27/10/23

 

JUROS TIRÂNICOS 5

 

Na véspera da reunião do Copom (Comitê de Política Monetária) do Banco Central do Brasil, dias 19 e 20 de setembro de 2023,  o jornal Valor Econômico informou que o mercado esperava um corte de 0,5% na taxa Selic. Ao final da reunião, na quarta dia 20, não foi surpresa que fosse esse o corte na taxa de juros. Por dois motivos, em primeiro lugar o mercado no dia anterior sinalizava acordo com o percentual, pois das 140 instituições financeiras ouvidas em levantamento promovido pelo jornal,  139 concordaram que este deveria  ser o percentual de queda; em segundo lugar, o próprio comitê em sua ata anterior havia antecipado que poderia prosseguir com uma redução de meio ponto percentual.

A Ata da 257ª reunião do Copom não difere em termos das atas anteriores. Adota um tom sóbrio ao se referir aos problemas econômicos das duas locomotivas da economia mundial: “O Comitê notou a elevação das taxas de juros de longo prazo dos Estados Unidos e a perspectiva de menor crescimento da China.” Ambas as constatações não são novidade, pois os sinais em ambos os países já eram de conhecimento público. Os EUA necessitam captar dinheiro e a China (mas também nenhum outro país) consegue manter um ritmo de crescimento em contínua progressão. A redução do nível de atividade econômica da China decorre de seu mercado interno, em alguns segmentos já saturado, mas também de uma retomada mais lenta do mercado mundial no pós pandemia.

No contexto nacional a Ata observa que o consumo das famílias é um dos responsáveis pelo crescimento econômico do país, tanto em função dos programas de distribuição de renda como de um mercado de trabalho ativo. Antes da reunião do Copom o Relatório Focus de 18 de setembro de 2023 projetava um crescimento do PIB em 2023 de 2,89% tendo em vista que o PIB no primeiro e segundo trimestres deste ano surpreenderam, 1,9% e 0,9% respectivamente.  O forte desempenho do agronegócio no primeiro trimestre de 2023 (compensando o desempenho negativo em 2022 com uma retração de 1,7%)  e as expectativas abertas pelas reformas regulatórias (arcabouço fiscal e tributária) foram citados como pontos que alimentam expectativas futuras de um bom desempenho da economia.

A queda da inflação, argumento central para a redução da taxa de juros, foi avaliada em uma dinâmica dividida em dois estágios. Em um primeiro notou-se uma diminuição dos preços de alimentos e industriais. Em um segundo estágio a desaceleração alcançou os preços de serviços. Foi com base nesse cenário que o Copom decidiu por abater 0,5% na taxa básica de juros, reduzindo-a para 12,75% ao ano.

A decisão foi unânime. Porém, o problema possui outro caráter. De um lado a gestão Lula 3 continua focada na estabilidade das contas públicas em tom de austeridade, secundarizando outros aspectos impulsionadores da economia, em particular a reativação industrial. E de outro lado a ênfase do Comitê em perseguir a meta de inflação se coloca como o maior obstáculo para o setor fabril, justificada nos seguintes termos: “(...) a necessidade de perseverar com uma política monetária contracionista até que se consolide não apenas o processo de desinflação como também a ancoragem das expectativas em torno de suas metas.” Essa obsessão, que reflete o poder do rentismo em preservar seus lucros, deve ser substituída pelos interesses populares por emprego e investimentos públicos em serviços sociais.

 


01/09/23

JUROS TIRÂNICOS 4

 

Em sua quinta reunião do ano e quinta na gestão Lula 3, o Comite de Política Monetária (Copom) do Banco Central do Brasil (BC) decidiu reduzir em meio ponto percentual (0,5) a taxa Selic (Sistema Especial de Liquidação e de Custódia), denominação dada para a taxa básica de juros no Brasil. Foi a primeira vez que houve redução da taxa neste ano, retomando o patamar de junho de 2022, em 13,25%. Porém, há exatos três anos, em 5 de agosto de 2020, o Copom anunciava uma taxa de 2% e a economia do país não evaporou.

