A
INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL E OS TRABALHADORES
Dia 22 de março de 2023
foi divulgada uma carta com assinatura de mais de mil nomes, dentre eles
notáveis executivos das big tech, pedindo a interrupção temporária nas
pesquisas sobre inteligência artificial – IA. Com desculpas de preocupação com
o uso inadequado e possíveis impactos negativos, os signatários causaram um
certo alarme. Alegando riscos profundos à sociedade e à humanidade e que a
IA causaria mudanças radicais na história da vida na terra, a carta pediu: “
(...) a todos os laboratórios de IA que parem imediatamente por pelo menos 6
meses o treinamento de sistemas de IA mais poderosos que o GPT-4. Essa pausa
deve ser pública e verificável e incluir todos os principais atores. Se tal
pausa não puder ser decretada rapidamente, os governos devem intervir e
instituir uma moratória.”
Essa pausa não está em
função de preocupações humanitárias, mas com disputas que envolvem interesses
de ganho de capital e de domínio monopólico sobre a IA. Não podemos desprezar
que capitalistas especulam nas bolsas de valores e notícias falsas e/ou
verdadeiras são meios de promover a valorização e/ou desvalorização de ações. No
início dos anos 1990, por ocasião do lançamento do projeto Genoma Humano de
sequenciamento genético do DNA, a dimensão cientifica ficou secundarizada diante
da corrida para a agiotagem financeira nas bolsas de valores com ações de
empresas da área de biotecnologia. Sobre a IA circulam desde ideias infantilizadas como a da lâmpada de Aladdin, que promoverá a felicidade, até catastrofismo de fim dos tempos. Vale lembrar que no início do projeto Genoma circularam notícias de fim das doenças a
criação de monstros.
A chamada Revolução Industrial
(iniciada na Inglaterra com a patente da máquina a vapor em 1769) abriu um
período histórico, ainda não encerrado, de substituição progressiva do trabalho
humano (braçal e intelectual) por máquinas. Porém, não é o único fenômeno
material do processo: a substituição do braço pela máquina não está em
função de gerar maior conforto ao operário, libertando-o dos ofícios mais
penosos e desgastantes, mas está em função de elevar a produtividade do
trabalhador e, assim ampliar os ganhos patronais. Esse segundo aspecto é o
que está por trás da IA: ampliar a renda capitalista.
A IA é uma máquina. Será
limitada pelos conteúdos programados e banco de dados inseridos nela. Uma máquina
jamais poderá interpretar um elemento novo, que esteja fora de sua memória.
Algoritmos podem automatizar processos mentais e/ou comportamentais, mas
somente daquilo que foi implantado na máquina, inclusive as eventuais
respostas - atentar para o fato de que uma resposta não é sinônimo de coisa
certa e menos ainda de solução, pois a resposta pode estar errada. Ao não
possuir sentidos como os humanos as máquinas jamais terão condições de absorver
os elementos da natureza - física e social - que possibilitam ao ser humano o
questionamento da realidade e a formulação de proposições novas e resolutivas.
Ao mesmo tempo que os
algoritmos poderão ser reprogramados em uma velocidade elevada estarão sempre formatados pelo que foi programado. A IA integra vários componentes
físicos: crescente miniaturização eletrônica, ampliação do poder
computacional (chips), memórias cada vez mais capazes e internet. A combinação
desses elementos altamente potentes minimiza a capacidade individual do
sujeito, mas não subtrai a inteligência como fator único e exclusivo dos seres
humanos.
Um guindaste levanta
toneladas. Um carro se move em uma velocidade inalcançável pelo homem. Um
microscópio enxerga organismos invisíveis a olho nu. Um telescópio enxerga a
uma distância que jamais será possível ao olho humano. Todos eles são artefatos
criados pela humanidade. Comparar as limitações do ser humano com a capacidade
dessas invenções é uma bestialidade. A ideia de substituição do ser humano pela
IA vai na mesma linha de pensamentos imbecis, como comparar um atleta de
levantamento de peso, um fisiculturista, com um guindaste.
A IA possui um amplo
espectro de uso, e pode abarcar uma infinidade de atividades. A interface
militar da IA potencializa em larga escala o impacto destrutivo dos artefatos
bélicos. Num cenário onde as grandes potências pretendem manter à força seu
poderio econômico e político, o uso da IA, bem como da energia nuclear, ameaça a
sobrevivência de povos e civilizações. Contudo, a possibilidade de descontrole e
imprevisibilidade de trajetória e detonação são riscos concretos na medida em
que bombas e mísseis podem ter seus algoritmos reprogramados em um cenário
inesperado e não previsto. Uma defesa
aérea programada com IA lança um míssil cujo alvo é móvel, e qual
será a reprogramação do míssil quando o alvo escapar? Se ele possui livre e arbitrária autonomia
para “decidir” o que fazer, poderá optar por retornar à sua base de lançamento.
Isso significa que ele necessita de mecanismos de segurança que bloqueiem
a possibilidade de retorno. Exemplificar
com ameaças militares talvez seja apelativo, mas e com uma receita de bolo? Se
a programação não levar em consideração os ingredientes e a quantidade de
produtos, e a boleira seguir cegamente a receita da máquina (em vez da receita da vovó), o resultado poderá ser um bolo que causará intoxicação alimentar, caso não se
bloqueie a possibilidade de autogerenciamento do programa.
A IA resulta do trabalho
humano, do dispêndio de cérebro, nervos, músculos e sentidos humanos. Porém
essas relações estão encobertas pelo que podemos chamar de fetiche tecnológico, capaz de ocultar as propriedades sociais inerentes ao trabalho humano – o conjunto de
relações que envolvem a vida humana em todas suas dimensões. Sob comando do
livre mercado, ela ampliará o caos econômico e, sob uma direção planificada, poderá ser
um meio para, por exemplo, reduzir a jornada de trabalho.
Uma descoberta científica
ou invenção só é progressiva quando, além de eliminar ou suprimir dificuldades e
sofrimentos humanos, contribui para emancipar e beneficiar a coletividade.
Tecnologias a serviço de uma minoria social são regressivas. Um novo mundo vai
conservar as conquistas materiais, produto da história, suprimirá as relações
sociais de exploração e conservará as conquistas mecânicas e técnicas que
facilitarão o trabalho, conserva as heranças do passado expressando o acúmulo
de conquistas pretéritas. Uma revolução científica ou social não somente
destrói as correntes de opressão e ignorância, mas incorpora as conquistas e
avanços de uma época. O progresso da ciência seria impossível sem essa tradição
de heranças da qual a inteligência artificial será uma delas, a ser posta em
proveito de uma nova sociedade, pautada pela cooperação de trabalhadores, ao
invés da competição. Máquinas podem destruir civilizações, jamais construí-las.
Essa competência é exclusivamente humana.