23/08/24

 

OS GATILHOS DA QUEDA DA BOLSA DE TÓQUIO

  

Bolsas de Valores vivem de especulação. Na alta dos preços das ações se embriagam, na queda a ressaca provoca tombos. Foi isso o que aconteceu na Bolsa de Valores de Tóquio na segunda dia 5 de agosto de 2024. Essas oscilações fazem parte da rotina diária da movimentação de compra e venda das ações. Em alguns casos afetam o conjunto das ações negociadas, ocasionado uma queda generalizada. No jargão dos especuladores é o movimento de correção dos preços das ações. A detonação de uma crise demanda uma conjunção de fatores. Claro que o estouro de uma bolha pode deflagar uma crise global do sistema financeiro, porém outros elementos devem comparecer como queda na taxa de lucros, redução dos investimentos e baixa demanda de bens e serviços. O mercado capitalista (títulos/ações, comercial, industrial, financeiro, agrícola)  vive em crise sistêmica. Contudo um tombo abrupto não gera como efeito imediato uma recessão ou depressão. Tanto é que ao longo da semana as bolsas se recuperaram.

Na busca insana pela rentabilidade instantânea por meio da especulação bursátil o capital não sustenta seu sistema nem mesmo a curto prazo, pois a sociedade demanda a produção de valores de uso. O investidor depende da geração de lucro do setor produtivo, carece explorar o trabalhador que produz a riqueza. O que mais uma vez confirma a elaboração teórica de que nas camadas subterrâneas do capitalismo vigora a lei do valor. Caso uma ação (título) não expresse as reais margens de lucro da empresa ela passa a refletir uma margem de capital fictício. Daí é um passo para sua queda.

 

PRIMEIRO GATILHO

 

No dia 31 de julho de 2024 o Banco do Japão divulgou uma alta da taxa básica de juros, que era negativa (juros abaixo da inflação)  de – 0,1%  para uma taxa de 0,25% ao ano. Dois dias depois, na sexta dia 2 de agosto, sob o impacto da nova política monetária a bolsa de Tóquio caiu 5,8%. Na abertura do mercado, segunda dia 5, a queda foi muito maior – fechando com prejuízo de 12,4%.

Nesta “segunda feira negra” (apelidada desta forma em referência à segunda feira dia 19 de outubro de 1987 ocasião em que a bolsa de Nova York caiu 22,61%)  os 10 bilionários mais ricos do mundo perderam US$ 45 bilhões. As Magnificent Seven (Sete Magníficas ou MAG7) Alphabet (Google), Apple, Meta (Facebook e WhatsApp, Instagram), Microsoft, Amazon, Nvídia e Tesla perderam US$ 600 bilhões em valor de ações: Nvídia caiu 13%, Apple 7,1% e Tesla 8,7%. No Brasil a rotina da bolsa não foi afetada pois caiu apenas 0,46%. Um percentual coerente com as margens de flutuação diária.

A consequência imediata da elevação dos juros no Japão foi encarecer a prática do carry trade que  consiste no empréstimo em uma moeda (no caso o iene) para investir em ativos de maior rendimento em outra moeda. Exemplificando: um grande banco internacional toma dinheiro emprestado no Japão em  iene com  taxas de juros a 0,25% ao ano e investe esse mesmo dinheiro em títulos da dívida pública brasileira que paga 10,5% ao ano. O lucro é fabuloso. Sem nenhum lastro com a produção real de mercadorias é dinheiro gerando dinheiro. Quando não compram títulos da dívida pública, seja do Brasil ou qualquer outro país (EUA, Argentina etc.) compram ações de empresas nas bolsas de valores do mundo o que também favorece a criação de bolhas especulativas que em algum momento estouram. Ou seja, parte do crescimento artificioso das ações decorre de compras a crédito: emprestava-se ienes para a aquisição de ações e títulos e agora com a elevação dos juros no Japão a expectativa é de que o preço das ações possa cobrir os empréstimos que ficaram mais caros, caso contrário o prejuízo será enorme. John Plender em artigo publicado pelo Financial Times e republicado pelo jornal Valor Econômico dia 13.08.24 afirmou:  “(...) os investidores poderão ter que encontrar até US$ 1,1 trilhão para quitar os empréstimos relacionados às operações de carry trade de Iene.”

Sob o fantasma da quebra da bolsa de Nova York em 1929, que deflagou uma grande depressão, toda vez que as bolsas passam por um solavanco analistas, à esquerda e à direita,  anunciam o início de uma recessão ou depressão. Contudo não há uma relação imediata e mecânica entre o estouro de uma bolha especulativa e o início de uma crise econômica.

Os investidores, melhor seria dizer especuladores, precificam as ações pelos boatos de lucro ou prejuízos, pelas subjetividades e pelas expectativas racionais, mas também irracionais. Daí a capitalização de mercado de uma empresa poder ser várias vezes seu lucro anual. Todo esse movimento repentino de queda talvez não passe de uma “correção” no valor das ações, pois logo na semana seguinte as bolsas voltaram à normalidade.