 

A ATA DA 256ª REUNIÃO

 

O Copom reunido 1º e 2 de agosto de 2023, dessa vez com dois  novos diretores, Ailton de Aquino Santos e Gabriel Galípolo, ambos indicados pela gestão Lula 3, divulgou sua ata dia 8.

Como de praxe, lembrou que no plano internacional não houve mudanças significativas desde a última reunião do comitê, com a economia mundial em desaceleração e com os principais bancos centrais do mundo focados em promover a convergência da inflação para as suas respectivas metas. Sublinhamos que o FED (equivalente do banco central nos EUA) e o Banco Central Europeu (BCE) estabeleceram uma meta inflacionária de 2% ao ano. Para nós, o Conselho Monetário Nacional, em decisão anunciada dia 29 de junho, manteve a meta da inflação em 3,25% ao ano para 2023 e indicou que para os próximos anos será de 3%, até que seja alterada.

Em várias passagens a Ata reiterou que o objetivo é conter a inflação e o meio para obtenção da meta é promover uma política contracionista. O que isso significa? Em linguagem direta, contrair a atividade econômica e fomentar o desemprego. E pelo resultado da reunião, esse objetivo está sendo alcançado.

No item 6 da Ata, o Copom admitiu: “(...) que não há evidência de pressões salariais elevadas nas negociações trabalhistas” (p. 4), certifica que a política recessiva favorece o desemprego e encurrala os trabalhadores a ponto de inibir a organização de greves em defesa do salário.

Mais abaixo repete: “Ao fim, concluiu-se unanimemente pela necessidade de uma política monetária contracionista e cautelosa, de modo a reforçar a dinâmica desinflacionaria.” (p. 4).  Conferida credibilidade ao que está dito pela Ata, os dois novos diretores indicados na gestão Lula 3 estão de antemão alinhados com a direção do banco, pois o documento afirma que por unanimidade a política contracionista responsável pelo desemprego deve prosseguir. Em outra passagem, foi reforçada a ideia de coesão de propósitos: “Foi unânime o entendimento de que, independentemente da composição da diretoria colegiada ao longo do tempo, deve-se garantir a credibilidade e a reputação da Instituição” (p. 5).

Para os diretores do Copom, responsáveis pela condução da política de favorecimento do capital financeiro, a Ata salienta como um aspecto positivo para a baixa da inflação: “(...) uma desaceleração da atividade econômica global mais acentuada do que a projetada” (p.5). Concluem que, em ambas as esferas – nacional e internacional –, reduzir o nível de atividade econômica é o caminho. Fica evidente que existe uma articulação global dos bancos centrais para desaquecer o mercado mundial e dessa forma intimidar os trabalhadores. Não se trata de inferência, mas de uma confirmação pela leitura da Ata: “Permanece, assim, a determinação dos bancos centrais de controlarem a inflação por meio da manutenção do aperto da política monetária por período mais prolongado.” (p. 3).

  

 

 

O CONTEXTO

 

Numa análise do primeiro semestre de 2023, o comportamento da inflação, se comparado com a taxa Selic, vai revelar que o juro real no Brasil aumentou em termos reais e, por extensão, a renda dos especuladores. Logo, a redução da taxa Selic em meio ponto percentual não está em função de auxiliar o governo ou beneficiar a sociedade, mas resulta de uma queda da inflação que já permitiu grande acúmulo de capital aos rentistas. Confira na tabela abaixo a constatação de que os juros reais se elevaram ao longo do ano, portanto  a redução da taxa Selic está alinhada com os interesses do mercado. 






O Copom insiste em defender que o caráter de sua política é contracionista e dela não abrirá mão. Uma das formas de se evidenciar essa política está no raquítico desempenho da indústria brasileira. O primeiro semestre de 2023 serve de exemplo: em três dos seis meses houve retração industrial (janeiro, fevereiro e abril); nos três meses em que houve expansão, em dois deles (maio e junho) o aumento foi muito baixo, quase desprezível, ― 0,3 e 0,1 respectivamente. O segmento é o mais importante e sensível da economia,  é o que melhor remunera e exige mão de obra mais qualificada. Esse quadro reflete a política do BC conduzida por Campos Neto.

