PRIMEIRAS
MEDIDAS FISCAIS DE LULA 3
As contradições acumuladas no
Brasil são explosivas, prova disso foram os acontecimentos em Brasília dia 8 de
janeiro de 2023. Diante dessa realidade, as medidas anunciadas pelo Ministro da
Fazenda dia 12 de janeiro decepcionaram. Entre o que está previsto para ser
arrecadado em 2023 e os gastos o governo estimou um déficit de R$ 231 bilhões.
Por esse motivo o Ministério da Fazenda anunciou medidas com objetivo de
ampliar a arrecadação para R$ 193 bilhões, cortar gastos de R$ 50 bilhões e
dessa forma gerar um superavit de R$ 11,3 bilhões. Matematicamente zera o
déficit e cria um pequeno saldo nas contas de 2023. Resumidamente as
providências foram: aumento de tributos, mudança de cálculo dos créditos do
ICMS, transferência de recursos do PIS/Pasep para a conta Tesouro, mudanças no
CARF, estímulo à quitação de débitos com Fisco e novos padrões de projeção de
receita.
Se a situação é das mais graves,
se de fato o que houve em Brasília dia 8 foi uma tentativa de golpe, as medidas
econômicas não desativam a bomba relógio do levante bolsonarista, pois do outro
lado as propostas anunciadas não caminham na direção de solidificar uma base de
apoio ao governo Lula 3. Embora não pertença ao nosso espectro político, a
destituição na noite de 16 de janeiro de Josué Gomes da Silva, proprietário da
Coteminas dona das marcas de Artex e Santista, da presidência da FIESP exibe o
nível de tensão e de conspiração dos bolsonaristas e da elite empresarial. Na
véspera Geraldo Alckmin, vice-presidente e Ministro do Desenvolvimento,
Indústria, Comércio e Serviços esteve presente à sede da FIESP para cacifar
apoio a Gomes da Silva e evitar o impeachment dele, mas o prestígio e moral de
Alckmin é tão baixo, quase nulo, que não impediu a queda do presidente da
FIESP.
Entretanto, duas medidas fiscais
do atual governo Lula, escondem a preocupação com saldos financeiros. A
primeira reitera o fisiologismo do parlamento com patrocínio do Executivo,
pois, ao invés de eliminar com as emendas de relator, conhecidas como orçamento
secreto, ampliou seus recursos: o relator geral do orçamento terá R$ 19,4 bilhões,
as bancadas estaduais de deputados federais terão R$ 7,7 bilhões e as emendas
individuais terão R$ 11,7 bilhões, totalizando R$ 38,8 bilhões. A segunda foi
manutenção do mecanismo de Desvinculação de Receitas da União (DRU) com
validade até o dia 31 de dezembro de 2023. Isso significa reter 30% da
arrecadação da União (relativa às contribuições sociais, às de domínio
econômico e às taxas) em evidente desrespeito às demandas sociais e aos
propósitos e finalidades com que foram criadas. Trata-se de mais um artifício
para gerar saldo em caixa.
Vejamos alguns aspectos das ações
divulgadas dia 12 pelo Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e principalmente
as duas omissões que antecipam um mal começo: a questão do salário mínimo e o
reajuste da tabela do imposto de renda
FISCALISMO
O princípio que orientou a adoção
das medidas iniciais de Lula 3 obedece à lógica fiscalista que aprisionou as
mentes e o debate econômico no Brasil. Trata-se de uma imposição do mercado
financeiro nacional e internacional. O fiscalismo é um conjunto de argumentos
mentirosos e falaciosos que visam limitar os gastos sociais do Estado para que
haja sobra
de recursos para o pagamento dos
juros e amortizações da dívida pública. Segundo esse pensamento, o Estado não
pode gastar mais do que arrecada e os gastos não podem ser orientados para as
demandas sociais da população. Esse disparate é aceito pela intelectualidade
reformista, pela burocracia sindical, pelos acadêmicos e tantos outros.
Considerando os dados divulgados
pelo Ministério da Fazenda seu objetivo com as medidas, vide tabela, é obter um
resultado primário de R$ 11,1. Não iremos detalhar todas suas propostas, mas
destacar duas:
1) a primeira é impor ao governo
uma redução nos gastos orçamentários de R$ 50 bilhões. Isso em um orçamento já
apertado. A retomada de obras embargadas, do crescimento econômico e de
programas sociais demandam, pelo contrário, um maior aporte de recursos.