 

SEGUNDO GATILHO

 

Na sexta dia 2 de agosto foram divulgados os dados sobre emprego nos EUA com indicativo de desaceleração econômica. Em maio a taxa de desemprego subiu para 4%, em junho foi para 4,1% e em julho atingiu 4,3%. O cenário é mais complexo pois, de fato, o rumor de recessão nos EUA possui fundamentos. Destacamos dois aspectos: 1) o mercado de trabalho e 2) o tímido desempenho da economia apesar das guerras contra a Ucrânia e a Palestina. No entanto, é necessário entender o mercado de trabalho dos EUA e suas estatísticas. No referido mês de maio os empregos de meio período cresceram 286 mil vagas e os empregos de tempo integral caíram 625 mil vagas. Em doze meses, de maio de 2023 a maio de 2024, as vagas de emprego em tempo integral recuaram 1,1 milhão de postos de trabalho e as vagas de tempo parcial aumentaram 1,5 milhões. Caso as contratações de tempo parcial fossem convertidas em tempo integral a taxa de desemprego seria muito maior. Por isso, devemos considerar que as vagas de tempo parcial, significam metade do salário o que não garante sobrevivência digna ao trabalhador, que para seu sustento necessita de dois empregos parciais. Embora o aumento da taxa de desemprego não seja dos mais significativos, chama atenção o fato de que em plena corrida militar os EUA, como principal provedor de armas e munições para a Ucrânia e Israel, não consiga sustentar seu nível de atividade econômica. Esse fato nega o que sempre foi visto como certo: de que uma guerra impulsiona o crescimento econômico. De um lado, perante a conjuntura atual essa hipótese no caso estadunidense está sendo negada. De outro, os esperados efeitos das sanções sobre a Rússia não surtiram o resultado previsto. Enquanto o PIB dos EUA em 2023 cresceu 2,5% o da Rússia cresceu 3,6% (1,1% a mais que o estadunidense), o da zona do euro subiu módicos 0,4% (quase nulo) e o PIB da Alemanha recuou em – 0,2%.

 

TERCEIRO GATILHO

 

A publicação dos balancetes trimestrais das MAG7 apesar de positivo foram lidos pelo mercado financeiro com certa cautela em função dos vultosos recursos aplicados em Inteligência Artificial, dados os riscos em função do retorno não ser imediato, e dos gastos elevados de energia que eles representarão.

Embora não esteja no horizonte mental dos especuladores os grandes avanços tecnológicos, desde a revolução industrial na Inglaterra do século XVIII, não são incorporados de modo automático e nem se generalizam de imediato proporcionando uma elevação instantânea da taxa de lucro. O mercado de ações, todavia, possui uma outra cultura. Nele difunde-se a ideia de que uma nova tecnologia garante lucro real e imediato. Como efeito do falatório as ações sobem, mas ao se descobrir que não houve aumento efetivo dos lucros as ações caem. Essa é a dinâmica das bolhas especulativas.

No entanto, nem tudo é economia, interferências políticas também ocorrem. Vide o caso da Intel que frustrou o mercado. Em notícia divulgada pelo jornal Valor Econômico dia 2 de agosto de 2024 está dito que a empresa irá demitir 15% de sua força de trabalho (15 mil trabalhadores)  e antecipou que não pagará dividendos no quarto trimestre de 2024. Frente às duas notícias ruins  suas ações caíram 26% na bolsa de Nova York. A diretoria executiva da empresa alegou que “(...) tem enfrentado problemas no mercado de processadores para data centers, ao perder espaço para a rival AMD, que tem investido pesado na fabricação de chips”. O que pode ser verdade, mas dois outros fatores contribuíram para a crise da empresa: 1) os altos investimentos em Inteligência Artificial e a consequente descoberta de que o retorno não será imediato; 2) Biden e Trump, com tom de voz e vocabulário distintos, elegerem a China como grande inimiga, e nesse contexto Biden impôs à Intel desinvestimento na China e a proibição da venda de chips de computador, causando a perda de 40% de seu mercado comprador. Diante dessa realidade a empresa não teve alternativa a não ser demitir e ver suas ações despencarem na Bolsa de Valores (elemento importante que não foi noticiado pelo jornal e demais órgãos da imprensa corporativa)

 

COMPASSO DE ESPERA

 

Neste fim de mandato do governo Biden pode ser que se esteja acelerando os conflitos antes da posse da nova gestão, para que não haja saída a não ser dar continuidade as agressões militares em curso: Ucrania, Palestina e outras que possam vir, além de forçar uma guerra civil na Venezuela. Há uma enorme expectativa de quem vencerá a corrida eleitoral nos EUA. Muitas decisões e desdobramentos políticos e econômicos estão suspensos no ar, proteladas até que se saiba quem irá governar. As eleições nos EUA são a verdadeira fonte de volatilidade do mercado financeiro, entretanto não se trata de saber quem ganha, mas de saber como reagirá aquele que perder: aceitará? alegará fraude? mobilizará contra o vencedor? promoverá algum golpe? Tentará a deposição de quem ganhou?

 

 

 

 

  O PRONUNCIAMENTO DE HADDAD E O INSUSTENTÁVEL PESO DO ARCABOUÇO FISCAL   Se o regime político do Brasil fosse o parlamentarismo caberia...