 








Na véspera da reunião, o jornal Valor Econômico, de propriedade do Grupo Globo, porta voz do mercado financeiro, dos megainvestidores e do imperialismo global, em matéria publicada na edição de 31 de julho,  informou o levantamento de opinião entre 128 instituições financeiras sobre qual deveria ser a decisão do Copom acerca dos juros – somente uma defendeu a manutenção da taxa em 13,75 e uma outra não declarou. Aquilo que pode ser lido como uma matéria jornalística nada mais era que um ordenamento ao Banco Central sobre qual deveria ser sua decisão. Um total de 99,2% das instituições validava uma flexibilização da política monetária avalizando uma queda da taxa. A diferença de opinião recaiu sobre o ritmo e o percentual: 64,6% defendiam uma queda de 0,25 enquanto 34,6% apostavam em 0,5.

 

No mesmo dia em que publicou a matéria referida acima, o jornal Valor Econômico manifestou-se e, num editorial despudorado, revelou o pensamento das classes dominantes do Brasil sobre os problemas da economia e qual deve ser a principal medida do BC para conter a inflação: “(...) o mercado de trabalho segue com um desempenho melhor do que o esperado (...) Representa, por outro lado, um desafio para o Banco Central baixar a inflação para a meta de longo prazo (...) O mercado de trabalho deveria se desacelerar, ampliando a taxa de desemprego e o nível de ociosidade, garantindo uma queda duradoura da inflação.” (Editorial:  Mercado de trabalho segue mais forte que o esperado). Isto é, para a plutocracia que possui as riquezas do Brasil, os trabalhadores devem ser jogados na miséria. É essa a civilização do mercado.

O infortúnio reside no fato de que setores da esquerda liberal, amplos setores dos movimentos sociais e do governo seguem acreditando que é possível uma conciliação com as classes dominantes do Brasil. Essa política, que não resulta de ingenuidade, mas de crença em pactos de governabilidade, é filha da perdição.

07/07/23

 

JUROS TIRÂNICOS III


No dia 27 de junho de 2023 o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central do Brasil divulgou a ata de sua 255ª reunião ocorrida dias 20 e 21. Ela está dividida em quatro partes. Na primeira “A) atualização da conjuntura econômica e do cenário do Copom” inicia por destacar que o ambiente externo segue adverso. O que não é novidade pois repete o que já havia apontado anteriormente. Contudo omite um dos aspectos centrais da economia mundial que é a instabilidade financeira dos EUA. Se ao final de maio o Congresso dos EUA não tivesse votado em ritmo urgente a suspensão do teto da dívida pública até 1º de janeiro de 2025 o mundo assistiria a uma pane geral, pois eles não teriam como girar sua economia. Caso essa fosse a realidade de qualquer outro país “emergente”, como o Brasil ou Argentina, a imprensa global estaria praticando seu habitual terrorismo de fim do mundo, mas como se trata dos EUA há um embargo geral de reportagens sobre o assunto. O problema da dívida pública no Brasil também é acobertado, ela é a questão central de nossa economia e o pano de fundo dos juros da taxa Selic. Tanto o governo Lula 3 como a serviçal grande imprensa escondem que a remuneração da dívida pública escoa recursos das áreas sociais e investimentos públicos. De acordo com nota para a imprensa de 30 de junho de 2023 o BC informou no documento “Estatísticas Fiscais” que só no mês de maio foram pagos de juros aos especuladores a soma de R$69,1 bilhões.

Na segunda parte intitulada “B) Cenários e análise de riscos” faz um apelo à “serenidade e paciência” o que significa aceitar que o rentismo prossiga acumulando riqueza ao ponto de fechar o ano com balanço de ganhos acima da inflação. Fez uso de uma linguagem de natureza incerta ao reconhecer que o comportamento do processo inflacionário presente e futuro depende de expectativas, que podem ser verdadeiras ou falsas. “O Comitê segue avaliando que expectativas desancoradas elevam o custo de trazer a inflação de volta à meta”. 