2) a outra é a proposta de
reonerar os combustíveis (gasolina e etanol), a partir de março, para gerar R$
28,9 bilhões. O diesel fica de fora até dezembro de 2023, mas volta a ser
majorado em 2024 para que os combustíveis em conjunto possam gerar um saldo de
R$ 54,5 bilhões, vide tabela “medidas de recuperação fiscal”. Ou seja, o
governo lança mão de propostas impopulares e inflacionárias para agradar os
especuladores. Por dois motivos essa medida revela um desprezo aos
trabalhadores: a) politicamente é impopular, pois poderá originar uma revolta
como vimos tanto na França – com o movimento dos coletes amarelos iniciado em
2018, bem como no Equador – com uma greve geral em meados de 2022 que se
estendeu por dias; b) economicamente a desoneração dos combustíveis foi um dos
principais meios de contenção da inflação no ano passado. Em abril de 2022, a
inflação acumulada dos últimos 12 meses foi de 12,13% (IPCA). Com as medidas de
desoneração a inflação iniciou um curso descendente fechando o ano em 5,79%
(IPCA).
MEDIDAS DE RECUPERAÇÃO FISCAL |
EXPECTATIVA DE ARRECADAÇÃO
(BILHÕES) |
|
||
2023 |
2024 |
|||
Deficit primário do governo central constante da LOA 2023 |
-231,6 |
|||
Ações de receitas extraordinárias |
73 |
|||
Receita com transferência de recursos do PIS/Pasep para o tesouro |
23 |
|||
Incentivo extraordinário à redução de litigiosidade no Carf |
35 |
|||
Incentivo extraordinário à denúncia espontânea |
15 |
|||
Ações de receitas permanentes |
83,3 |
120,9 |
||
Aproveitamento de crédito do ICMS |
30 |
39,8 |
||
PIS e Cofins sobre receita financeira |
4,4 |
6 |
||
Volta de cobrança de PIS e Cofins sobre combustíveis |
28,9 |
54,5 |
||
Efeito permanente do incentivo à redução de litigiosidade no Carf |
15 |
15,5 |
||
Efeito permanente do incentivo à denúncia espontânea |
5 |
5,2 |
||
Reestimativa de receitas |
36,4 |
37,5 |
||
Ações de reduções nas despesas |
50 |
26,6 |
||
Efeito permanente da revisão de contratos e programas |
25 |
26,6 |
||
Execução inferior ao autorizado na LOA 2023 |
25 |
|||
Efeito líquido sobre o resultado primário |
242,7 |
131,9 |
||
Resultado primário final |
11,1 |
|||
Fonte: Ministério da Fazenda |
Em relação à litigiosidade no
pagamento de impostos as medidas relativas ao Conselho Administrativo de
Recursos Fiscais (CARF) são débeis. O CARF é um tribunal administrativo da
Receita Federal que recebe e discute as contestações das autuações da própria
Receita. A proposta que resgata o voto de qualidade no CARF foi oportuna. Desde
2020, quando perdeu o direito de arbitrar em favor do Fisco as demandas de
conflitos tributários favoreciam os réus. Por anos o Estado deixou de arrecadar
R$ 60 bilhões. Outra mudança foi a permissão para que a União possa recorrer ao
Judiciário nos casos em que avaliar prejuízo ao erário. Criado em 2009, o CARF
poderia ser extinto, pois é instância que protela o pagamento de impostos por
parte de sonegadores e, em muitos casos, acaba por favorecê-los com anistia
e/ou descontos tributários. Com as mudanças o governo espera recolher R$ 50 bi,
vide tabela acima, quando o estoque de dívidas chega a R$ 1 trilhão. Essa
diferença entre o esperado e o que poderia ser cobrado revela a timidez do
governo. Esse saldo devedor deveria ser diligenciado ao poder Judiciário e
executado imediatamente.
