OS GATILHOS DA
QUEDA DA BOLSA DE TÓQUIO
Bolsas
de Valores vivem de especulação. Na alta dos preços das ações se embriagam, na
queda a ressaca provoca tombos. Foi isso o que aconteceu na Bolsa de Valores de
Tóquio na segunda dia 5 de agosto de 2024. Essas oscilações fazem parte da rotina
diária da movimentação de compra e venda das ações. Em alguns casos afetam o
conjunto das ações negociadas, ocasionado uma queda generalizada. No jargão dos
especuladores é o movimento de correção dos preços das ações. A detonação de
uma crise demanda uma conjunção de fatores. Claro que o estouro de uma bolha
pode deflagar uma crise global do sistema financeiro, porém outros elementos
devem comparecer como queda na taxa de lucros, redução dos investimentos e baixa
demanda de bens e serviços. O mercado capitalista (títulos/ações, comercial,
industrial, financeiro, agrícola) vive
em crise sistêmica. Contudo um tombo abrupto não gera como efeito imediato uma
recessão ou depressão. Tanto é que ao longo da semana as bolsas se recuperaram.
Na
busca insana pela rentabilidade instantânea por meio da especulação bursátil o
capital não sustenta seu sistema nem mesmo a curto prazo, pois a sociedade
demanda a produção de valores de uso. O investidor depende da geração de lucro
do setor produtivo, carece explorar o trabalhador que produz a riqueza. O que
mais uma vez confirma a elaboração teórica de que nas camadas subterrâneas do
capitalismo vigora a lei do valor. Caso uma ação (título) não expresse as reais
margens de lucro da empresa ela passa a refletir uma margem de capital
fictício. Daí é um passo para sua queda.
PRIMEIRO GATILHO
No
dia 31 de julho de 2024 o Banco do Japão divulgou uma alta da taxa básica de
juros, que era negativa (juros abaixo da inflação) de – 0,1%
para uma taxa de 0,25% ao ano. Dois dias depois, na sexta dia 2 de
agosto, sob o impacto da nova política monetária a bolsa de Tóquio caiu 5,8%.
Na abertura do mercado, segunda dia 5, a queda foi muito maior – fechando com
prejuízo de 12,4%.
Nesta
“segunda feira negra” (apelidada desta forma em referência à segunda feira dia
19 de outubro de 1987 ocasião em que a bolsa de Nova York caiu 22,61%) os 10 bilionários mais ricos do mundo
perderam US$ 45 bilhões. As Magnificent Seven (Sete Magníficas ou MAG7)
Alphabet (Google), Apple, Meta (Facebook e WhatsApp, Instagram), Microsoft,
Amazon, Nvídia e Tesla perderam US$ 600 bilhões em valor de ações: Nvídia caiu 13%,
Apple 7,1% e Tesla 8,7%. No Brasil a rotina da bolsa não foi afetada pois caiu apenas
0,46%. Um percentual coerente com as margens de flutuação diária.
A
consequência imediata da elevação dos juros no Japão foi encarecer a prática do
carry trade que consiste no empréstimo
em uma moeda (no caso o iene) para investir em ativos de maior rendimento em
outra moeda. Exemplificando: um grande banco internacional toma dinheiro
emprestado no Japão em iene com taxas de juros a 0,25% ao ano e investe esse
mesmo dinheiro em títulos da dívida pública brasileira que paga 10,5% ao ano. O
lucro é fabuloso. Sem nenhum lastro com a produção real de mercadorias é
dinheiro gerando dinheiro. Quando não compram títulos da dívida pública, seja
do Brasil ou qualquer outro país (EUA, Argentina etc.) compram ações de
empresas nas bolsas de valores do mundo o que também favorece a criação de
bolhas especulativas que em algum momento estouram. Ou seja, parte do
crescimento artificioso das ações decorre de compras a crédito: emprestava-se
ienes para a aquisição de ações e títulos e agora com a elevação dos juros no
Japão a expectativa é de que o preço das ações possa cobrir os empréstimos que
ficaram mais caros, caso contrário o prejuízo será enorme. John Plender em
artigo publicado pelo Financial Times e republicado pelo jornal Valor Econômico
dia 13.08.24 afirmou: “(...) os
investidores poderão ter que encontrar até US$ 1,1 trilhão para quitar os
empréstimos relacionados às operações de carry trade de Iene.”
Sob
o fantasma da quebra da bolsa de Nova York em 1929, que deflagou uma grande
depressão, toda vez que as bolsas passam por um solavanco analistas, à esquerda
e à direita, anunciam o início de uma
recessão ou depressão. Contudo não há uma relação imediata e mecânica entre o
estouro de uma bolha especulativa e o início de uma crise econômica.
Os
investidores, melhor seria dizer especuladores, precificam as ações pelos
boatos de lucro ou prejuízos, pelas subjetividades e pelas expectativas
racionais, mas também irracionais. Daí a capitalização de mercado de uma
empresa poder ser várias vezes seu lucro anual. Todo esse movimento repentino
de queda talvez não passe de uma “correção” no valor das ações, pois logo na
semana seguinte as bolsas voltaram à normalidade.
