21/06/23

 

A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL E OS TRABALHADORES

 

Dia 22 de março de 2023 foi divulgada uma carta com assinatura de mais de mil nomes, dentre eles notáveis executivos das big tech,  pedindo a interrupção temporária nas pesquisas sobre inteligência artificial – IA. Com desculpas de preocupação com o uso inadequado e possíveis impactos negativos, os signatários causaram um certo alarme. Alegando riscos profundos à sociedade e à humanidade e que a IA causaria mudanças radicais na história da vida na terra, a carta pediu: “ (...) a todos os laboratórios de IA que parem imediatamente por pelo menos 6 meses o treinamento de sistemas de IA mais poderosos que o GPT-4. Essa pausa deve ser pública e verificável e incluir todos os principais atores. Se tal pausa não puder ser decretada rapidamente, os governos devem intervir e instituir uma moratória.”

Essa pausa não está em função de preocupações humanitárias, mas com disputas que envolvem interesses de ganho de capital e de domínio monopólico sobre a IA. Não podemos desprezar que capitalistas especulam nas bolsas de valores e notícias falsas e/ou verdadeiras são meios de promover a valorização e/ou desvalorização de ações. No início dos anos 1990, por ocasião do lançamento do projeto Genoma Humano de sequenciamento genético do DNA, a dimensão cientifica ficou secundarizada diante da corrida para a agiotagem financeira nas bolsas de valores com ações de empresas da área de biotecnologia. Sobre a IA circulam desde ideias  infantilizadas como a da lâmpada de Aladdin, que promoverá a felicidade, até catastrofismo de fim dos tempos. Vale lembrar que no início do projeto Genoma circularam notícias de fim das doenças a criação de monstros.

A chamada Revolução Industrial (iniciada na Inglaterra com a patente da máquina a vapor em 1769) abriu um período histórico, ainda não encerrado, de substituição progressiva do trabalho humano (braçal e intelectual) por máquinas. Porém, não é o único fenômeno material do processo: a substituição do braço pela máquina não está em função de gerar maior conforto ao operário, libertando-o dos ofícios mais penosos e desgastantes, mas está em função de elevar a produtividade do trabalhador e, assim ampliar os ganhos patronais. Esse segundo aspecto é o que está por trás da IA: ampliar a renda capitalista. 

A IA é uma máquina. Será limitada pelos conteúdos programados e banco de dados inseridos nela. Uma máquina jamais poderá interpretar um elemento novo, que esteja fora de sua memória. Algoritmos podem automatizar processos mentais e/ou comportamentais, mas somente daquilo que foi implantado na máquina, inclusive as eventuais respostas - atentar para o fato de que uma resposta não é sinônimo de coisa certa e menos ainda de solução, pois a resposta pode estar errada. Ao não possuir sentidos como os humanos as máquinas jamais terão condições de absorver os elementos da natureza - física e social - que possibilitam ao ser humano o questionamento da realidade e a formulação de proposições novas e resolutivas.

Ao mesmo tempo que os algoritmos poderão ser reprogramados em uma velocidade elevada estarão sempre formatados pelo que foi programado. A IA integra vários componentes físicos: crescente miniaturização eletrônica, ampliação do poder computacional (chips), memórias cada vez mais capazes e internet. A combinação desses elementos altamente potentes minimiza a capacidade individual do sujeito, mas não subtrai a inteligência como fator único e exclusivo dos seres humanos.

Um guindaste levanta toneladas. Um carro se move em uma velocidade inalcançável pelo homem. Um microscópio enxerga organismos invisíveis a olho nu. Um telescópio enxerga a uma distância que jamais será possível ao olho humano. Todos eles são artefatos criados pela humanidade. Comparar as limitações do ser humano com a capacidade dessas invenções é uma bestialidade. A ideia de substituição do ser humano pela IA vai na mesma linha de pensamentos imbecis, como comparar um atleta de levantamento de peso, um fisiculturista, com um guindaste.

