27/02/24

 

NOVA INDÚSTRIA BRASIL:  UM EXPEDIENTE OCASIONAL

 

Dia 22 de janeiro de 2024, uma segunda feira, o presidente Lula lançou seu programa de estímulo à indústria. Estava ladeado pelo vice-presidente e Ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços Geraldo Alckmin (que está mais para um gestor de granja do que para um capitão da indústria, pois como governador assistiu passivo ao processo de desindustrialização do Estado de São Paulo). Batizado de Nova Indústria Brasil – forte, transformadora e sustentável: Plano de Ação para a neoindustrialização 2024-2026 resume programas já existentes e recria alguns outros com moderna roupagem, novas terminologias e classificações. Inclusive na adoção de uma nova palavra – neoindustrialização – ao invés de reindustrialização, pois o processo não tenta retomar os passos perdidos, mas está alicerçado nos eixos de sustentabilidade, transição energética, inclusão regional e diversificação. Ou seja, se no passado era a construção das indústrias de base como aço e siderurgia hoje o processo está mais associado a novas tecnologias e inovações. Em termos financeiro pretende investir R$ 300 bilhões até 2026. É muito pouco. Comparativamente é menos da metade do que se pagou de  juros do setor público consolidado em 2023 (R$718,3 bilhões cf. Estatísticas Fiscais BCB 07.02.2024). As propostas do plano estão sistematizadas em 106 infográficos (https://www.gov.br/mdic/pt-br/composicao/se/cndi/plano-de-acao/nova-industria-brasil-plano-de-acao.pdf).

A Nova Indústria Brasil (NIB)  se funda em seis missões, que buscam trazer benefícios para toda a sociedade brasileira: Missão 1 - Cadeias agroindustriais sustentáveis e digitais para a segurança alimentar, nutricional e energética; Missão 2 - Complexo econômico industrial da saúde resiliente para reduzir as vulnerabilidades do SUS e ampliar o acesso à saúde; Missão 3 - Infraestrutura, saneamento, moradia e mobilidade sustentáveis para a integração produtiva e o bem-estar nas cidades;; Missão 4 - Transformação digital da indústria para ampliar a produtividade; Missão 5 - Bioeconomia, descarbonização e transição e segurança energéticas para garantir os recursos para as gerações futuras e Missão 6 - Tecnologias de interesse para a soberania e defesa nacionais

São princípios da Nova Indústria Brasil: I - inclusão socioeconômica; II- equidade, em particular de gênero, cor e etnia; III- promoção do trabalho decente e melhoria da renda; IV- desenvolvimento produtivo e tecnológico e inovação; V- incremento da produtividade e da competitividade; VI- redução das desigualdades, incluindo as regionais; VII- sustentabilidade; VIII- inserção internacional qualificada.

Os principais instrumentos dessa política industrial serão: empréstimos, subvenções, créditos tributários, participação acionária, requisitos de conteúdo local, comércio exterior, margem de preferência, transferência de tecnologia, propriedade intelectual, infraestrutura da qualidade, regulação, encomendas tecnológicas, compras governamentais, investimento público. Apresentados de modo genérico esses instrumentos possuem problemas, pois não exclui os empréstimos às multinacionais, que repatriam lucros; qual será a taxa de juro; as subvenções e créditos tributários poderão criar déficit fiscal;  ao invés de participação acionária o Estado deveria fundar empresas; a transferência de tecnologia e propriedade intelectual deveriam ser de posse do Estado e das universidades públicas e o investimento só poderia ser público mediante uma contrapartida de criação e manutenção do emprego de trabalhadores.

Antecipando e contextualizando a proposta apresentada neste início de ano Lula e Alckmin, publicaram no jornal O Estado de S. Paulo dia 25 de maio de 2023 um artigo intitulado “Neoindustrialização para o Brasil que queremos” nele afirmaram que: “Precisamos de uma política industrial inteligente, para o novo momento da globalização – em que mesmo países mais liberais investem em conteúdo nacional: seja para a construção de cadeias produtivas mais resilientes a choques, como o que provocou escassez de insumos na pandemia; seja para dar conta do imperativo da mudança climática, a corrida espacial do nosso tempo”. Nessa passagem ficou evidente que uma das respostas que o programa pretende oferecer está em função dos impactos que a pandemia acarretou nas cadeias globais de produção que ficaram abaladas e à dependência da China e Índia para o fornecimento de insumos médico-hospitalares. Visto como um novo momento de globalização trata-se, na verdade, de um acirramento das contradições do capitalismo que desemboca em conflitos insolúveis diplomaticamente.