Ao afirmar que inexiste relação entre a baixa da inflação e a aprovação do Novo Arcabouço Fiscal não só frustra o ministro da Fazenda como despreza todo o esforço governamental de reformulação do teto de gastos. Na visão dos membros do Comitê está embutida avaliação de que apesar da aprovação do teto de gastos na gestão Temer em dezembro de 2016, implementado a partir do ano seguinte, a inflação flutuou de modo independente. Portanto, pode-se concluir que o novo teto de gastos da gestão Lula/Haddad seria desnecessário, como instrumento de contenção da inflação, e deveria ser revogado ao invés de aperfeiçoado “O Copom novamente enfatizou que não há relação mecânica entre a convergência de inflação e a aprovação do arcabouço fiscal, uma vez que a trajetória de inflação segue condicional à reação das expectativas de inflação e das condições financeiras.”

A visão petista de desenvolvimento com bem-estar pressupõe que os juros possuem efeito direto sobre o crédito e a atividade econômica. O que pode ser verdade a depender de inúmeras outras variáveis. Quanto mais caro o dinheiro maior a inibição de investimentos e por extensão o crescimento econômico. Essa, porém não é a prioridade do mercado e da classe empresarial.

Na parte seguinte: “C) Discussão sobre a condução da política monetária” flerta com o governo ao relatar divergência no Comitê sobre recuo da taxa Selic. De acordo com a ata predominou na reunião a visão de que há um processo desinflacionário que poderia dar início à queda dos juros. Houve contraposição a essa opinião ao se questionar as bases econômicas de confluência da inflação para sua meta. Apesar da diferença de opinião: “(...) os membros do Comitê foram unânimes em concordar que os passos futuros da política monetária dependerão da evolução da dinâmica inflacionária, em especial dos componentes mais sensíveis à política monetária e à atividade econômica, das expectativas de inflação, em particular as de maior prazo, de suas projeções de inflação, do hiato do produto e do balanço de riscos”. Ou melhor, mesmo dada publicidade a eventuais diferenças de opinião quanto ao momento de promover a queda da taxa Selic prevalece o consenso de que a baixa dos juros dependerá de condições favoráveis o que é muito relativo em se tratando das flutuações do mercado (que são mais imprevisíveis que a meteorologia).

Na última parte “D) Decisão de política monetária”, ainda que a grande mídia tenha enfatizado que o Copom poderá iniciar a redução dos juros em sua próxima reunião de agosto a ata encerrou seu relato com uma mensagem de inflexibilidade de sua política: “O Comitê reforça que irá perseverar até que se consolide não apenas o processo de desinflação como também a ancoragem das expectativas em torno de suas metas.”

A divulgação da ata foi precedida pela publicação dia 21 de junho de 2023 do Comunicado “255ª reunião Copom mantém a taxa Selic em 13,75% a.a.” Nele em três passagens fica clara a indisposição do banco em alterar sua rota, malgrado toda a pressão dos gestores do governo Lula 3. A expectativa do BC é prejudicial para os trabalhadores pois aponta em tom positivo que o Brasil “ (...) segue consistente com um cenário de desaceleração da economia nos próximos trimestres”. Campos Neto e a diretoria do BC atuam por jogar a economia do país na recessão, por aumentar o desemprego e por diminuir a renda dos trabalhadores. Em outra passagem do mesmo comunicado exercitam o cinismo ao afirmar que “(...) essa decisão também implica suavização das flutuações do nível de atividade econômica e fomento do pleno emprego”.  É, portanto, o reconhecimento de que a política monetária do BC é propositalmente recessiva. Para colocar a inflação na meta não possuem pudores em desaquecer o mercado de trabalho. Ao contrário do que os eunucos do mercado financeiro (a expressão é de autoria do velho Leonel Brizola) – os jornalistas econômicos da grande imprensa ao repercutirem a reunião omitiram que os agentes do mercado que dirigem o BC não possuem nenhuma intenção de alterar a rota dos juros, pois o comunicado reitera: “O Copom conduzirá a política monetária necessária para o cumprimento das metas e avalia que a estratégia de manutenção da taxa básica de juros por período prolongado tem se mostrado adequada para assegurar a convergência da inflação”.

