31/03/23

                                                   JUROS TIRÂNICOS I 

 

Em 21 e 22 de março de 2023, o Comitê de Política Monetária ― Copom do Banco Central do Brasil (BC) ―, sob a presidência de Campos Neto, esteve reunido para mais vez discutir a taxa de juros. Foi a segunda na gestão Lula 3. Após a primeira  ―31 de janeiro e 1º de fevereiro ―, que ratificou a taxa em 13,75% ao ano, houve um debate crítico sobre a  permanência da taxa a partir das declarações do próprio Lula e de outros agentes políticos do governo, enquanto a imprensa corporativa saiu em defesa dos juros do Banco Central.  Do lado governamental, o objetivo era convencer os membros do comitê a reduzirem a taxa na próxima reunião. O próprio Ministro da Fazenda Fernando Haddad, no final de fevereiro, ao anunciar a elevação de tributos sobre a gasolina e o etanol, declarou que aquele gesto sinalizava um compromisso do governo com o equilíbrio fiscal, abrindo espaço para a redução dos juros, o  que se confirmou ser um erro de avalição do senhor Ministro.

Em sua segunda reunião, o Copom manteve a taxa em 13,75% e, em vez de sinalizar que poderá abaixá-la, de maneira oposta disse que “(...) não hesitará em retomar o ciclo de ajuste caso o processo de desinflação não transcorra como esperado” (Ata do Comitê de Política Monetária, 253ª Reunião, 21-22.03.23). Em referência às medidas de agrado ao mercado que não resultaram em queda da taxa de juros, mas que poderão detonar o gatilho da inflação deteriorando o padrão de vidas dos trabalhadores,  ata afirma: “O Comitê avalia que o compromisso com a execução do pacote fiscal demonstrado pelo Ministério da Fazenda, e já identificado nas estatísticas fiscais e na reoneração dos combustíveis, atenua os estímulos fiscais sobre a demanda, reduzindo o risco de alta sobre a inflação no curto prazo”. 

A ata expressa a opinião e a forma como o mercado financeiro defende sua política monetária, que sob a justificativa de manter a inflação sob controle desenvolve uma política econômica de caráter contracionista, ou seja, promovendo a redução do nível de atividade econômica e, como consequência, o desemprego. Lula e sua equipe ficaram desmoralizados com a decisão do Copom de não alterar a taxa de juros.

Vejamos um exemplo sobre quem manda na economia: segunda feira, dia 20 de março, véspera da reunião do Copom, o jornal Valor Econômico publicou uma consulta feita com 112 instituições financeiras sobre a taxa de juros Selic: 111 delas projetaram a manutenção em 13,75%. A manchete da matéria publicada era “Copom deve manter juro inalterado em 13,75%”. O verbo não está no modo indicativo, mas no imperativo, ou seja,  o mercado estava dando uma ordem a Campos Neto. O presidente do BC, escolhido na gestão de Bolsonaro e Paulo Guedes, é um exemplo da meritocracia de parentesco: neto de Roberto Campos, ex-Ministro do Planejamento do general Castelo Branco, ex-senador e deputado federal pelos partidos defensores da ditadura , foi do Banco Santander e advoga pelos interesses da plutocracia financeira.

O pano de fundo do debate sobre a taxa de juros é a dívida pública, aspecto desprezado por quase todos: militância da esquerda liberal, mídia corporativa e demais setores das elites.  Se cada ponto percentual na taxa de juros equivale a R$35 bilhões por ano, quanto maior a taxa, maior a drenagem de recursos orçamentários para a remuneração dos credores do Estado e  tanto menor para atender as demandas populares. Títulos da dúvida pública são mercadorias concebidas como capital por seus detentores, portanto a flutuação na taxa de remuneração desses títulos é vista por eles como aumento ou diminuição do seu capital.

Quanto mais elevada a taxa de juros, maior a massa de dinheiro desviada da economia real para a ciranda financeira, cujas consequências são a atrofia do mercado de bens e serviços e o crescimento da recessão e do desemprego. Esta é uma das principais características do capitalismo financeiro ou rentístico: a especulação domina, enquanto diminuem os níveis de atividade e a reprodução em escala ampliada.