Em perspectiva histórica é visível que houve uma diminuição da participação da indústria no PIB. Isso pode ser constatado a olho nu, ao se passear por antigos aglomerados industriais, inclusive no maior deles, o ABC paulista. O momento de maior participação do setor industrial no PIB brasileiro ocorreu em meados dos anos 80, em 1985 chegou ao percentual de 35,9%. De lá para cá, foi progressivamente se reduzindo até chegar ao índice de 11,3% em 2021. É de interesse popular reverter a situação que foi acentuada desde os anos 1990 com as indiscriminadas aberturas de mercado que desmantelaram a indústria nacional. Por exemplo, o setor de informática que havia obtido reserva de mercado em 1984, mas que não suportou a concorrência e desapareceu.

O presidente da Confederação Nacional da Indústria, Antonio Albam em artigo felicitou a proposta afirmando: “Quem é contra a nova política industrial é contra o Brasil explicou que “De forma resumida, seu fio condutor é alinhar agentes públicos e privados para posicionar o Brasil frente aos desafios contemporâneos” (Valor Econômico 30.01.24). Ainda assim, a repercussão nos meios corporativos, porta-vozes da agiotagem financeira, foi negativa. Em diversos editoriais eles manifestaram-se contrários à iniciativa governamental, sob o argumento de que estaria reeditando medidas passadas e comprometendo o orçamento com gastos adicionais. Citaremos a opinião expressa em alguns editoriais.  Sua filosofia, ainda que busque a modernidade, tem cara de retrocesso. Por último, e não menos importante, não há recursos para executar o programa” (Valor Econômico 24.01.24), falso pois há muito dinheiro escorrendo para o sistema da dívida pública que não oferta nenhuma contrapartida, além disso considera um retrocesso  produzir bens manufaturados. “Causa apreensão geral a retomada de políticas industriais por parte do governo Luiz Inácio Lula da Silva (...)” (Folha de S. Paulo 29.01.24), ou seja, o governo deve ignorar o fato de que o país, mas principalmente os trabalhadores, necessitam de emprego. “Plano anunciado pelo governo reedita medidas fracassadas do passado recente e ignorar o fato de que o declínio da indústria brasileira antecede em décadas a pandemia de covid-19”. (O Estado de S. Paulo 24.01.24), o que é verdade, visto que as políticas neoliberais arrasaram com a indústria nacional. “O risco de falar em nova política industrial a esta altura é ela não passar de uma versão recauchutada, com os mesmos problemas da velha” (O Globo 23.01.24). A velha industrialização foi impulsionada pelo capital estrangeiro, no momento atual as multinacionais não migrarão para o Brasil. Os editorialistas revelam-se adeptos da teoria das vantagens comparativas exposta por David Ricardo em Princípios de Economia Política e Tributação de 1817 (cf.  cap. XXV – Sobre o Comércio Colonial), pois sugerem que o Brasil  deve investir nos setores em que é competitivo, ou seja, mantê-lo como semicolônia exportadora de grãos.

No fundo essas opiniões revelam que para nossas elites e camadas médias de intelectuais orgânicos da burguesia – seus jornalistas porta-vozes – o país pode ser neocolonizado (um neologismo, uma nova palavra, para uma condição secular) naquilo que ainda resta de atividade econômica, abrindo o mercado interno para todo tipo de importação, em contraposição ao que seria uma reafirmação soberana do país ao preconizar a redução da dependência externa. Por exemplo, 90% dos insumos farmacêuticos ativos (IFA) eram importados à época da pandemia.

Essa ideia de que o capital estrangeiro é a solução, permeia nosso passado desde o período colonial em que o sentido de nossa existência era, e é ainda hoje, o da  exploração pelas nações centrais. Exemplo disso está, também, naquilo que foi o transplante de parques industriais no Brasil.

No passado o capital estrangeiro/externo reciclava seus bens de produção em mercados atrasados, promovia nas semicolônias a transferência de maquinário já usado e obsoleto em suas matrizes,  o que foi registrado como investimento direto de capital estrangeiro. Por ocasião, do processo de reconstrução do II Guerra Mundial, o Plano Marshal inundou o Japão e a Europa, em particular Alemanha, com novo capital. O velho maquinário foi reciclado nas periferias do capitalismo.

O historiador Moniz Bandeira ao analisar as facilidades governamentais deste processo afirmou: “(...) a Instrução 113 facilitou a entrada no Brasil de máquinas e equipamentos velhos, obsoletos, valorizados, porém, como se novos fossem, sem considerar as depreciações (....) Entre 1955 e 1962, o Brasil recebeu, como investimento direto em divisas, bens de capital usados e obsoletos no valor de US$ 511,2 milhões, a maior parte procedente dos Estados  Unidos e da República Federal da Alemanha, isentando-os de taxas alfandegárias, de impostos federais e outros concedendo cambio especial às remessas de lucros que as empresas estrangeiras fariam para as matrizes no exterior” (Cartéis e Desnacionalização: Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1975, pp 10-11)

Esse foi o mecanismo de vantagens ao capital estrangeiro que “promoveu” a industrialização brasileira lido em termos ufanistas por muitos historiadores e economistas, vinculados ao regime como um processo autóctone de industrialização, quando não passou de uma pseudoindustrialização, pois dependeu tecnologicamente das nações centrais. Ressaltamos que as máquinas chegadas a partir do final dos anos 1940 já tinham sido utilizadas no processo produtivo de seus países de origem, ou seja, boa parte do parque industrial instalado no Brasil (e demais países da América Latina) foi composto por tecnologia depreciada.