SALÁRIO
MÍNIMO
Salário-mínimo: essa foi a maior
e mais importante omissão. Das deliberações que geravam grande expectativa
entre 60 milhões de cidadãos estava a confirmação do anúncio da elevação do
salário mínimo (SM) de R$ 1.302,00 para R$ 1.320,00. A desculpa dada pelo
governo para que isso não ocorresse foi a pior possível: a descoberta de que a
fila de concessões do INSS andou, o que acarretaria gastos não previstos
impedindo o reajuste do salário mínimo como havia sido cogitado durante a
campanha eleitoral e no período do governo de transição. Os segmentos que
recebem aposentadoria, benefícios e os milhares de trabalhadores que dependem
do salário-mínimo para sua sobrevivência foram desprezados (35 milhões de
trabalhadores e 25 milhões de pessoas vinculadas ao INSS). Dentre os setores
prejudicados estão os trabalhadores da área de serviços domésticos que em sua
maioria recebem o piso salarial vigente, composto em sua maioria por mulheres.
Estima-se que o custo de subir em R$ 18 o SM giraria em torno de R$ 7 bilhões.
Um troco – perto dos valores rolados em juros e amortização da dívida pública.
As centrais sindicais defendem o valor de R$ 1.347,00. Todos muito abaixo do
salário mínimo do DIEESE calculado em R$ 6.600,00. Para tentar contornar o
menosprezo com os trabalhadores, o governo estuda pagar o valor de R$ 1.320,00
a partir de maio. Resta saber se prevalecerá o interesse dos trabalhadores ou o
dos especuladores.
IMPOSTO
DE RENDA
Segunda omissão: atualização da
tabela do imposto de renda. Não bastasse uma das maiores desigualdades sociais
do mundo, um salário mínimo muito abaixo do básico para uma vida digna, uma
ausência generalizada de qualidade dos serviços públicos, um trabalhador que
ganha cerca de 1,5 salário mínimo será obrigado a pagar imposto de renda neste
ano. Como se sua remuneração fosse renda. Enquanto isso desde 1995, gestão FHC
1, lucros e dividendos não pagam imposto de renda. A atualização da tabela do
imposto de renda deve ser imediata. Ao contrário do que declarou em 16 de
novembro o atual ministro do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e
Combate à Fome do Brasil Wellington Dias, que disse que: “a promessa do
presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), de elevar a faixa de isenção
do Imposto de Renda de pessoas físicas para R$ 5.000 é uma meta "para o
mandato" — que terá duração até 2026” (Folha de S. Paulo 16.11.22) Isso
é uma ofensa: deixar o reajuste da tabela para 2026, ano eleitoral e até lá
alimentar a ciranda financeira. Estima-se a que a atualização consumiria R$ 100
bilhões, apenas 10% do calote dos grandes empresários no CARF. A faixa de isenção
não só deve ser atualizada como o ganho mensal para tributação deve ser o
salário mínimo do DIEESE R$ 6.600,00. Utilizando o mesmo princípio demagógico
adotado em 2003 de que a herança maldita do governo anterior impede adotar
medidas de resgate social, prepondera, desde já no governo, a política de
espoliação com retórica social.
Sem demagogia nessa questão, a
bala está no gatilho. A tabela abaixo revela que o país já praticou alíquotas
de desconto de até 60% sobre a renda e contou com até 16 faixas. O princípio da
anterioridade tributária (votar no ano anterior à cobrança) e da noventa (90
dias antes do término do ano) deve ser aplicado para a elevação do tributo e
não sua isenção.
IMPOSTO DE RENDA DA PESSOA FÍSICA |
||
Vigência |
Faixas de Renda |
Alíquotas |
1976 a 1978 |
16 |
0% a 50% |
1979 a 1982 |
12 |
0% a 55% |
1983 a 1985 |
13 |
0% a 60% |
1986 a 1987 |
11 |
11 0% a 50% |
1988 |
9 |
0% a 45% |
1989 a 1993 |
3 |
0% a 25% |
1994 a 1995 |
4 |
0% a 35% |
1996 a 1997 |
3 |
0% a 25% |
1998 a 2008 |
3 |
0% a 27,5% |
A partir de 2009 |
5 |
0% a 27,5% |
Fonte: Receita
Federal |
Diante de tais fatos no dia
seguinte ao anúncio das medidas, que Haddad insiste não se tratar de um pacote
ou plano, ele se reuniu com os economistas-chefe dos principais bancos e fundos
de investimentos: uma atitude de servilidade ao sistema financeiro.