Analistas econômicos afirmam que durante a pandemia houve diminuição da procura por bens e serviços e,  com seu fim, as pessoas voltaram a comprar, fato que pressiona os preços (inflação). Pelo contrário, a pandemia produziu uma depressão na renda geral da população, vista pelo número de demissões, pela redução do poder de compra, pelos dados de crescimento do PIB e pelas expectativas de que o crescimento das economias em 2023 será nulo ou muito baixo. O Brasil e o mercado mundial não se ressentem de uma demanda elevada, mas de uma oferta reduzida, ou seja, faltam mercadorias para serem vendidas.

Após a primeira reunião do Copom no governo Lula 3, ocasião em que os juros foram mantidos em 13,75%, houve uma reação negativa do governo, o que gerou um debate sobre a autonomia do Banco Central e dos prejuízos de manter uma taxa tão alta – é a maior do mundo.

Em suas reuniões, o Copom define as taxas de juros com base em uma avaliação dos indicadores econômicos ― o mais importante para eles é a taxa de inflação mensal e anual. Ambas as taxas, a de juros e a de inflação, são pilares da chamada política monetária.

Com a justificativa de combater a inflação, o BC tem mantido a taxa de juros muito alta, mas essa  não é a única atribuição do BC estabelecida no Decreto Lei 179/2021, que lhe concedeu autonomia para “zelar pela estabilidade e pela eficiência do sistema financeiro, suavizar as flutuações do nível de atividade econômica e fomentar o pleno emprego”. Esses dois últimos aspectos são negligenciados pela atual direção do BC, que,  ao privilegiar apenas o alcance da meta de inflação, que este ano é de 3,25%,  joga a economia em quadro recessivo.

No final do terceiro mês de 2023,  tudo indica que caminhamos para uma contração do PIB e, caso isso ocorra, entraremos no que os economistas denominam de recessão técnica (quando há queda do PIB em dois ou mais trimestres consecutivos), pois o PIB do último trimestre de 2022 recuou em 0,2% e ao longo de 2022 foi decaindo, como fica claro no gráfico abaixo.   




Para o governo e sua equipe econômica (que dialoga mais com o mercado e os empresários e menos com os trabalhadores), a retomada do investimento e do crescimento depende de uma nova política monetária que reduza os juros. O raciocínio é o seguinte: se um capitalista investe em um negócio cujo retorno será de 10% do capital empregado, com uma  taxa de juros em 13,75% ele não investirá na economia real. Será desestimulado, pois a remuneração ficará  abaixo das especulações com papéis da dívida pública.

O governo Lula 3 busca redirecionar o acúmulo de capital do mercado financeiro para o setor produtivo da economia, que produz bens e serviços e imagina que se a taxa de juros cair essa será a direção adotada pelos empresários. Para a equipe econômica, o excesso de capital monetário parasitando no mercado financeiro debilita o investimento produtivo, é o oposto da economia real.  Para ela  é necessário baratear o crédito na sociedade brasileira como forma de expandir as operações industriais e comerciais não somente para estimular os investimentos, mas também o crédito popular para facilitar o acesso a bens móveis e imóveis e serviços.

Não é de todo correto afirmar que o capital financeiro é pura ficção e parasitismo; nele há componentes como juros e sistema de crédito que, sob uma direção social, impulsionam a economia. Por isso, tomar as rédeas do mercado é fundamental. De preferência com uma ampla intervenção estatal nos bancos públicos e privados. A começar por demitir Campos Neto e expurgar da diretoria do Banco Central os representantes do mercado financeiro.


23/03/23

 

O BRASIL E O MERCADO CHINÊS

 

Lula estará na China de 26 a 31 de março. Irá  à economia que mais cresce no mundo e rivaliza com os Estados Unidos, que se encontra em franco declínio. Porém, as relações de dependência semicolonial do Brasil com os EUA dificultam um maior enlace estratégico. Nesse aspecto, estamos nos referindo ao fato de que reservadamente Lula e Xi Jinping deverão discutir o futuro do BRICS e o que seria a medida política e econômica mais significativa desse agrupamento – a adoção de uma moeda comum entre seus membros.