SEGUNDO GATILHO
Na
sexta dia 2 de agosto foram divulgados os dados sobre emprego nos EUA com indicativo
de desaceleração econômica. Em maio a taxa de desemprego subiu para 4%, em
junho foi para 4,1% e em julho atingiu 4,3%. O cenário é mais complexo pois, de
fato, o rumor de recessão nos EUA possui fundamentos. Destacamos dois aspectos:
1) o mercado de trabalho e 2) o tímido desempenho da economia apesar das
guerras contra a Ucrânia e a Palestina. No entanto, é necessário entender o
mercado de trabalho dos EUA e suas estatísticas. No referido mês de maio os empregos
de meio período cresceram 286 mil vagas e os empregos de tempo integral caíram
625 mil vagas. Em doze meses, de maio de 2023 a maio de 2024, as vagas de
emprego em tempo integral recuaram 1,1 milhão de postos de trabalho e as vagas de
tempo parcial aumentaram 1,5 milhões. Caso as contratações de tempo parcial
fossem convertidas em tempo integral a taxa de desemprego seria muito maior. Por
isso, devemos considerar que as vagas de tempo parcial, significam metade do
salário o que não garante sobrevivência digna ao trabalhador, que para seu
sustento necessita de dois empregos parciais. Embora o aumento da taxa de
desemprego não seja dos mais significativos, chama atenção o fato de que em
plena corrida militar os EUA, como principal provedor de armas e munições para
a Ucrânia e Israel, não consiga sustentar seu nível de atividade econômica. Esse
fato nega o que sempre foi visto como certo: de que uma guerra impulsiona o
crescimento econômico. De um lado, perante a conjuntura atual essa hipótese no
caso estadunidense está sendo negada. De outro, os esperados efeitos das
sanções sobre a Rússia não surtiram o resultado previsto. Enquanto o PIB dos
EUA em 2023 cresceu 2,5% o da Rússia cresceu 3,6% (1,1% a mais que o
estadunidense), o da zona do euro subiu módicos 0,4% (quase nulo) e o PIB da
Alemanha recuou em – 0,2%.
TERCEIRO GATILHO
A publicação
dos balancetes trimestrais das MAG7 apesar de positivo foram lidos pelo mercado
financeiro com certa cautela em função dos vultosos recursos aplicados em Inteligência
Artificial, dados os riscos em função do retorno não ser imediato, e dos gastos
elevados de energia que eles representarão.
Embora
não esteja no horizonte mental dos especuladores os grandes avanços
tecnológicos, desde a revolução industrial na Inglaterra do século XVIII, não
são incorporados de modo automático e nem se generalizam de imediato
proporcionando uma elevação instantânea da taxa de lucro. O mercado de ações,
todavia, possui uma outra cultura. Nele difunde-se a ideia de que uma nova
tecnologia garante lucro real e imediato. Como efeito do falatório as ações
sobem, mas ao se descobrir que não houve aumento efetivo dos lucros as ações
caem. Essa é a dinâmica das bolhas especulativas.
No
entanto, nem tudo é economia, interferências políticas também ocorrem. Vide o
caso da Intel que frustrou o mercado. Em notícia divulgada pelo jornal Valor
Econômico dia 2 de agosto de 2024 está dito que a empresa irá demitir 15% de
sua força de trabalho (15 mil trabalhadores) e antecipou que não pagará dividendos no
quarto trimestre de 2024. Frente às duas notícias ruins suas ações caíram 26% na bolsa de Nova York. A
diretoria executiva da empresa alegou que “(...) tem enfrentado problemas no
mercado de processadores para data centers, ao perder espaço para a rival AMD,
que tem investido pesado na fabricação de chips”. O que pode ser verdade, mas
dois outros fatores contribuíram para a crise da empresa: 1) os altos
investimentos em Inteligência Artificial e a consequente descoberta de que o
retorno não será imediato; 2) Biden e Trump, com tom de voz e vocabulário
distintos, elegerem a China como grande inimiga, e nesse contexto Biden impôs à
Intel desinvestimento na China e a proibição da venda de chips de computador, causando
a perda de 40% de seu mercado comprador. Diante dessa realidade a empresa não
teve alternativa a não ser demitir e ver suas ações despencarem na Bolsa de
Valores (elemento importante que não foi noticiado pelo jornal e demais órgãos
da imprensa corporativa)
COMPASSO DE ESPERA
Neste
fim de mandato do governo Biden pode ser que se esteja acelerando os conflitos
antes da posse da nova gestão, para que não haja saída a não ser dar
continuidade as agressões militares em curso: Ucrania, Palestina e outras que
possam vir, além de forçar uma guerra civil na Venezuela. Há uma enorme
expectativa de quem vencerá a corrida eleitoral nos EUA. Muitas decisões e
desdobramentos políticos e econômicos estão suspensos no ar, proteladas até que
se saiba quem irá governar. As eleições nos EUA são a verdadeira fonte de
volatilidade do mercado financeiro, entretanto não se trata de saber quem ganha,
mas de saber como reagirá aquele que perder: aceitará? alegará fraude? mobilizará
contra o vencedor? promoverá algum golpe? Tentará a deposição de quem ganhou?