Depois da reunião do comitê ocorreram dois fatos que se relacionam diretamente com a política monetária da gestão Lula 3. O primeiro foi a reunião do Conselho Monetário Nacional (CMN) dia 29 de junho de 2023, composto por apenas três membros, o ministro da Fazenda Fernando Haddad, a ministra do Planejamento Simone Tebet e o presidente do Banco Central Campos Neto. Em entrevista, terminado o encontro, foi anunciado que a meta da inflação deixará de ser aferida pelo ano calendário de janeiro a dezembro para ser contínua, o referencial será de 24 meses. A mudança entra em vigor a partir de janeiro de 2025 com intervalo de tolerância de 1,5%. Manteve a meta da inflação de 2023 em 3,25% ao ano e daí em diante 3% a.a. até que seja alterada. Em nossa leitura resulta como conclusão da reunião que o atual presidente do BC terá liberdade para definir a critério de mercado a taxa de juros, que não será demitido e que qualquer mudança substantiva só a partir de janeiro de 2025. O segundo fato: Haddad indicou Lula avalizou e Galípolo, um “ex” banqueiro, foi aprovado pelo Senado em 4 de julho de 2023, e em breve assumirá a diretoria de política monetária do Banco Central. Poderia ter sido um trabalhador, mas esse não é um governo de trabalhadores.

Há exatos 20 anos, em 2003, Lula, os petistas e os partidos satélites que compunham a base do governo reclamavam da herança maldita de FHC (expressão utilizada para se referir aos problemas herdados da gestão anterior). Essa era a justificativa para fora do governo (externa corporis na expressão em latim), para justificar ao cidadão que o governo gostaria de garantir o bem-estar mas não pode. Todavia, a verdade era outra, a condução da política econômica para dentro do governo Lula 1 (interna corporis, na expressão em latim) dava continuidade ao tripé econômico do Plano Real: meta inflacionária, superávit fiscal e câmbio flutuante, daí não cumprir suas promessas eleitorais. Palocci era o ministro da Fazenda e o ex-banqueiro e deputado federal eleito pelo PSDB de Goiás Henrique Meirelles era o presidente do Banco Central.  Passados 20 anos a gestão Lula 3 segue na mesma linha, atribui ao antecessor a culpa por não poder promover as transformações necessárias para a vida dos trabalhadores, mas atende as exigências da patronal. Essa política oferece riscos mais sérios e de consequências mais danosas que as vividas no período 2013 – 2016, das jornadas de junho ao impeachment de Dilma.

21/06/23

 

A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL E OS TRABALHADORES

 

Dia 22 de março de 2023 foi divulgada uma carta com assinatura de mais de mil nomes, dentre eles notáveis executivos das big tech,  pedindo a interrupção temporária nas pesquisas sobre inteligência artificial – IA. Com desculpas de preocupação com o uso inadequado e possíveis impactos negativos, os signatários causaram um certo alarme. Alegando riscos profundos à sociedade e à humanidade e que a IA causaria mudanças radicais na história da vida na terra, a carta pediu: “ (...) a todos os laboratórios de IA que parem imediatamente por pelo menos 6 meses o treinamento de sistemas de IA mais poderosos que o GPT-4. Essa pausa deve ser pública e verificável e incluir todos os principais atores. Se tal pausa não puder ser decretada rapidamente, os governos devem intervir e instituir uma moratória.”