A IA possui um amplo espectro de uso, e pode abarcar uma infinidade de atividades. A interface militar da IA potencializa em larga escala o impacto destrutivo dos artefatos bélicos. Num cenário onde as grandes potências pretendem manter à força seu poderio econômico e político, o uso da IA, bem como da energia nuclear, ameaça a sobrevivência de povos e civilizações. Contudo, a possibilidade de descontrole e imprevisibilidade de trajetória e detonação são riscos concretos na medida em que bombas e mísseis podem ter seus algoritmos reprogramados em um cenário inesperado e não previsto.  Uma defesa aérea programada com IA lança um míssil cujo alvo é móvel, e qual será a reprogramação do míssil quando o alvo escapar? Se ele possui livre e arbitrária autonomia para “decidir” o que fazer, poderá optar por retornar à sua base de lançamento. Isso significa que ele necessita de mecanismos de segurança que bloqueiem a possibilidade de retorno.  Exemplificar com ameaças militares talvez seja apelativo, mas e com uma receita de bolo? Se a programação não levar em consideração os ingredientes e a quantidade de produtos, e a boleira seguir cegamente a receita da máquina (em vez da receita da vovó), o resultado poderá ser um bolo que causará intoxicação alimentar, caso não se bloqueie a possibilidade de autogerenciamento do programa.

A IA resulta do trabalho humano, do dispêndio de cérebro, nervos, músculos e sentidos humanos. Porém essas relações estão encobertas pelo que podemos chamar de fetiche tecnológico, capaz de ocultar as propriedades sociais inerentes ao trabalho humano – o conjunto de relações que envolvem a vida humana em todas suas dimensões. Sob comando do livre mercado, ela ampliará o caos econômico e, sob uma direção planificada, poderá ser um meio para, por exemplo, reduzir a jornada de trabalho.

Uma descoberta científica ou invenção só é progressiva quando, além de eliminar ou suprimir dificuldades e sofrimentos humanos, contribui para emancipar e beneficiar a coletividade. Tecnologias a serviço de uma minoria social são regressivas. Um novo mundo vai conservar as conquistas materiais, produto da história, suprimirá as relações sociais de exploração e conservará as conquistas mecânicas e técnicas que facilitarão o trabalho, conserva as heranças do passado expressando o acúmulo de conquistas pretéritas. Uma revolução científica ou social não somente destrói as correntes de opressão e ignorância, mas incorpora as conquistas e avanços de uma época. O progresso da ciência seria impossível sem essa tradição de heranças da qual a inteligência artificial será uma delas, a ser posta em proveito de uma nova sociedade, pautada pela cooperação de trabalhadores, ao invés da competição. Máquinas podem destruir civilizações, jamais construí-las. Essa competência é exclusivamente humana.

02/06/23

 

                                 

                                    PIB A DESCOBERTO

 

É natural que governo e especuladores estejam tomados de euforia diante do anúncio do PIB do primeiro trimestre de 2023. Ambos vivem de ilusões. Para se entender os 1,9% de crescimento se comparado ao quarto trimestre de 2022 , atribuídos em sua quase totalidade ao desempenho da agropecuária,  basta olhar para o comportamento da economia rural em 2022. A tabela 1 abaixo vislumbra os dados (Contas Nacionais Trimestrais - Indicadores de Volume e Valores Correntes, Jan-Mar 2023. IBGE 01.06.23). Diante de um 2022 difícil em função de impactos ambientais a produção foi ruim nos quatro trimestres do ano passado. Tomando por base o volume trimestral observamos que a produção diminuiu em cada um deles. No quarto e último trimestre de 2022 o volume de produção foi o menor – a metade do produzido no primeiro trimestre. Portanto, não constitui surpresa que neste primeiro trimestre de 2023 o PIB do setor escale altura.

 

tabela 1

 

SÉRIE ENCADEADA DO ÍNDICE DE VOLUME TRIMESTRAL

 

Média de 1995 = 100

 

Período

AGROPECUÁRIA

 

2022.I

300,5

2022.II

268,2

2022.III

213,0

2022.IV

149,9

fonte: ibge

 

 

A tabela 2 permite enxergar o rendimento, tanto do setor agropecuário, como dos demais. Ela apresenta os números revisados do PIB trimestre contra trimestre de 2022. Nela o desempenho do PIB Total foi baixo e no quarto trimestre de 2022 foi negativo. O PIB da agropecuária foi negativo nos quatro trimestres do ano.

O resultado do primeiro trimestre de 2023 está concentrado em um segmento cujo comportamento ao longo de 2022 esteve deprimido por problemas climáticos, apesar do ufanismo do setor que havia anunciado para 2022 uma safra recorde. Estávamos em ano eleitoral e o setor possuía um candidato próprio à presidência.

