16/02/24

 

JUROS TIRÂNICOS 6

 

Em campanha eleitoral a chapa Lula-Alckmin prometeu rever a autonomia do Banco Central (BC). Passados mais de um ano essa foi uma das tantas promessas abandonadas. Por ocasião da posse, em janeiro de 2023,  a taxa Selic estava em 13,75% ao ano, em dezembro foi cotada em 11,75%. E na primeira reunião do Comite de Política Monetária (Copom) de 2024 caiu para 11,25%. O movimento de queda começou em agosto de 2023 com 0,5% e continuou nas cinco reuniões seguintes. Mas ainda é alta. Um dos motivos da taxa permanecer elevada está na presença de Campos Neto como presidente do BC, indicado por Bolsonaro e Paulo Guedes, e na subordinação do governo ao capital financeiro. A lei que conferiu autonomia ao BC estabeleceu uma desconexão entre os mandatos de presidente da república e o do banco. Por isso, há a necessidade de revogar a  Lei Complementar nº 179/2021.

As duas últimas reuniões de 2023 do Copom ocorridas a 1º de novembro e 13 de dezembro, não registraram mudança no que havia sido anunciado na reunião de agosto, com previsão de reduzir a taxa Selic em 0,5% a cada reunião. A ata das duas reuniões não aprofundou nenhuma análise substantiva, nem introduziram novos elementos, foram protocolares. A repercussão da reunião de dezembro, última do ano, que poderia ensejar um balanço público, deixou a impressão de que ambos os lados se acomodaram. O governo desistiu de criticar a gestão Campos Neto e ele abaixou um pouco a taxa. Porém, aquém das necessidades de crescimento econômico do país. De comum acordo entre os lados (governo e rentistas) perdura a omissão do problema central da economia brasileira – a dívida pública. Ela exige ser auditada e enquanto isso não ocorrer que seja decretada a moratória de seu pagamento.

Em 7 de fevereiro de 2024 o BC divulgou “Estatísticas Fiscais” com dados sobre o pagamento dos juros da dívida: “Em 2023, os juros nominais do setor público consolidado, apropriados pelo critério de competência, alcançaram R$718,3 bilhões (6,61% do PIB), (...).” A título de comparação o orçamento do Estado de São Paulo para 2024 é de R$ 328 bilhões, ou seja, paga-se em juros da dívida mais que o dobro dos gastos anuais de São Paulo. De acordo com o mesmo documento do BC,  cada um ponto percentual de juros na taxa Selic equivale a R$46,4 bilhões a ser pago aos rentistas. Daí a urgência em reduzir os juros, combinado a uma auditoria e moratória da dívida.

Na tabela abaixo, a título de mera ilustração,  é possível visualizar o comportamento da taxa Selic, do IPCA (principal índice de inflação do Brasil) e presumir uma taxa real de juros, que só no mês de dezembro de 2023 rendeu aos especuladores do mercado R$ 63,9 bilhões (cf. Estatísticas Fiscais: Banco Central do Brasil, 07.02.2024).

2023

taxa SELIC

IPCA acumulado em 12 meses

juros reais presumidos

Janeiro

13,75

5,77

7,98

Fevereiro

13,75

5,60

8,15

Março

13,75

4,65

9,10

Abril

13,75

4,18

9,57

Maio

13,75

3,94

9,81

Junho

13,75

3,16

10,59

Julho

13,75

3,99

9,76

Agosto

13,25

4,61

8,64

Setembro

12,75

5,19

7,56

Outubro

12,75

4,82

7,93

Novembro

12,25

4,68

7,57

Dezembro

11,75

4,62

7,13

Reuniões do Copom: 30 e 31 de janeiro, 19 e 20 de março, 7 e 8 de maio, 18 e 19 de junho, 30 e 31 de julho, 17 e 18 de setembro, 5 e 6 de novembro, 

10 e 11 de dezembro

A visão dos membros do Copom, que tem se manifestado em uníssono, é o de que a dinâmica desinflacionária será obtida por meio de uma desaceleração gradual da economia.  As consecutivas quedas se justificam por esse motivo. E com misto de arrogância e desfaçatez o Comitê afirma que sua decisão de caráter contracionista promove o “(...) fomento do pleno emprego” (21º parágrafo da Ata 260ª Reunião 30-31 de janeiro de 2024).

Durante 2023 o mercado financeiro nacional e internacional apostou que no Brasil e nos EUA a “convergência da inflação para a meta e ancoragem das expectativas” seria obtida com uma política recessiva. Todavia essa não foi a realidade. Os megainvestidores e os gestores dos principais bancos centrais do mundo ficaram surpresos com o fato de que a esperada crise não aconteceu e a inflação não subiu, como foi registrado pelo jornal Valor Econômico dia 5 de janeiro de 2024: “Os economistas passaram os últimos meses de 2023 investigando um enigma: a inflação caiu bastante, bem mais do que se previa, sem uma recessão. Agora que começa um novo ano, ainda não há uma resposta consensual para esse mistério, e ele deverá pautar o ritmo e o tamanho dos cortes de juros pelo banco central de 2024”.

Contudo, nos parece que o cenário dos juros em 2024 está traçado pela agiotagem financeira internacional. Arend Kapteyn economista chefe do UBS, banco suíço que incorporou o Credit Suisse em meados de 2023, concedeu uma entrevista ao jornal Valor Econômico, publicada dia 31 de janeiro de 2024 tratando de economia mundial e taxa de juros. Sobre os EUA ponderou como problemas econômicos a existência de um mercado de trabalho em desaceleração, o fim das transferências de renda do período de confinamento e  pós-pandemia,  um varejo aquecido por dois componentes; de um lado, a poupança do período pandêmico, e de outro, 40% de seu total financiado por cartão de crédito. O banqueiro afirmou que “A recessão [nos EUA] deve começar em maio (...)” com uma queda de 1% do PIB, gerando 1,3 milhão de novos desempregados, elevando a taxa para 5%: “Com esse tamanho de desemprego o FED vai cortar os juros dos atuais 5,5% e chegar no fim de 2024 a 2,75% atingindo 1,25% no fim do ciclo de afrouxamento em 2025”. Diante desse cenário avaliou o comportamento dos juros no Brasil e, justamente no dia da primeira reunião do Copom em 2024, prognosticou a evolução da política monetária brasileira: “Acreditamos que o BC vai cortar 0,50 ponto por reunião até junho e depois aumentar os cortes para 0,75 ponto, com a Selic chegando em novembro a 8%”.

Essa não é uma simples opinião, mas uma diretriz que o sistema financeiro brasileiro deve seguir. Esse receituário é o mesmo, pois se trata da agiotagem do mercado financeiro que com a justificativa de combater a inflação promove na verdade uma recessão para chantagear a sociedade e os trabalhadores. Observe-se que de acordo com o economista do banco suíço a queda dos juros nos EUA decorrerá do início de uma recessão. Caberia ao governo brasileiro, fosse ele soberano,  ignorar o gradualismo do mercado global e determinar de imediato um tombo na taxa Selic para no máximo 2% ao ano para impedir que o país entre numa recessão que ocasionará um maior desemprego e um maior flagelo social. 

 

 


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