23/03/23

 

O BRASIL E O MERCADO CHINÊS

 

Lula estará na China de 26 a 31 de março. Irá  à economia que mais cresce no mundo e rivaliza com os Estados Unidos, que se encontra em franco declínio. Porém, as relações de dependência semicolonial do Brasil com os EUA dificultam um maior enlace estratégico. Nesse aspecto, estamos nos referindo ao fato de que reservadamente Lula e Xi Jinping deverão discutir o futuro do BRICS e o que seria a medida política e econômica mais significativa desse agrupamento – a adoção de uma moeda comum entre seus membros.

De 2008 (ano referência em função da grande crise bancária iniciada nos EUA mas que contaminou toda a econômica global) a 2022, portanto por 15 anos consecutivos, o PIB chinês cresceu acima do PIB estadunidense (veja tabela abaixo). Em função da crise de 2008 todas as economias do G7 mais a brasileira tiveram uma retração de seu PIB, em 2020 dada a pandemia em todos eles também houve retração do PIB. Nesses dois anos a exceção foi a China que teve uma diminuição de  seu PIB mas onde não houve retração, vejam tabela. Analisando o PIB das economias centrais é  possível constatar que há uma crise e perda de vantagens das economias do G7 que em 1975, ano da primeira reunião do grupo forneciam 80% do produto interno bruto mundial, mas que hoje respondem por 40%.

Evolução do PIB  China, G7 e Brasil     2008 - 2022

 

CHINA

EUA

ALEMANHA

REINO UNIDO

FRANÇA

JAPÃO

ITÁLIA

CANADÁ

BRASIL

2022

3,00%

2,10%

1,80%

4,00%

2,60%

1,10%

3,70%

3,40%

2,90%

2021

8,10%

5,90%

2,60%

7,60%

6,80%

2,10%

7,00%

5,00%

4,60%

2020

2,20%

-2,80%

-3,70%

-11,00%

-7,80%

-4,30%

-9,00%

-5,10%

-3,90%

2019

6,10%

2,30%

0,60%

1,40%

1,80%

-0,40%

0,50%

1,90%

1,20%

2018

6,70%

2,90%

1,00%

1,30%

1,90%

0,60%

0,90%

2,80%

-1,30%

2017

6,90%

2,20%

2,70%

1,70%

2,30%

1,70%

1,70%

3,00%

1,30%

2016

6,80%

1,70%

2,20%

1,70%

1,10%

0,80%

1,30%

1,00%

-3,30%

2015

7,00%

2,70%

1,50%

2,40%

1,10%

1,60%

0,80%

0,70%

-3,50%

2014

7,40%

2,30%

2,20%

2,90%

1,00%

0,30%

0%

2,90%

0,50%

2013

7,80%

1,80%

0,40%

2,20%

0,60%

1,60%

-1,80%

2,30%

3,00%

2012

7,90%

2,30%

0,40%

1,40%

0,30%

1,40%

-3,00%

1,80%

1,90%

2011

9,60%

1,50%

3,90%

1,30%

2,20%

-0,50%

0,70%

3,10%

4,00%

2010

10,60%

2,70%

4,20%

2,10%

1,90%

4,70%

1,70%

3,10%

7,50%

2009

9,40%

-2,60%

-5,70%

-4,10%

-2,90%

-5,50%

-5,30%

-2,90%

-0,10%

2008

9,70%

0,10%

1,00%

-0,30%

0,30%

-1,00%

-1,00%

1,00%

5,10%

fonte: countryeconomy.com 

 

A rapidez com que a China reagiu ao coronavírus e o fato de seu PIB  ter crescido em 2020 aumentou a vontade dos EUA de criar uma aliança anti-China promovendo campanhas chauvinistas.  Por outro lado, a pandemia evidenciou a dependência do mundo em relação à China, desde bugigangas até insumo farmacêutico ativo (IFA), passando por matéria prima industrial básica a máquinas e ferramentas. Economias em diversos pontos do planeta ficaram esperando pelo embarque e desembarque de produtos chineses.

A ascensão chinesa é uma ameaça, não só econômica, mas de segurança nacional contra seus rivais ao dominar tecnologias de ponta como inteligência artificial, robótica, automação, biotecnologia, veículos autônomos e internet de quinta geração (5G) que possui amplo espectro de uso militar, haja vista que uma futura guerra não será com soldados, será com robôs e drones (vide a guerra por procuração da OTAN contra a Rússia). A gestão Biden dá continuidade à política de Trump, ambos possuem o mesmo objetivo de tentar reerguer a economia dos EUA, com a única diferença do tom de voz e da polidez, porém com as mesmas promessas belicistas.