Essa pausa não está em função de preocupações humanitárias, mas com disputas que envolvem interesses de ganho de capital e de domínio monopólico sobre a IA. Não podemos desprezar que capitalistas especulam nas bolsas de valores e notícias falsas e/ou verdadeiras são meios de promover a valorização e/ou desvalorização de ações. No início dos anos 1990, por ocasião do lançamento do projeto Genoma Humano de sequenciamento genético do DNA, a dimensão cientifica ficou secundarizada diante da corrida para a agiotagem financeira nas bolsas de valores com ações de empresas da área de biotecnologia. Sobre a IA circulam desde ideias  infantilizadas como a da lâmpada de Aladdin, que promoverá a felicidade, até catastrofismo de fim dos tempos. Vale lembrar que no início do projeto Genoma circularam notícias de fim das doenças a criação de monstros.

A chamada Revolução Industrial (iniciada na Inglaterra com a patente da máquina a vapor em 1769) abriu um período histórico, ainda não encerrado, de substituição progressiva do trabalho humano (braçal e intelectual) por máquinas. Porém, não é o único fenômeno material do processo: a substituição do braço pela máquina não está em função de gerar maior conforto ao operário, libertando-o dos ofícios mais penosos e desgastantes, mas está em função de elevar a produtividade do trabalhador e, assim ampliar os ganhos patronais. Esse segundo aspecto é o que está por trás da IA: ampliar a renda capitalista. 

A IA é uma máquina. Será limitada pelos conteúdos programados e banco de dados inseridos nela. Uma máquina jamais poderá interpretar um elemento novo, que esteja fora de sua memória. Algoritmos podem automatizar processos mentais e/ou comportamentais, mas somente daquilo que foi implantado na máquina, inclusive as eventuais respostas - atentar para o fato de que uma resposta não é sinônimo de coisa certa e menos ainda de solução, pois a resposta pode estar errada. Ao não possuir sentidos como os humanos as máquinas jamais terão condições de absorver os elementos da natureza - física e social - que possibilitam ao ser humano o questionamento da realidade e a formulação de proposições novas e resolutivas.

Ao mesmo tempo que os algoritmos poderão ser reprogramados em uma velocidade elevada estarão sempre formatados pelo que foi programado. A IA integra vários componentes físicos: crescente miniaturização eletrônica, ampliação do poder computacional (chips), memórias cada vez mais capazes e internet. A combinação desses elementos altamente potentes minimiza a capacidade individual do sujeito, mas não subtrai a inteligência como fator único e exclusivo dos seres humanos.

Um guindaste levanta toneladas. Um carro se move em uma velocidade inalcançável pelo homem. Um microscópio enxerga organismos invisíveis a olho nu. Um telescópio enxerga a uma distância que jamais será possível ao olho humano. Todos eles são artefatos criados pela humanidade. Comparar as limitações do ser humano com a capacidade dessas invenções é uma bestialidade. A ideia de substituição do ser humano pela IA vai na mesma linha de pensamentos imbecis, como comparar um atleta de levantamento de peso, um fisiculturista, com um guindaste.

A IA possui um amplo espectro de uso, e pode abarcar uma infinidade de atividades. A interface militar da IA potencializa em larga escala o impacto destrutivo dos artefatos bélicos. Num cenário onde as grandes potências pretendem manter à força seu poderio econômico e político, o uso da IA, bem como da energia nuclear, ameaça a sobrevivência de povos e civilizações. Contudo, a possibilidade de descontrole e imprevisibilidade de trajetória e detonação são riscos concretos na medida em que bombas e mísseis podem ter seus algoritmos reprogramados em um cenário inesperado e não previsto.  Uma defesa aérea programada com IA lança um míssil cujo alvo é móvel, e qual será a reprogramação do míssil quando o alvo escapar? Se ele possui livre e arbitrária autonomia para “decidir” o que fazer, poderá optar por retornar à sua base de lançamento. Isso significa que ele necessita de mecanismos de segurança que bloqueiem a possibilidade de retorno.  Exemplificar com ameaças militares talvez seja apelativo, mas e com uma receita de bolo? Se a programação não levar em consideração os ingredientes e a quantidade de produtos, e a boleira seguir cegamente a receita da máquina (em vez da receita da vovó), o resultado poderá ser um bolo que causará intoxicação alimentar, caso não se bloqueie a possibilidade de autogerenciamento do programa.

