11/01/24

 

O 8 DE JANEIRO E A DEMOCRACIA TUTELADA

 

“Foi o maior ataque à democracia brasileira”.  Repetida à exaustão por cidadãos, autoridades políticas e redes sociais em referência aos eventos de 8 de janeiro de 2023 em Brasília, ocasião em que a Praça dos Três Poderes foi vandalizada, essa frase não corresponde aos fatos. Desconsidera que em perspectiva histórica a maior afronta à legalidade foi o golpe militar de 1964 que destitui o presidente João Goulart. E antes da deposição de seu governo, que era constitucional, houve a instituição de um arremedo de regime parlamentarista de setembro de 1961 a janeiro de 1963, visando limitar os poderes dele, diante da renúncia  de Jânio Quadros em agosto de 1961.

Há um ano (12.01.23) afirmávamos que: “Com base na experiência histórica e no rigor conceitual, a invasão dos prédios e palácios em Brasília não foi um golpe de Estado. Faltou o destacamento militar que invade, ocupa, destituí o governo e se autodeclara governante, transfere ou concede o exercício do poder a quem couber. Não havia uma força real armada. (post Apoteose Negacionista). As apurações, apesar de todas as falhas, evidenciam que caracterizar os acontecimentos como tentativa de golpe seria um exagero. Ao longo desses 12 meses os que afirmaram que a tentativa malogrou devido a ação de militares legalistas encobrem um fato relevante no mês anterior. Dia 5 de dezembro de 2022 o governo Biden enviou um emissário com recado explícito de assegurar que qualquer tentativa de questionar a legitimidade da eleição de Lula não seria apoiada pelos EUA. Nesse dia Lula recebeu o Conselheiro de Segurança Nacional dos Estados Unidos, Jake Sullivan além do assessor do governo dos EUA para a América Latina Ricardo Zuñiga. A advertência era, desautorizar os militares a qualquer iniciativa de impedir a posse de Lula. Inexiste a possiblidade de uma ação golpista em desacordo com os EUA. Admitam ou não, o Brasil segue com sua soberania tutelada pelos EUA. "O secretário de Defesa, o chefe da CIA, o assessor de Segurança Nacional, todos visitaram o Brasil em um ano eleitoral.[2022]. Isso é normal? Não, não é." (FSP 23.06.23). Declarou  o ex-funcionário do Departamento de Estado e ex-embaixador dos EUA no Brasil, Michael McKinley.

Seis meses após a suposta tentativa de golpe o jornal Folha de São Paulo (FSP), edição do dia 23 de junho de 2023, reproduziu um artigo originalmente publicado pelo jornal britânico Financial Times intitulado “EUA fizeram campanha para defender Brasil de possível golpe de Bolsonaro”. Na matéria ficou claro que o governo dos EUA atuou no sentido de cacifar o processo eleitoral brasileiro “Washington também tinha uma motivação mais direta. Depois de apoiadores de Trump invadirem o Capitólio para tentar subverter os resultados da eleição de 2020, Biden, dizem funcionários americanos, rejeitava fortemente qualquer tentativa de Bolsonaro de questionar resultados de uma eleição livre e justa.”

A matéria informou que no dia 8 de janeiro, em meio ao vendaval que tomou conta de Brasília, Lula e Biden conversaram por telefone. Os detalhes do que foi acertado permanece em segredo. Ambos os presidentes, a mídia corporativa e a esquerda liberal silenciam sobre o conteúdo do diálogo e seu registro: “Biden estava no México no momento da insurreição, numa cúpula de líderes norte-americanos, e assistiu ao que estava acontecendo nos jornais. "Ele pediu para falar com Lula na mesma hora", diz um alto funcionário da administração. "Depois do telefonema, propôs ao primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau, e ao presidente mexicano, Andrés Manuel López Obrador, que fosse emitido um comunicado trilateral em apoio a Lula e ao Brasil. Foi a primeira vez que algo assim foi feito na América do Norte." (FSP 23.06.23).

Organizadas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) as eleições de 2022 necessitaram ter sua credibilidade endossada pelos EUA, como disse o então presidente do TSE e ministro do Supremo Tribunal Federal, Luis Roberto Barroso: "Pedi [a Douglas Koneff, então encarregado de negócios dos EUA no Brasil] algumas vezes... Declarações sobre a integridade e a credibilidade de nosso sistema eleitoral e a importância de nossa democracia. Ele deu a declaração, e, mais do que isso, conseguiu que o Departamento de Estado emitisse uma declaração em apoio à democracia no Brasil e à integridade do sistema eleitoral." (FSP 23.06.23).

Nas eleições de 2022 Lula e o PT fizeram uma campanha articulada em torno a salvar o país do fascismo, do reconhecimento da legitimidade do processo eleitoral e do estado de direito. Bolsonaro e seus apoiadores adotaram o discurso contrário. Apesar disso uma vez eleito, o governo Lula/Alckmin optou por albergar em seu interior muitos dos cabos eleitorais de Bolsonaro: fascistas, negacionistas e terraplanistas.  

Essa é uma das contradições que o PT conserva. Na sua origem lutou contra a ditadura militar, mas passados 40 anos, em 2023, reabilitou bolsonaristas, agraciando-os com ministérios, cargos, emendas e sinecuras.  

Desprovido de um programa coerente o PT, e seus governos em todas as esferas (federal, estadual ou municipal) é cativo da democracia burguesa, assim sendo, carrega em seu interior  uma das suas mazelas – a corrupção – e vacila na aplicação de medidas que possam limitar a exploração capitalista e sua acumulação.  

No espectro ideológico o PT não supera o liberalismo e o regime democrático-burguês. Sua  inspiração segue presa ao século XVIII, à  Revolução Francesa de 1789. Esse, inclusive, é o referencial para definir o PT, e seus aliados PCdoB (apesar do apelido comunista) e PSOL como esquerda liberal. Com base nessa experiencia histórica podemos definir como reacionários os defensores da monarquia, como democratas radicais os jacobinos, como socialistas os apoiadores da Conspiração dos Iguais dirigida por Graco Babeuf que propunha uma sociedade igualitária e como liberais os adeptos da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, que considera a propriedade privada como sagrada e divina.  

Presumir que o capitalismo e suas instituições não conspiram  contra os interesses populares é inocência. Os trabalhadores não podem desprezar que as contradições se avolumam  e os fatos recentes da América Latina revelam o caráter autoritário e golpista da classe dominante. Em nossa história recente várias foram as  deposições de governos “populares”: Jean-Bertrand Aristide no Haiti em 2004,  Manuel Zelaya em Honduras 2009, Fernando Lugo no Paraguai em 2012, Dilma Roussef em 2016 e Evo Morales em 2019 na Bolívia. Lula e seu governo não estão imunes ao golpismo. A democracia no Brasil, ao invés de inabalada, segue abalada pela pobreza e miséria social. A lógica do capital impõe a barbárie que se manifesta pelas guerras em curso e pelas políticas neoliberais.

 

 

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