De 2008 (ano referência em função da grande crise bancária iniciada nos EUA mas que contaminou toda a econômica global) a 2022, portanto por 15 anos consecutivos, o PIB chinês cresceu acima do PIB estadunidense (veja tabela abaixo). Em função da crise de 2008 todas as economias do G7 mais a brasileira tiveram uma retração de seu PIB, em 2020 dada a pandemia em todos eles também houve retração do PIB. Nesses dois anos a exceção foi a China que teve uma diminuição de  seu PIB mas onde não houve retração, vejam tabela. Analisando o PIB das economias centrais é  possível constatar que há uma crise e perda de vantagens das economias do G7 que em 1975, ano da primeira reunião do grupo forneciam 80% do produto interno bruto mundial, mas que hoje respondem por 40%.

Evolução do PIB  China, G7 e Brasil     2008 - 2022

 

CHINA

EUA

ALEMANHA

REINO UNIDO

FRANÇA

JAPÃO

ITÁLIA

CANADÁ

BRASIL

2022

3,00%

2,10%

1,80%

4,00%

2,60%

1,10%

3,70%

3,40%

2,90%

2021

8,10%

5,90%

2,60%

7,60%

6,80%

2,10%

7,00%

5,00%

4,60%

2020

2,20%

-2,80%

-3,70%

-11,00%

-7,80%

-4,30%

-9,00%

-5,10%

-3,90%

2019

6,10%

2,30%

0,60%

1,40%

1,80%

-0,40%

0,50%

1,90%

1,20%

2018

6,70%

2,90%

1,00%

1,30%

1,90%

0,60%

0,90%

2,80%

-1,30%

2017

6,90%

2,20%

2,70%

1,70%

2,30%

1,70%

1,70%

3,00%

1,30%

2016

6,80%

1,70%

2,20%

1,70%

1,10%

0,80%

1,30%

1,00%

-3,30%

2015

7,00%

2,70%

1,50%

2,40%

1,10%

1,60%

0,80%

0,70%

-3,50%

2014

7,40%

2,30%

2,20%

2,90%

1,00%

0,30%

0%

2,90%

0,50%

2013

7,80%

1,80%

0,40%

2,20%

0,60%

1,60%

-1,80%

2,30%

3,00%

2012

7,90%

2,30%

0,40%

1,40%

0,30%

1,40%

-3,00%

1,80%

1,90%

2011

9,60%

1,50%

3,90%

1,30%

2,20%

-0,50%

0,70%

3,10%

4,00%

2010

10,60%

2,70%

4,20%

2,10%

1,90%

4,70%

1,70%

3,10%

7,50%

2009

9,40%

-2,60%

-5,70%

-4,10%

-2,90%

-5,50%

-5,30%

-2,90%

-0,10%

2008

9,70%

0,10%

1,00%

-0,30%

0,30%

-1,00%

-1,00%

1,00%

5,10%

fonte: countryeconomy.com 

 

A rapidez com que a China reagiu ao coronavírus e o fato de seu PIB  ter crescido em 2020 aumentou a vontade dos EUA de criar uma aliança anti-China promovendo campanhas chauvinistas.  Por outro lado, a pandemia evidenciou a dependência do mundo em relação à China, desde bugigangas até insumo farmacêutico ativo (IFA), passando por matéria prima industrial básica a máquinas e ferramentas. Economias em diversos pontos do planeta ficaram esperando pelo embarque e desembarque de produtos chineses.

A ascensão chinesa é uma ameaça, não só econômica, mas de segurança nacional contra seus rivais ao dominar tecnologias de ponta como inteligência artificial, robótica, automação, biotecnologia, veículos autônomos e internet de quinta geração (5G) que possui amplo espectro de uso militar, haja vista que uma futura guerra não será com soldados, será com robôs e drones (vide a guerra por procuração da OTAN contra a Rússia). A gestão Biden dá continuidade à política de Trump, ambos possuem o mesmo objetivo de tentar reerguer a economia dos EUA, com a única diferença do tom de voz e da polidez, porém com as mesmas promessas belicistas.

O marco que define o atual contexto mundial deriva do fim do breve século XX, cujo fato terminal foi a queda do muro de Berlim em novembro de 1989 e o colapso da União Soviética em 1991. Relacionado à China o evento foi outro: quando em junho de 1989, com volumosa presença de forças militares se promoveu o que ficou conhecido como massacre da Paz Celestial em Pequim, uma das cenas antológicas do século XX. Nessa ocasião o capital se convenceu de que os chineses poderiam ser sócios no mercado mundial.