A IA resulta do trabalho humano, do dispêndio de cérebro, nervos, músculos e sentidos humanos. Porém essas relações estão encobertas pelo que podemos chamar de fetiche tecnológico, capaz de ocultar as propriedades sociais inerentes ao trabalho humano – o conjunto de relações que envolvem a vida humana em todas suas dimensões. Sob comando do livre mercado, ela ampliará o caos econômico e, sob uma direção planificada, poderá ser um meio para, por exemplo, reduzir a jornada de trabalho.

Uma descoberta científica ou invenção só é progressiva quando, além de eliminar ou suprimir dificuldades e sofrimentos humanos, contribui para emancipar e beneficiar a coletividade. Tecnologias a serviço de uma minoria social são regressivas. Um novo mundo vai conservar as conquistas materiais, produto da história, suprimirá as relações sociais de exploração e conservará as conquistas mecânicas e técnicas que facilitarão o trabalho, conserva as heranças do passado expressando o acúmulo de conquistas pretéritas. Uma revolução científica ou social não somente destrói as correntes de opressão e ignorância, mas incorpora as conquistas e avanços de uma época. O progresso da ciência seria impossível sem essa tradição de heranças da qual a inteligência artificial será uma delas, a ser posta em proveito de uma nova sociedade, pautada pela cooperação de trabalhadores, ao invés da competição. Máquinas podem destruir civilizações, jamais construí-las. Essa competência é exclusivamente humana.

02/06/23

 

                                 

                                    PIB A DESCOBERTO

 

É natural que governo e especuladores estejam tomados de euforia diante do anúncio do PIB do primeiro trimestre de 2023. Ambos vivem de ilusões. Para se entender os 1,9% de crescimento se comparado ao quarto trimestre de 2022 , atribuídos em sua quase totalidade ao desempenho da agropecuária,  basta olhar para o comportamento da economia rural em 2022. A tabela 1 abaixo vislumbra os dados (Contas Nacionais Trimestrais - Indicadores de Volume e Valores Correntes, Jan-Mar 2023. IBGE 01.06.23). Diante de um 2022 difícil em função de impactos ambientais a produção foi ruim nos quatro trimestres do ano passado. Tomando por base o volume trimestral observamos que a produção diminuiu em cada um deles. No quarto e último trimestre de 2022 o volume de produção foi o menor – a metade do produzido no primeiro trimestre. Portanto, não constitui surpresa que neste primeiro trimestre de 2023 o PIB do setor escale altura.

 

tabela 1

 

SÉRIE ENCADEADA DO ÍNDICE DE VOLUME TRIMESTRAL

 

Média de 1995 = 100

 

Período

AGROPECUÁRIA

 

2022.I

300,5

2022.II

268,2

2022.III

213,0

2022.IV

149,9

fonte: ibge

 

 

A tabela 2 permite enxergar o rendimento, tanto do setor agropecuário, como dos demais. Ela apresenta os números revisados do PIB trimestre contra trimestre de 2022. Nela o desempenho do PIB Total foi baixo e no quarto trimestre de 2022 foi negativo. O PIB da agropecuária foi negativo nos quatro trimestres do ano.

O resultado do primeiro trimestre de 2023 está concentrado em um segmento cujo comportamento ao longo de 2022 esteve deprimido por problemas climáticos, apesar do ufanismo do setor que havia anunciado para 2022 uma safra recorde. Estávamos em ano eleitoral e o setor possuía um candidato próprio à presidência.

