O
8 DE JANEIRO E A DEMOCRACIA TUTELADA
“Foi
o maior ataque à democracia brasileira”.
Repetida à exaustão por cidadãos, autoridades políticas e redes sociais
em referência aos eventos de 8 de janeiro de 2023 em Brasília, ocasião em que a
Praça dos Três Poderes foi vandalizada, essa frase não corresponde aos fatos.
Desconsidera que em perspectiva histórica a maior afronta à legalidade foi o
golpe militar de 1964 que destitui o presidente João Goulart. E antes da
deposição de seu governo, que era constitucional, houve a instituição de um
arremedo de regime parlamentarista de setembro de 1961 a janeiro de 1963,
visando limitar os poderes dele, diante da renúncia de Jânio Quadros em agosto de 1961.
Há um ano (12.01.23)
afirmávamos que: “Com base na experiência histórica e no rigor conceitual, a
invasão dos prédios e palácios em Brasília não foi um golpe de Estado. Faltou o
destacamento militar que invade, ocupa, destituí o governo e se autodeclara
governante, transfere ou concede o exercício do poder a quem couber. Não havia
uma força real armada. (post Apoteose Negacionista). As apurações, apesar
de todas as falhas, evidenciam que caracterizar os acontecimentos como
tentativa de golpe seria um exagero. Ao longo desses 12 meses os que afirmaram
que a tentativa malogrou devido a ação de militares legalistas encobrem um fato
relevante no mês anterior. Dia 5 de dezembro de 2022 o governo Biden enviou um
emissário com recado explícito de assegurar que qualquer tentativa de questionar
a legitimidade da eleição de Lula não seria apoiada pelos EUA. Nesse dia Lula
recebeu o Conselheiro de Segurança Nacional dos Estados Unidos, Jake Sullivan além
do assessor do governo dos EUA para a América Latina Ricardo Zuñiga. A advertência
era, desautorizar os militares a qualquer iniciativa de impedir a posse de
Lula. Inexiste a possiblidade de uma ação golpista em desacordo com os EUA.
Admitam ou não, o Brasil segue com sua soberania tutelada pelos EUA. "O
secretário de Defesa, o chefe da CIA, o assessor de Segurança Nacional, todos
visitaram o Brasil em um ano eleitoral.[2022]. Isso é normal? Não, não é."
(FSP 23.06.23). Declarou o ex-funcionário
do Departamento de Estado e ex-embaixador dos EUA no Brasil, Michael McKinley.
Seis meses após a suposta tentativa de golpe o
jornal Folha de São Paulo (FSP), edição do dia 23 de junho de 2023, reproduziu
um artigo originalmente publicado pelo jornal britânico Financial Times
intitulado “EUA fizeram campanha para defender Brasil de possível golpe de Bolsonaro”. Na matéria ficou claro
que o governo dos EUA atuou no sentido de cacifar o processo eleitoral
brasileiro “Washington também tinha uma motivação mais direta. Depois de
apoiadores de Trump invadirem o Capitólio para tentar subverter os resultados da eleição
de 2020, Biden, dizem funcionários americanos, rejeitava fortemente qualquer
tentativa de Bolsonaro de questionar resultados de uma eleição livre e justa.”
A matéria informou que no dia 8 de janeiro, em meio ao vendaval que
tomou conta de Brasília, Lula e Biden conversaram por telefone. Os detalhes do
que foi acertado permanece em segredo. Ambos os presidentes, a mídia corporativa
e a esquerda liberal silenciam sobre o conteúdo do diálogo e seu registro: “Biden
estava no México no momento da insurreição, numa cúpula de líderes
norte-americanos, e assistiu ao que estava acontecendo nos jornais. "Ele pediu para falar com Lula na mesma hora", diz
um alto funcionário da administração. "Depois do telefonema, propôs ao
primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau, e ao presidente mexicano, Andrés Manuel López Obrador, que fosse emitido um comunicado
trilateral em apoio a Lula e ao Brasil. Foi a primeira vez que algo assim foi
feito na América do Norte." (FSP
23.06.23).
Organizadas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) as eleições de
2022 necessitaram ter sua credibilidade endossada pelos EUA, como disse o então
presidente do TSE e ministro do Supremo Tribunal Federal, Luis Roberto Barroso:
"Pedi [a Douglas Koneff, então encarregado de negócios dos EUA no
Brasil] algumas vezes... Declarações sobre a integridade e a credibilidade de
nosso sistema eleitoral e a importância de nossa democracia. Ele deu a
declaração, e, mais do que isso, conseguiu que o Departamento de Estado emitisse
uma declaração em apoio à democracia no Brasil e à integridade do sistema
eleitoral." (FSP 23.06.23).
Nas eleições de 2022 Lula e o PT fizeram uma campanha articulada em
torno a salvar o país do fascismo, do reconhecimento da legitimidade do
processo eleitoral e do estado de direito. Bolsonaro e seus apoiadores adotaram
o discurso contrário. Apesar disso uma vez eleito, o governo Lula/Alckmin optou
por albergar em seu interior muitos dos cabos eleitorais de Bolsonaro:
fascistas, negacionistas e terraplanistas.
Essa é uma das contradições que o PT conserva. Na sua origem lutou
contra a ditadura militar, mas passados 40 anos, em 2023, reabilitou
bolsonaristas, agraciando-os com ministérios, cargos, emendas e sinecuras.
Desprovido de um programa coerente o PT, e seus governos em todas
as esferas (federal, estadual ou municipal) é cativo da democracia burguesa,
assim sendo, carrega em seu interior uma
das suas mazelas – a corrupção – e vacila na aplicação de medidas que possam
limitar a exploração capitalista e sua acumulação.
No espectro ideológico o PT não supera o liberalismo e o regime
democrático-burguês. Sua inspiração
segue presa ao século XVIII, à Revolução
Francesa de 1789. Esse, inclusive, é o referencial para definir o PT, e seus
aliados PCdoB (apesar do apelido comunista) e PSOL como esquerda liberal. Com
base nessa experiencia histórica podemos definir como reacionários os defensores
da monarquia, como democratas radicais os jacobinos, como socialistas os apoiadores
da Conspiração dos Iguais dirigida por Graco Babeuf que propunha uma sociedade
igualitária e como liberais os adeptos da Declaração dos Direitos do Homem e
do Cidadão de 1789, que considera a propriedade privada como sagrada e
divina.
Presumir que o capitalismo e suas instituições não conspiram contra os interesses populares é inocência. Os
trabalhadores não podem desprezar que as contradições se avolumam e os fatos recentes da América Latina revelam
o caráter autoritário e golpista da classe dominante. Em nossa história recente
várias foram as deposições de governos “populares”: Jean-Bertrand
Aristide no Haiti em 2004, Manuel
Zelaya em Honduras 2009, Fernando Lugo no Paraguai em 2012, Dilma Roussef em
2016 e Evo Morales em 2019 na Bolívia. Lula e seu governo não estão imunes ao
golpismo. A democracia no Brasil, ao invés de inabalada, segue abalada pela
pobreza e miséria social. A lógica do capital impõe a barbárie que se manifesta
pelas guerras em curso e pelas políticas neoliberais.