O exemplo mais gritante foi o da indústria automobilística. Só depois da Volkswagen e da Mercedes Benz iniciarem fabricação (não apenas montagem) de automotores no Brasil no início dos anos 1950 foi que a Ford e General Motors também o fizeram, pois, a intenção das montadoras estadunidenses era conservar o mercado de suas exportações a partir dos EUA. Todas essas multinacionais importando de suas matrizes máquinas antigas.

E da mesma forma que um dia chegaram um dia podem ir embora, vide o exemplo da Ford que deixou o país em 2021. Se as matrizes da indústria automobilística decidirem por fechar as portas qual carro será produzido no Brasil? Nenhum! Inexiste uma fábrica nacional de automotores o que comprovam a dependência do país. Uma real industrialização requer pesquisa em ciência e desenvolvimento a fim de se obter verdadeira soberania industrial.

Contudo, entre os dilemas do passado e do presente está o fato de que o governo Lula-Alckmim propõe neoindustrializar o Brasil sem revogar a reforma trabalhista de Michel Temer, a reforma da previdência de Bolsonaro, sem reduzir a jornada oficial de trabalho para 35 horas semanais (7 horas por dia sem redução salarial) e com um salário mínimo muito abaixo do equivalente ao criado por Getúlio Vargas, o salário mínimo do Dieese (em janeiro de 2024 de R$ 6.723,41 contra os atuais R$ 1.412,00).


16/02/24

 

JUROS TIRÂNICOS 6

 

Em campanha eleitoral a chapa Lula-Alckmin prometeu rever a autonomia do Banco Central (BC). Passados mais de um ano essa foi uma das tantas promessas abandonadas. Por ocasião da posse, em janeiro de 2023,  a taxa Selic estava em 13,75% ao ano, em dezembro foi cotada em 11,75%. E na primeira reunião do Comite de Política Monetária (Copom) de 2024 caiu para 11,25%. O movimento de queda começou em agosto de 2023 com 0,5% e continuou nas cinco reuniões seguintes. Mas ainda é alta. Um dos motivos da taxa permanecer elevada está na presença de Campos Neto como presidente do BC, indicado por Bolsonaro e Paulo Guedes, e na subordinação do governo ao capital financeiro. A lei que conferiu autonomia ao BC estabeleceu uma desconexão entre os mandatos de presidente da república e o do banco. Por isso, há a necessidade de revogar a  Lei Complementar nº 179/2021.

As duas últimas reuniões de 2023 do Copom ocorridas a 1º de novembro e 13 de dezembro, não registraram mudança no que havia sido anunciado na reunião de agosto, com previsão de reduzir a taxa Selic em 0,5% a cada reunião. A ata das duas reuniões não aprofundou nenhuma análise substantiva, nem introduziram novos elementos, foram protocolares. A repercussão da reunião de dezembro, última do ano, que poderia ensejar um balanço público, deixou a impressão de que ambos os lados se acomodaram. O governo desistiu de criticar a gestão Campos Neto e ele abaixou um pouco a taxa. Porém, aquém das necessidades de crescimento econômico do país. De comum acordo entre os lados (governo e rentistas) perdura a omissão do problema central da economia brasileira – a dívida pública. Ela exige ser auditada e enquanto isso não ocorrer que seja decretada a moratória de seu pagamento.

Em 7 de fevereiro de 2024 o BC divulgou “Estatísticas Fiscais” com dados sobre o pagamento dos juros da dívida: “Em 2023, os juros nominais do setor público consolidado, apropriados pelo critério de competência, alcançaram R$718,3 bilhões (6,61% do PIB), (...).” A título de comparação o orçamento do Estado de São Paulo para 2024 é de R$ 328 bilhões, ou seja, paga-se em juros da dívida mais que o dobro dos gastos anuais de São Paulo. De acordo com o mesmo documento do BC,  cada um ponto percentual de juros na taxa Selic equivale a R$46,4 bilhões a ser pago aos rentistas. Daí a urgência em reduzir os juros, combinado a uma auditoria e moratória da dívida.