 

tabela 2

 

TRIMESTRE CONTRA TRIMESTRE IMEDIATAMENTE ANTERIOR (%) 

 

Com ajuste sazonal

 

Período

AGROPECUÁRIA

INDUSTRIA

SERVIÇOS

PIB TOTAL

 

2022.I

-0,1

0,8

1,0

1,0

2022.II

-0,5

1,6

1,2

1,1

2022.III

-1,1

0,6

0,9

0,5

2022.IV

-0,9

-0,3

0,2

-0,1

2023.I

21,6

-0,1

0,6

1,9

fonte: ibge

 

 

Ressaltamos que o agronegócio é um mito pelos seguintes aspectos: 1) não possui empreendedorismo, os avanços científicos do campo brasileiro decorrem das pesquisas patrocinadas pela Embrapa, uma estatal;  2) possui privilégios oriundos da Lei Kandir que os isenta de tributação; 3) é favorecido por uma taxa de câmbio que barateia a exportação ao desvalorizar a moeda nacional em favor do dólar, 4) não é o responsável por abastecer a mesa dos trabalhadores, pois 70% da produção de alimentos da cesta básica do brasileiro é produzida pela agricultura familiar e 5) despreza a agroecologia. Independente disso a bancada ruralista no Congresso Nacional vai com arrogância defender o setor como o mais dinâmico da economia, cobrar do governo uma postura de repressão às lutas camponesas e maiores benefícios.

Preocupa o fato de a participação da indústria na economia nacional continuar em queda, recuou 0,1% neste primeiro trimestre, cf. tabela 2. Cifra que poderia ser desprezada se o dado não representasse a diminuição progressiva do setor no PIB do país. Outro dado que chama a atenção sobre o setor industrial é a denominada Formação Bruta de Capital Fixo – FBCF (o que significa: produção de máquinas e ferramentas) que regrediu em 3,4%. Ou seja, o país além de não estar investindo em bens de produção não está repondo e dando manutenção nas suas máquinas e ferramentas.

Em função da divulgação dos números contidos na tabela 2 há uma corrida por novas estimativas do PIB para 2023. Muitas delas ampliando seu crescimento. Esse movimento não é do agrado do Banco Central que enxerga no crescimento econômico um perigo inflacionário. Os rentistas do capital argumentam que isso aquece a demanda, puxa o nível de emprego para cima e desequilibrada as contas públicas. O Boletim Focus, publicado pelo Banco Central, mas que traz as expectativas de mercado, projeta em sua edição de 26 de maio de 2023 um crescimento do PIB para este ano de 1,26%. Diante dos novos números alguns analistas do mercado financeiro acreditam que o PIB poderá crescer o dobro, chegando a 2,6%. Caso o Banco Central insista em garantir sua projeção, além de manter ou elevar a taxa Selic, poderá promover uma recessão induzindo o PIB trimestral a cair nos próximos trimestres do ano.

Devemos lembrar que esses números podem ser revisados para cima ou para baixo. Temos certeza de que deverão passar por retificação. Esperamos que não sejam piores do que os atuais. Como os dados numéricos podem ser manipulados ao sabor das conveniências  o portal do IBGE, para fazer propaganda governamental, informa que o PIB do primeiro trimestre de 2023 é de 3,3% no acumulado em quatro trimestres. Os números permitirão as mais diversas leituras. Importa, porém, algumas conclusões. A condição recessiva da economia não foi contida, indústria e serviços tiveram um desempenho aquém do esperado para alavancar salário e emprego.

O produto interno bruto é o principal indicador do nível de atividade econômica de um país, mede a produção de bens e serviços. Mede seu enriquecimento ou empobrecimento. Para teóricos do neoliberalismo chega a ser considerado um indicador de felicidade de um povo. Em termos relativos a publicação de seus dados em percentuais mede o nível de atividade econômica. Em termos monetários informa o valor de mercado dos bens e serviços produzidos no país. Sobre a distribuição das riquezas produzidas pelos trabalhadores não oferece o dado mais importante que seria a taxa de exploração sobre os trabalhadores. Deste modo, sem uma orientação para os interesses de classe dos trabalhadores o crescimento do PIB, além de não mudar a vida, perpetua as desigualdades.

  O PRONUNCIAMENTO DE HADDAD E O INSUSTENTÁVEL PESO DO ARCABOUÇO FISCAL   Se o regime político do Brasil fosse o parlamentarismo caberia...