O marco que define o atual contexto mundial deriva do fim do breve século XX, cujo fato terminal foi a queda do muro de Berlim em novembro de 1989 e o colapso da União Soviética em 1991. Relacionado à China o evento foi outro: quando em junho de 1989, com volumosa presença de forças militares se promoveu o que ficou conhecido como massacre da Paz Celestial em Pequim, uma das cenas antológicas do século XX. Nessa ocasião o capital se convenceu de que os chineses poderiam ser sócios no mercado mundial.

O desafio, não só dos EUA, mas das principais economias capitalistas será intenso. De uma participação de 4% no PIB mundial em 1990, a China em 2020 chegou a 16,4%, um crescimento de 400% em 30 anos. Em termos comparativos, no ano de 2020, os EUA detinham 23% e o Brasil 1,6% de participação no PIB mundial. Nesse intervalo a China investiu em infraestrutura interna, recebeu em transferência pesquisa e desenvolvimento de produtos e criou novas tecnologias, cujo exemplo mais evidente é a internet de quinta geração (5G).

Esse avantajado crescimento impressiona ao ponto de alguns economistas já anteciparem que este será o século da China. O que nos parece, por ora, um pouco precipitado. Apesar do grande entusiasmo com a economia chinesa, os EUA continuam sendo a principal economia do planeta e o dólar segue inabalável como moeda de reserva internacional. Neste consórcio, que é o mercado mundial, as reservas internacionais chinesas estão na casa de US$ 3 trilhões e as do Brasil, em torno de US $ 324,7 bilhões; em ambos os casos, basicamente títulos do tesouro estadunidense. A substituição do dólar pela moeda chinesa pode acontecer, mas por enquanto como hipótese. Em perspectiva histórica isso é possível da mesma forma que no século XVI a moeda mundial era a espanhola, no século XVII, a holandesa, no XVIII foi a vez da moeda francesa, no XIX, a libra inglesa e no XX, o dólar. Se este for século chinês, será a vez do yuan/renminbi ocupar o papel de moeda reserva. Reservadamente Lula e Xi Jinping deverão discutir o futuro do BRICS e o que seria a medida política e econômica mais significativa desse agrupamento – a adoção de uma moeda comum entre os membros do grupo.

Um capítulo anedótico da disputa dos EUA, secundado pela União Europeia, contra a China é o caso do meio ambiente no Brasil, a Amazônia e a mata atlântica. O agronegócio exporta 80% da soja brasileira para a China. Uma das formas de prejudicar a nação asiática é limitar e encarecer a ração alimentar de seus rebanhos. Daí a preocupação de Biden com a preservação da natureza brasileira, além de outros interesses. É puro cinismo compartilhado com o cinismo do politicamente correto. Óbvio que opinamos em defesa de nossa floresta, a questão é a crença ingênua em uma boa índole por parte dos EUA.

Para se contrapor ao projeto chinês de uma nova rota da seda, com investimento externo de US$ 8 trilhões que, em mão dupla, na ida abasteceria de fontes e matéria prima a economia do país e na volta escoaria sua produção, os EUA estão oferecendo crédito de US$ 40 trilhões em 15 anos para países emergentes e de baixa renda aplicarem em projetos de infraestrutura. Um dos focos estadunidenses é impedir o acordo Nicarágua – China de Cooperação Marítima do Século XXI no âmbito das Novas Rotas da Seda (BRI), que visa construir um canal paralelo ao do Panamá, ligando o Atlântico ao Pacífico.

Dos dois lados – EUA e China – a retórica é inflamada, contudo a realidade é distinta das aparências. Por enquanto o  cenário não é de conflito entre os dois países, mas de rivalidade entre monopólios gigantescos (por exemplo Amazon versus Alibaba). A economia mundial em seu atual estágio apresenta-se entrelaçada como os nós de um bordado. Ao se tentar desfazer de um de seus nós, todo o tecido se desfia. Consequentemente, imaginar que as cadeias de abastecimento e produção deixarão de ser globais para tornarem-se regionais não será uma passagem tranquila. Medidas protecionistas, o que alguns denominam de desglobalização ou desacoplamento, elevarão os custos e com eles crises mais agudas eclodirão. Em vista disso, a contradição não se localiza no enfrentamento entre dois estados soberanos (EUA x China) mas no choque entre os distintos capitais (bancário, comercial, industrial) e seus respectivos monopólios.

Se existe um destino manifesto na história dos EUA é o de provocar guerras, sejam convencionais sejam híbridas. Além da Rússia o próximo alvo poderá ser a China. O novo cenário difere da Guerra Fria iniciada em 1947 com a Doutrina Truman de combate à União Soviética, pois não se trata da competição entre dois blocos distintos, capitalismo versus comunismo, mas da formação de blocos econômicos rivais em disputa por capital. A China promete se defender e para isso pode estabelecer uma aliança estreita com a Rússia. Ironicamente os EUA não combatem a China por exportar a ideologia comunista, mas por rivalizar no domínio da economia capitalista.