 

tabela 2

 

TRIMESTRE CONTRA TRIMESTRE IMEDIATAMENTE ANTERIOR (%) 

 

Com ajuste sazonal

 

Período

AGROPECUÁRIA

INDUSTRIA

SERVIÇOS

PIB TOTAL

 

2022.I

-0,1

0,8

1,0

1,0

2022.II

-0,5

1,6

1,2

1,1

2022.III

-1,1

0,6

0,9

0,5

2022.IV

-0,9

-0,3

0,2

-0,1

2023.I

21,6

-0,1

0,6

1,9

fonte: ibge

 

 

Ressaltamos que o agronegócio é um mito pelos seguintes aspectos: 1) não possui empreendedorismo, os avanços científicos do campo brasileiro decorrem das pesquisas patrocinadas pela Embrapa, uma estatal;  2) possui privilégios oriundos da Lei Kandir que os isenta de tributação; 3) é favorecido por uma taxa de câmbio que barateia a exportação ao desvalorizar a moeda nacional em favor do dólar, 4) não é o responsável por abastecer a mesa dos trabalhadores, pois 70% da produção de alimentos da cesta básica do brasileiro é produzida pela agricultura familiar e 5) despreza a agroecologia. Independente disso a bancada ruralista no Congresso Nacional vai com arrogância defender o setor como o mais dinâmico da economia, cobrar do governo uma postura de repressão às lutas camponesas e maiores benefícios.

Preocupa o fato de a participação da indústria na economia nacional continuar em queda, recuou 0,1% neste primeiro trimestre, cf. tabela 2. Cifra que poderia ser desprezada se o dado não representasse a diminuição progressiva do setor no PIB do país. Outro dado que chama a atenção sobre o setor industrial é a denominada Formação Bruta de Capital Fixo – FBCF (o que significa: produção de máquinas e ferramentas) que regrediu em 3,4%. Ou seja, o país além de não estar investindo em bens de produção não está repondo e dando manutenção nas suas máquinas e ferramentas.

Em função da divulgação dos números contidos na tabela 2 há uma corrida por novas estimativas do PIB para 2023. Muitas delas ampliando seu crescimento. Esse movimento não é do agrado do Banco Central que enxerga no crescimento econômico um perigo inflacionário. Os rentistas do capital argumentam que isso aquece a demanda, puxa o nível de emprego para cima e desequilibrada as contas públicas. O Boletim Focus, publicado pelo Banco Central, mas que traz as expectativas de mercado, projeta em sua edição de 26 de maio de 2023 um crescimento do PIB para este ano de 1,26%. Diante dos novos números alguns analistas do mercado financeiro acreditam que o PIB poderá crescer o dobro, chegando a 2,6%. Caso o Banco Central insista em garantir sua projeção, além de manter ou elevar a taxa Selic, poderá promover uma recessão induzindo o PIB trimestral a cair nos próximos trimestres do ano.

Devemos lembrar que esses números podem ser revisados para cima ou para baixo. Temos certeza de que deverão passar por retificação. Esperamos que não sejam piores do que os atuais. Como os dados numéricos podem ser manipulados ao sabor das conveniências  o portal do IBGE, para fazer propaganda governamental, informa que o PIB do primeiro trimestre de 2023 é de 3,3% no acumulado em quatro trimestres. Os números permitirão as mais diversas leituras. Importa, porém, algumas conclusões. A condição recessiva da economia não foi contida, indústria e serviços tiveram um desempenho aquém do esperado para alavancar salário e emprego.

O produto interno bruto é o principal indicador do nível de atividade econômica de um país, mede a produção de bens e serviços. Mede seu enriquecimento ou empobrecimento. Para teóricos do neoliberalismo chega a ser considerado um indicador de felicidade de um povo. Em termos relativos a publicação de seus dados em percentuais mede o nível de atividade econômica. Em termos monetários informa o valor de mercado dos bens e serviços produzidos no país. Sobre a distribuição das riquezas produzidas pelos trabalhadores não oferece o dado mais importante que seria a taxa de exploração sobre os trabalhadores. Deste modo, sem uma orientação para os interesses de classe dos trabalhadores o crescimento do PIB, além de não mudar a vida, perpetua as desigualdades.

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