comportamento da
taxa Selic, do IPCA (principal índice de inflação do Brasil) e presumir uma
taxa real de juros, que só no mês de dezembro de 2023 rendeu aos especuladores do
mercado R$ 63,9 bilhões (cf. Estatísticas Fiscais: Banco Central do
Brasil, 07.02.2024).
2023 |
taxa SELIC |
IPCA acumulado em 12 meses |
juros reais presumidos |
|
Janeiro |
13,75 |
5,77 |
7,98 |
|
Fevereiro |
13,75 |
5,60 |
8,15 |
|
Março |
13,75 |
4,65 |
9,10 |
|
Abril |
13,75 |
4,18 |
9,57 |
|
Maio |
13,75 |
3,94 |
9,81 |
|
Junho |
13,75 |
3,16 |
10,59 |
|
Julho |
13,75 |
3,99 |
9,76 |
|
Agosto |
13,25 |
4,61 |
8,64 |
|
Setembro |
12,75 |
5,19 |
7,56 |
|
Outubro |
12,75 |
4,82 |
7,93 |
|
Novembro |
12,25 |
4,68 |
7,57 |
|
Dezembro |
11,75 |
4,62 |
7,13 |
|
Reuniões do Copom: 30 e 31 de janeiro, 19 e 20 de março, 7 e 8 de maio, 18 e 19 de junho, 30 e 31 de julho, 17 e 18 de setembro, 5 e 6 de novembro, 10 e 11 de dezembro |
A visão dos membros do Copom, que tem se manifestado em uníssono, é o de que a dinâmica desinflacionária será obtida por meio de uma desaceleração gradual da economia. As consecutivas quedas se justificam por esse motivo. E com misto de arrogância e desfaçatez o Comitê afirma que sua decisão de caráter contracionista promove o “(...) fomento do pleno emprego” (21º parágrafo da Ata 260ª Reunião 30-31 de janeiro de 2024).
Durante 2023 o
mercado financeiro nacional e internacional apostou que no Brasil e nos EUA a “convergência
da inflação para a meta e ancoragem das expectativas” seria obtida com uma
política recessiva. Todavia essa não foi a realidade. Os megainvestidores e os
gestores dos principais bancos centrais do mundo ficaram surpresos com o fato
de que a esperada crise não aconteceu e a inflação não subiu, como foi registrado
pelo jornal Valor Econômico dia 5 de janeiro de 2024: “Os economistas
passaram os últimos meses de 2023 investigando um enigma: a inflação caiu
bastante, bem mais do que se previa, sem uma recessão. Agora que começa um novo
ano, ainda não há uma resposta consensual para esse mistério, e ele deverá
pautar o ritmo e o tamanho dos cortes de juros pelo banco central de 2024”.
Contudo, nos
parece que o cenário dos juros em 2024 está traçado pela agiotagem financeira
internacional. Arend Kapteyn economista chefe do UBS, banco suíço que
incorporou o Credit Suisse em meados de 2023, concedeu uma entrevista ao jornal
Valor Econômico, publicada dia 31 de janeiro de 2024 tratando de
economia mundial e taxa de juros. Sobre os EUA ponderou como problemas econômicos
a existência de um mercado de trabalho em desaceleração, o fim das
transferências de renda do período de confinamento e pós-pandemia,
um varejo aquecido por dois componentes; de um lado, a poupança do
período pandêmico, e de outro, 40% de seu total financiado por cartão de
crédito. O banqueiro afirmou que “A recessão [nos EUA] deve começar
em maio (...)” com uma queda de 1% do PIB, gerando 1,3 milhão de novos
desempregados, elevando a taxa para 5%: “Com esse tamanho de desemprego o
FED vai cortar os juros dos atuais 5,5% e chegar no fim de 2024 a 2,75%
atingindo 1,25% no fim do ciclo de afrouxamento em 2025”. Diante desse
cenário avaliou o comportamento dos juros no Brasil e, justamente no dia da
primeira reunião do Copom em 2024, prognosticou a evolução da política
monetária brasileira: “Acreditamos que o BC vai cortar 0,50 ponto por
reunião até junho e depois aumentar os cortes para 0,75 ponto, com a Selic
chegando em novembro a 8%”.
Essa não é uma
simples opinião, mas uma diretriz que o sistema financeiro brasileiro deve
seguir. Esse receituário é o mesmo, pois se trata da agiotagem do mercado
financeiro que com a justificativa de combater a inflação promove na verdade
uma recessão para chantagear a sociedade e os trabalhadores. Observe-se que de
acordo com o economista do banco suíço a queda dos juros nos EUA decorrerá do
início de uma recessão. Caberia ao governo brasileiro, fosse ele soberano, ignorar o gradualismo do mercado global e
determinar de imediato um tombo na taxa Selic para no máximo 2% ao ano para
impedir que o país entre numa recessão que ocasionará um maior desemprego e um
maior flagelo social.