 


07/03/23

 

 

O GATILHO DA INFLAÇÃO

 

Na terça-feira, dia 28 de fevereiro, após anuência do presidente Lula, o Ministério da Fazenda anunciou a reoneração parcial de R$ 0,34 de tributos na gasolina e de R$ 0,02 no etanol. Pode parecer insignificante, no entanto, é sobre cada litro cujo efeito cascata acumula um repasse sobre cada etapa ou momento da atividade econômica. O objetivo declarado é garantir uma arrecadação adicional de R$ 28,8 bilhões.

É notório que foi um erro do governo ter cedido ao mercado financeiro e aos especuladores elevando o preço da gasolina e do etanol. Toda a cadeia produtiva da economia será impactada e será inevitável o repasse dos reajustes ao preço final. Mais uma vez, trabalhadores sofrerão com a redução do seu poder de compra e essa é mais uma desvalorização salarial.

Na entrevista coletiva em que comunicou as novas medidas, o ministro Haddad apresentou três justificativas: a fiscal, para reduzir o déficit no final do ano; a ambiental, ao taxar combustível fóssil; e a social, para evitar aumento sobre produtos com peso no consumo. Essa última justificativa é incompreensível, pois não há como refutar que subir o preço de um bem tão essencial como a gasolina e o etanol produz impactos negativos.

O atual governo, pressionado pelos agentes econômicos do capital, inicia reversão das providências do governo anterior que, em junho de 2022, por meios de três instrumentos jurídicos (Lei Complementar 192, Lei Complementar 194 e Lei 14.385), adotou medidas tributárias, reduzindo impostos federais e alíquotas sobre combustíveis, energia elétrica e telecomunicações, cujo resultado foi a deflação da gasolina em 25,78%, do etanol em 25,42%, da energia elétrica em 19,01%, do plano de telefonia móvel em 3,28 e do acesso à internet em 12,09% (vide tabela 1). Em relação à energia elétrica, contribuíram para a redução a restituição de cobranças indevidas e a normalização das bandeiras tarifárias.

 

TABELA 1 - IPCA - Variação acumulada em 12 meses (%)

Índice geral

5,79

Alimentação no domicílio

13,23

Combustíveis e energia

-12,89

Gás de botijão

6,27

Gás encanado

16,58

Energia elétrica residencial

-19,01

Gasolina

-25,78

Etanol

-25,42

Óleo diesel

22,87

Gás veicular

10,25

Produtos farmacêuticos

13,52

Plano de telefonia móvel

-3,28

Acesso à internet

-12,09

Fonte: IBGE - Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo

  

Ao observarmos a tabela 2, é nítido que, se tais medidas não tivessem sido adotadas, a inflação em 2022 seria o dobro. Com isso, fica claro que o Estado possui meios de conter os processos inflacionários e que a subida permanente e incontrolada dos preços resulta de medidas propositais e intencionais. A inflação é o principal meio de desvalorização salarial, mês a mês, portanto, interessa aos trabalhadores manter seu poder de compra. Porém, o governo, atendendo às pressões da plutocracia de nossas elites ao disparar o gatilho inflacionário, prejudica os trabalhadores.

 

TABELA 2 - Variação do IPCA em 2022

Mês de referência

IPCA no mês

Acumulado 12 meses

janeiro

0,54%

10,38%

fevereiro

1,01%

10,54%

março

1,62%

11,30%

abril

1,06%

12,13%

maio

0,47%

11,73%

junho

0,67%

11,89%

julho

-0,68%

10,07%

agosto

-0,32%

8,73%

setembro

-0,29%

7,17%

outubro

0,59%

6,47%

novembro

0,41%

5,90%

dezembro

0,62%

5,79%

  

Como forma de amenizar os aumentos, o ministro ressaltou que o governo está preocupado com a condição econômica dos “pobres”. Nesse sentido, propagandear que o salário-mínimo foi reajustado acima da inflação é falacioso, já que isso pode ser verdadeiro e falso. É verdade que o salário-mínimo foi reajustado em 7,42%, 1,63 % acima do IPCA, que foi 5,79% em 2022, porém, esse é o índice geral. De acordo com o IBGE, a inflação dos alimentos foi de 13,23% no ano de 2022. Comida é o principal item de consumo dos trabalhadores, portanto o reajuste do salário-mínimo está defasado em 5,81% nesse quesito. Ou seja, fica evidente que dados estatísticos podem ser manipulados a bel-prazer.

