JUROS
TIRÂNICOS III
No dia 27 de junho de 2023 o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central do Brasil divulgou a ata de sua 255ª reunião ocorrida dias 20 e 21. Ela está dividida em quatro partes. Na primeira “A) atualização da conjuntura econômica e do cenário do Copom” inicia por destacar que o ambiente externo segue adverso. O que não é novidade pois repete o que já havia apontado anteriormente. Contudo omite um dos aspectos centrais da economia mundial que é a instabilidade financeira dos EUA. Se ao final de maio o Congresso dos EUA não tivesse votado em ritmo urgente a suspensão do teto da dívida pública até 1º de janeiro de 2025 o mundo assistiria a uma pane geral, pois eles não teriam como girar sua economia. Caso essa fosse a realidade de qualquer outro país “emergente”, como o Brasil ou Argentina, a imprensa global estaria praticando seu habitual terrorismo de fim do mundo, mas como se trata dos EUA há um embargo geral de reportagens sobre o assunto. O problema da dívida pública no Brasil também é acobertado, ela é a questão central de nossa economia e o pano de fundo dos juros da taxa Selic. Tanto o governo Lula 3 como a serviçal grande imprensa escondem que a remuneração da dívida pública escoa recursos das áreas sociais e investimentos públicos. De acordo com nota para a imprensa de 30 de junho de 2023 o BC informou no documento “Estatísticas Fiscais” que só no mês de maio foram pagos de juros aos especuladores a soma de R$69,1 bilhões.
Na segunda parte intitulada “B) Cenários e análise de riscos” faz um apelo à “serenidade e paciência” o que significa aceitar que o rentismo prossiga acumulando riqueza ao ponto de fechar o ano com balanço de ganhos acima da inflação. Fez uso de uma linguagem de natureza incerta ao reconhecer que o comportamento do processo inflacionário presente e futuro depende de expectativas, que podem ser verdadeiras ou falsas. “O Comitê segue avaliando que expectativas desancoradas elevam o custo de trazer a inflação de volta à meta”.
Ao afirmar que inexiste relação entre a baixa da inflação e a aprovação do Novo Arcabouço Fiscal não só frustra o ministro da Fazenda como despreza todo o esforço governamental de reformulação do teto de gastos. Na visão dos membros do Comitê está embutida avaliação de que apesar da aprovação do teto de gastos na gestão Temer em dezembro de 2016, implementado a partir do ano seguinte, a inflação flutuou de modo independente. Portanto, pode-se concluir que o novo teto de gastos da gestão Lula/Haddad seria desnecessário, como instrumento de contenção da inflação, e deveria ser revogado ao invés de aperfeiçoado “O Copom novamente enfatizou que não há relação mecânica entre a convergência de inflação e a aprovação do arcabouço fiscal, uma vez que a trajetória de inflação segue condicional à reação das expectativas de inflação e das condições financeiras.”
A visão petista de desenvolvimento com bem-estar pressupõe que os juros possuem efeito direto sobre o crédito e a atividade econômica. O que pode ser verdade a depender de inúmeras outras variáveis. Quanto mais caro o dinheiro maior a inibição de investimentos e por extensão o crescimento econômico. Essa, porém não é a prioridade do mercado e da classe empresarial.
Na parte seguinte: “C) Discussão sobre a condução da política monetária” flerta com o governo ao relatar divergência no Comitê sobre recuo da taxa Selic. De acordo com a ata predominou na reunião a visão de que há um processo desinflacionário que poderia dar início à queda dos juros. Houve contraposição a essa opinião ao se questionar as bases econômicas de confluência da inflação para sua meta. Apesar da diferença de opinião: “(...) os membros do Comitê foram unânimes em concordar que os passos futuros da política monetária dependerão da evolução da dinâmica inflacionária, em especial dos componentes mais sensíveis à política monetária e à atividade econômica, das expectativas de inflação, em particular as de maior prazo, de suas projeções de inflação, do hiato do produto e do balanço de riscos”. Ou melhor, mesmo dada publicidade a eventuais diferenças de opinião quanto ao momento de promover a queda da taxa Selic prevalece o consenso de que a baixa dos juros dependerá de condições favoráveis o que é muito relativo em se tratando das flutuações do mercado (que são mais imprevisíveis que a meteorologia).
