01/09/23

JUROS TIRÂNICOS 4

 

Em sua quinta reunião do ano e quinta na gestão Lula 3, o Comite de Política Monetária (Copom) do Banco Central do Brasil (BC) decidiu reduzir em meio ponto percentual (0,5) a taxa Selic (Sistema Especial de Liquidação e de Custódia), denominação dada para a taxa básica de juros no Brasil. Foi a primeira vez que houve redução da taxa neste ano, retomando o patamar de junho de 2022, em 13,25%. Porém, há exatos três anos, em 5 de agosto de 2020, o Copom anunciava uma taxa de 2% e a economia do país não evaporou.

 

A ATA DA 256ª REUNIÃO

 

O Copom reunido 1º e 2 de agosto de 2023, dessa vez com dois  novos diretores, Ailton de Aquino Santos e Gabriel Galípolo, ambos indicados pela gestão Lula 3, divulgou sua ata dia 8.

Como de praxe, lembrou que no plano internacional não houve mudanças significativas desde a última reunião do comitê, com a economia mundial em desaceleração e com os principais bancos centrais do mundo focados em promover a convergência da inflação para as suas respectivas metas. Sublinhamos que o FED (equivalente do banco central nos EUA) e o Banco Central Europeu (BCE) estabeleceram uma meta inflacionária de 2% ao ano. Para nós, o Conselho Monetário Nacional, em decisão anunciada dia 29 de junho, manteve a meta da inflação em 3,25% ao ano para 2023 e indicou que para os próximos anos será de 3%, até que seja alterada.

Em várias passagens a Ata reiterou que o objetivo é conter a inflação e o meio para obtenção da meta é promover uma política contracionista. O que isso significa? Em linguagem direta, contrair a atividade econômica e fomentar o desemprego. E pelo resultado da reunião, esse objetivo está sendo alcançado.

No item 6 da Ata, o Copom admitiu: “(...) que não há evidência de pressões salariais elevadas nas negociações trabalhistas” (p. 4), certifica que a política recessiva favorece o desemprego e encurrala os trabalhadores a ponto de inibir a organização de greves em defesa do salário.

Mais abaixo repete: “Ao fim, concluiu-se unanimemente pela necessidade de uma política monetária contracionista e cautelosa, de modo a reforçar a dinâmica desinflacionaria.” (p. 4).  Conferida credibilidade ao que está dito pela Ata, os dois novos diretores indicados na gestão Lula 3 estão de antemão alinhados com a direção do banco, pois o documento afirma que por unanimidade a política contracionista responsável pelo desemprego deve prosseguir. Em outra passagem, foi reforçada a ideia de coesão de propósitos: “Foi unânime o entendimento de que, independentemente da composição da diretoria colegiada ao longo do tempo, deve-se garantir a credibilidade e a reputação da Instituição” (p. 5).

Para os diretores do Copom, responsáveis pela condução da política de favorecimento do capital financeiro, a Ata salienta como um aspecto positivo para a baixa da inflação: “(...) uma desaceleração da atividade econômica global mais acentuada do que a projetada” (p.5). Concluem que, em ambas as esferas – nacional e internacional –, reduzir o nível de atividade econômica é o caminho. Fica evidente que existe uma articulação global dos bancos centrais para desaquecer o mercado mundial e dessa forma intimidar os trabalhadores. Não se trata de inferência, mas de uma confirmação pela leitura da Ata: “Permanece, assim, a determinação dos bancos centrais de controlarem a inflação por meio da manutenção do aperto da política monetária por período mais prolongado.” (p. 3).

  

 

 

O CONTEXTO

 

Numa análise do primeiro semestre de 2023, o comportamento da inflação, se comparado com a taxa Selic, vai revelar que o juro real no Brasil aumentou em termos reais e, por extensão, a renda dos especuladores. Logo, a redução da taxa Selic em meio ponto percentual não está em função de auxiliar o governo ou beneficiar a sociedade, mas resulta de uma queda da inflação que já permitiu grande acúmulo de capital aos rentistas. Confira na tabela abaixo a constatação de que os juros reais se elevaram ao longo do ano, portanto  a redução da taxa Selic está alinhada com os interesses do mercado. 






O Copom insiste em defender que o caráter de sua política é contracionista e dela não abrirá mão. Uma das formas de se evidenciar essa política está no raquítico desempenho da indústria brasileira. O primeiro semestre de 2023 serve de exemplo: em três dos seis meses houve retração industrial (janeiro, fevereiro e abril); nos três meses em que houve expansão, em dois deles (maio e junho) o aumento foi muito baixo, quase desprezível, ― 0,3 e 0,1 respectivamente. O segmento é o mais importante e sensível da economia,  é o que melhor remunera e exige mão de obra mais qualificada. Esse quadro reflete a política do BC conduzida por Campos Neto.

 








Na véspera da reunião, o jornal Valor Econômico, de propriedade do Grupo Globo, porta voz do mercado financeiro, dos megainvestidores e do imperialismo global, em matéria publicada na edição de 31 de julho,  informou o levantamento de opinião entre 128 instituições financeiras sobre qual deveria ser a decisão do Copom acerca dos juros – somente uma defendeu a manutenção da taxa em 13,75 e uma outra não declarou. Aquilo que pode ser lido como uma matéria jornalística nada mais era que um ordenamento ao Banco Central sobre qual deveria ser sua decisão. Um total de 99,2% das instituições validava uma flexibilização da política monetária avalizando uma queda da taxa. A diferença de opinião recaiu sobre o ritmo e o percentual: 64,6% defendiam uma queda de 0,25 enquanto 34,6% apostavam em 0,5.

 

No mesmo dia em que publicou a matéria referida acima, o jornal Valor Econômico manifestou-se e, num editorial despudorado, revelou o pensamento das classes dominantes do Brasil sobre os problemas da economia e qual deve ser a principal medida do BC para conter a inflação: “(...) o mercado de trabalho segue com um desempenho melhor do que o esperado (...) Representa, por outro lado, um desafio para o Banco Central baixar a inflação para a meta de longo prazo (...) O mercado de trabalho deveria se desacelerar, ampliando a taxa de desemprego e o nível de ociosidade, garantindo uma queda duradoura da inflação.” (Editorial:  Mercado de trabalho segue mais forte que o esperado). Isto é, para a plutocracia que possui as riquezas do Brasil, os trabalhadores devem ser jogados na miséria. É essa a civilização do mercado.

O infortúnio reside no fato de que setores da esquerda liberal, amplos setores dos movimentos sociais e do governo seguem acreditando que é possível uma conciliação com as classes dominantes do Brasil. Essa política, que não resulta de ingenuidade, mas de crença em pactos de governabilidade, é filha da perdição.

  O PRONUNCIAMENTO DE HADDAD E O INSUSTENTÁVEL PESO DO ARCABOUÇO FISCAL   Se o regime político do Brasil fosse o parlamentarismo caberia...