O desafio, não só dos EUA, mas das principais economias capitalistas será intenso. De uma participação de 4% no PIB mundial em 1990, a China em 2020 chegou a 16,4%, um crescimento de 400% em 30 anos. Em termos comparativos, no ano de 2020, os EUA detinham 23% e o Brasil 1,6% de participação no PIB mundial. Nesse intervalo a China investiu em infraestrutura interna, recebeu em transferência pesquisa e desenvolvimento de produtos e criou novas tecnologias, cujo exemplo mais evidente é a internet de quinta geração (5G).

Esse avantajado crescimento impressiona ao ponto de alguns economistas já anteciparem que este será o século da China. O que nos parece, por ora, um pouco precipitado. Apesar do grande entusiasmo com a economia chinesa, os EUA continuam sendo a principal economia do planeta e o dólar segue inabalável como moeda de reserva internacional. Neste consórcio, que é o mercado mundial, as reservas internacionais chinesas estão na casa de US$ 3 trilhões e as do Brasil, em torno de US $ 324,7 bilhões; em ambos os casos, basicamente títulos do tesouro estadunidense. A substituição do dólar pela moeda chinesa pode acontecer, mas por enquanto como hipótese. Em perspectiva histórica isso é possível da mesma forma que no século XVI a moeda mundial era a espanhola, no século XVII, a holandesa, no XVIII foi a vez da moeda francesa, no XIX, a libra inglesa e no XX, o dólar. Se este for século chinês, será a vez do yuan/renminbi ocupar o papel de moeda reserva. Reservadamente Lula e Xi Jinping deverão discutir o futuro do BRICS e o que seria a medida política e econômica mais significativa desse agrupamento – a adoção de uma moeda comum entre os membros do grupo.

Um capítulo anedótico da disputa dos EUA, secundado pela União Europeia, contra a China é o caso do meio ambiente no Brasil, a Amazônia e a mata atlântica. O agronegócio exporta 80% da soja brasileira para a China. Uma das formas de prejudicar a nação asiática é limitar e encarecer a ração alimentar de seus rebanhos. Daí a preocupação de Biden com a preservação da natureza brasileira, além de outros interesses. É puro cinismo compartilhado com o cinismo do politicamente correto. Óbvio que opinamos em defesa de nossa floresta, a questão é a crença ingênua em uma boa índole por parte dos EUA.

Para se contrapor ao projeto chinês de uma nova rota da seda, com investimento externo de US$ 8 trilhões que, em mão dupla, na ida abasteceria de fontes e matéria prima a economia do país e na volta escoaria sua produção, os EUA estão oferecendo crédito de US$ 40 trilhões em 15 anos para países emergentes e de baixa renda aplicarem em projetos de infraestrutura. Um dos focos estadunidenses é impedir o acordo Nicarágua – China de Cooperação Marítima do Século XXI no âmbito das Novas Rotas da Seda (BRI), que visa construir um canal paralelo ao do Panamá, ligando o Atlântico ao Pacífico.

Dos dois lados – EUA e China – a retórica é inflamada, contudo a realidade é distinta das aparências. Por enquanto o  cenário não é de conflito entre os dois países, mas de rivalidade entre monopólios gigantescos (por exemplo Amazon versus Alibaba). A economia mundial em seu atual estágio apresenta-se entrelaçada como os nós de um bordado. Ao se tentar desfazer de um de seus nós, todo o tecido se desfia. Consequentemente, imaginar que as cadeias de abastecimento e produção deixarão de ser globais para tornarem-se regionais não será uma passagem tranquila. Medidas protecionistas, o que alguns denominam de desglobalização ou desacoplamento, elevarão os custos e com eles crises mais agudas eclodirão. Em vista disso, a contradição não se localiza no enfrentamento entre dois estados soberanos (EUA x China) mas no choque entre os distintos capitais (bancário, comercial, industrial) e seus respectivos monopólios.

Se existe um destino manifesto na história dos EUA é o de provocar guerras, sejam convencionais sejam híbridas. Além da Rússia o próximo alvo poderá ser a China. O novo cenário difere da Guerra Fria iniciada em 1947 com a Doutrina Truman de combate à União Soviética, pois não se trata da competição entre dois blocos distintos, capitalismo versus comunismo, mas da formação de blocos econômicos rivais em disputa por capital. A China promete se defender e para isso pode estabelecer uma aliança estreita com a Rússia. Ironicamente os EUA não combatem a China por exportar a ideologia comunista, mas por rivalizar no domínio da economia capitalista.

 


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