Na última parte “D) Decisão de política monetária”, ainda que a grande mídia tenha enfatizado que o Copom poderá iniciar a redução dos juros em sua próxima reunião de agosto a ata encerrou seu relato com uma mensagem de inflexibilidade de sua política: “O Comitê reforça que irá perseverar até que se consolide não apenas o processo de desinflação como também a ancoragem das expectativas em torno de suas metas.”
A divulgação da ata foi precedida pela publicação dia 21 de junho de 2023 do Comunicado “255ª reunião Copom mantém a taxa Selic em 13,75% a.a.” Nele em três passagens fica clara a indisposição do banco em alterar sua rota, malgrado toda a pressão dos gestores do governo Lula 3. A expectativa do BC é prejudicial para os trabalhadores pois aponta em tom positivo que o Brasil “ (...) segue consistente com um cenário de desaceleração da economia nos próximos trimestres”. Campos Neto e a diretoria do BC atuam por jogar a economia do país na recessão, por aumentar o desemprego e por diminuir a renda dos trabalhadores. Em outra passagem do mesmo comunicado exercitam o cinismo ao afirmar que “(...) essa decisão também implica suavização das flutuações do nível de atividade econômica e fomento do pleno emprego”. É, portanto, o reconhecimento de que a política monetária do BC é propositalmente recessiva. Para colocar a inflação na meta não possuem pudores em desaquecer o mercado de trabalho. Ao contrário do que os eunucos do mercado financeiro (a expressão é de autoria do velho Leonel Brizola) – os jornalistas econômicos da grande imprensa ao repercutirem a reunião omitiram que os agentes do mercado que dirigem o BC não possuem nenhuma intenção de alterar a rota dos juros, pois o comunicado reitera: “O Copom conduzirá a política monetária necessária para o cumprimento das metas e avalia que a estratégia de manutenção da taxa básica de juros por período prolongado tem se mostrado adequada para assegurar a convergência da inflação”.
Depois da reunião do comitê ocorreram dois fatos que se relacionam diretamente com a política monetária da gestão Lula 3. O primeiro foi a reunião do Conselho Monetário Nacional (CMN) dia 29 de junho de 2023, composto por apenas três membros, o ministro da Fazenda Fernando Haddad, a ministra do Planejamento Simone Tebet e o presidente do Banco Central Campos Neto. Em entrevista, terminado o encontro, foi anunciado que a meta da inflação deixará de ser aferida pelo ano calendário de janeiro a dezembro para ser contínua, o referencial será de 24 meses. A mudança entra em vigor a partir de janeiro de 2025 com intervalo de tolerância de 1,5%. Manteve a meta da inflação de 2023 em 3,25% ao ano e daí em diante 3% a.a. até que seja alterada. Em nossa leitura resulta como conclusão da reunião que o atual presidente do BC terá liberdade para definir a critério de mercado a taxa de juros, que não será demitido e que qualquer mudança substantiva só a partir de janeiro de 2025. O segundo fato: Haddad indicou Lula avalizou e Galípolo, um “ex” banqueiro, foi aprovado pelo Senado em 4 de julho de 2023, e em breve assumirá a diretoria de política monetária do Banco Central. Poderia ter sido um trabalhador, mas esse não é um governo de trabalhadores.
Há exatos 20 anos, em 2003, Lula, os petistas e os partidos satélites que compunham a base do governo reclamavam da herança maldita de FHC (expressão utilizada para se referir aos problemas herdados da gestão anterior). Essa era a justificativa para fora do governo (externa corporis na expressão em latim), para justificar ao cidadão que o governo gostaria de garantir o bem-estar mas não pode. Todavia, a verdade era outra, a condução da política econômica para dentro do governo Lula 1 (interna corporis, na expressão em latim) dava continuidade ao tripé econômico do Plano Real: meta inflacionária, superávit fiscal e câmbio flutuante, daí não cumprir suas promessas eleitorais. Palocci era o ministro da Fazenda e o ex-banqueiro e deputado federal eleito pelo PSDB de Goiás Henrique Meirelles era o presidente do Banco Central. Passados 20 anos a gestão Lula 3 segue na mesma linha, atribui ao antecessor a culpa por não poder promover as transformações necessárias para a vida dos trabalhadores, mas atende as exigências da patronal. Essa política oferece riscos mais sérios e de consequências mais danosas que as vividas no período 2013 – 2016, das jornadas de junho ao impeachment de Dilma.