Na tabela abaixo, a título de mera ilustração,  é possível visualizar o comportamento da taxa Selic, do IPCA (principal índice de inflação do Brasil) e presumir uma taxa real de juros, que só no mês de dezembro de 2023 rendeu aos especuladores do mercado R$ 63,9 bilhões (cf. Estatísticas Fiscais: Banco Central do Brasil, 07.02.2024).

2023

taxa SELIC

IPCA acumulado em 12 meses

juros reais presumidos

Janeiro

13,75

5,77

7,98

Fevereiro

13,75

5,60

8,15

Março

13,75

4,65

9,10

Abril

13,75

4,18

9,57

Maio

13,75

3,94

9,81

Junho

13,75

3,16

10,59

Julho

13,75

3,99

9,76

Agosto

13,25

4,61

8,64

Setembro

12,75

5,19

7,56

Outubro

12,75

4,82

7,93

Novembro

12,25

4,68

7,57

Dezembro

11,75

4,62

7,13

Reuniões do Copom: 30 e 31 de janeiro, 19 e 20 de março, 7 e 8 de maio, 18 e 19 de junho, 30 e 31 de julho, 17 e 18 de setembro, 5 e 6 de novembro, 

10 e 11 de dezembro

A visão dos membros do Copom, que tem se manifestado em uníssono, é o de que a dinâmica desinflacionária será obtida por meio de uma desaceleração gradual da economia.  As consecutivas quedas se justificam por esse motivo. E com misto de arrogância e desfaçatez o Comitê afirma que sua decisão de caráter contracionista promove o “(...) fomento do pleno emprego” (21º parágrafo da Ata 260ª Reunião 30-31 de janeiro de 2024).

Durante 2023 o mercado financeiro nacional e internacional apostou que no Brasil e nos EUA a “convergência da inflação para a meta e ancoragem das expectativas” seria obtida com uma política recessiva. Todavia essa não foi a realidade. Os megainvestidores e os gestores dos principais bancos centrais do mundo ficaram surpresos com o fato de que a esperada crise não aconteceu e a inflação não subiu, como foi registrado pelo jornal Valor Econômico dia 5 de janeiro de 2024: “Os economistas passaram os últimos meses de 2023 investigando um enigma: a inflação caiu bastante, bem mais do que se previa, sem uma recessão. Agora que começa um novo ano, ainda não há uma resposta consensual para esse mistério, e ele deverá pautar o ritmo e o tamanho dos cortes de juros pelo banco central de 2024”.

Contudo, nos parece que o cenário dos juros em 2024 está traçado pela agiotagem financeira internacional. Arend Kapteyn economista chefe do UBS, banco suíço que incorporou o Credit Suisse em meados de 2023, concedeu uma entrevista ao jornal Valor Econômico, publicada dia 31 de janeiro de 2024 tratando de economia mundial e taxa de juros. Sobre os EUA ponderou como problemas econômicos a existência de um mercado de trabalho em desaceleração, o fim das transferências de renda do período de confinamento e  pós-pandemia,  um varejo aquecido por dois componentes; de um lado, a poupança do período pandêmico, e de outro, 40% de seu total financiado por cartão de crédito. O banqueiro afirmou que “A recessão [nos EUA] deve começar em maio (...)” com uma queda de 1% do PIB, gerando 1,3 milhão de novos desempregados, elevando a taxa para 5%: “Com esse tamanho de desemprego o FED vai cortar os juros dos atuais 5,5% e chegar no fim de 2024 a 2,75% atingindo 1,25% no fim do ciclo de afrouxamento em 2025”. Diante desse cenário avaliou o comportamento dos juros no Brasil e, justamente no dia da primeira reunião do Copom em 2024, prognosticou a evolução da política monetária brasileira: “Acreditamos que o BC vai cortar 0,50 ponto por reunião até junho e depois aumentar os cortes para 0,75 ponto, com a Selic chegando em novembro a 8%”.

Essa não é uma simples opinião, mas uma diretriz que o sistema financeiro brasileiro deve seguir. Esse receituário é o mesmo, pois se trata da agiotagem do mercado financeiro que com a justificativa de combater a inflação promove na verdade uma recessão para chantagear a sociedade e os trabalhadores. Observe-se que de acordo com o economista do banco suíço a queda dos juros nos EUA decorrerá do início de uma recessão. Caberia ao governo brasileiro, fosse ele soberano,  ignorar o gradualismo do mercado global e determinar de imediato um tombo na taxa Selic para no máximo 2% ao ano para impedir que o país entre numa recessão que ocasionará um maior desemprego e um maior flagelo social. 

 

 


  NOVA INDÚSTRIA BRASIL:   UM EXPEDIENTE OCASIONAL   Dia 22 de janeiro de 2024, uma segunda feira, o presidente Lula lançou seu programa...