Na grande mídia corporativa, circulou o argumento de que “pobre não tem carro” e de que “é bom lembrar que os mais pobres não estão nem aí para os preços da gasolina nas bombas”.  A justificativa é racista (visto que definir indivíduos superiores e inferiores é uma forma explícita de racismo); é mentira que pessoas pobres não têm carro, muitos possuem carros populares usados e necessitam deles para trabalhar, embute a ideia de que o pobre não deve ter acesso à compra de um carro, de que o pobre não possui condições e capacidade para comprar um carro, de que o carro, símbolo de status e poder, é exclusivo das classes médias e altas e que não deve ser compartilhado, por ser de exclusividade das elites. 

Com argumento ecológico de desestimular o uso de combustível fóssil, o governo Lula 3 cede aos interesses do “mercado”. Seria grotesco acreditar que a preocupação dos agentes financeiros e do governo é com o meio ambiente. Essa é uma falsa desculpa. Com a medida, o governo garante aos rentistas uma segurança maior na remuneração dos papéis da dívida pública. As metas de descarbonização estão em função dos interesses de acumulação do capital e não da preservação da natureza. Há, porém, uma grande campanha publicitária sobre o tema, a fim de convencer a sociedade de que o bem-estar e a sobrevivência na Terra estão ameaçados e que, portanto, medidas emergenciais são necessárias. Isso demonstra que, com justificativas ambientais, de políticas verde e de sustentabilidade, adotam-se medidas reacionárias que se voltam contra o interesse dos mais desfavorecidos. Lembramos que, na França, houve um movimento popular denominado “coletes amarelos”, iniciado em outubro de 2018, por ocasião da instituição de um imposto sobre os combustíveis fósseis para financiar a descarbonização energética e a transição para uma “economia verde”.

Em suas declarações, o Ministro da Fazenda tem reiterado que a prioridade econômica do governo é a recomposição orçamentária, tanto do ponto de vista da despesa como da receita. Isso significa continuar promovendo um arrocho nos gastos sociais. Quanto aos descontos nos preços da gasolina e do etanol: hoje, eles estão em vigor, contudo, amanhã, eles poderão ser suspensos e os preços escalarem uma subida ainda maior. Passado o impacto inicial e maléfico do anúncio da majoração dos preços, a realidade poderá ser modificada.

A situação continua dura e chocante para os trabalhadores. O salário-mínimo terá um aumento de R$ 18,00, passando de R$ 1.302,00 para R$1.320,00, somente a partir de maio. Para o Dieese, a remuneração salarial mensal de um trabalhador hoje deveria ser de R$ 6.641,58. Em São Paulo, o valor da cesta básica para um adulto se sustentar por um mês foi de R$ 790, 00 em janeiro de 2023, enquanto o valor mensal do Bolsa Família não passa de R$ 600,00. A tabela do imposto de renda foi reajustada para isentar quem ganha até R$ 2.640,00 (dois salários-mínimos) quando deveria ser cumprida promessa eleitoral de isentar até R$ 5.000,00. Os gastos com o salário-mínimo e a atualização da tabela do imposto de renda estão estimados em R$ 8,2 bilhões e são duramente criticados pelo dito “mercado”.

Enquanto isso, em 2 de março de 2023, um dia após o anúncio do aumento dos preços dos combustíveis, a Petrobras divulgou dados de seu balanço contábil: no último trimestre do ano passado, o lucro líquido foi de R$ 43,3 bilhões e aos acionistas serão distribuídos R$ 35,8 bilhões em dividendos. Em 2022, o total de lucro líquido alcançou a cifra de R$ 188,32 bilhões, o maior da história do Brasil.

As conclusões são categóricas: para garantir o preço da gasolina, do gás de cozinha, do diesel e dos demais derivados do petróleo, o governo deve abandonar a política de preços de paridade de importação (PPI), que leva em consideração a cotação do barril de petróleo no mercado internacional, reverter a privatização de refinarias e das antigas subsidiárias da Petrobrás e assegurar uma Petrobrás 100% estatal para garantir que todo seu lucro seja revertido aos interesses populares.

09/02/23

 

 

 

DEMITIR CAMPOS NETO E A DIRETORIA DO BANCO CENTRAL

 

O que está em jogo em cada ponto percentual a mais ou a menos na taxa de juros estabelecida pelo Banco Central do Brasil (BC)? Cada ponto percentual na taxa de juros equivale a R$35 bilhões por ano. Significa que se a taxa básica de juros sobe, sobe o gasto com a dívida pública. Por isso, é de enorme interesse dos trabalhadores que a taxa seja a mais baixa possível, preferencialmente próxima de zero, como em alguns países, na Suíça 1%, Zona do Euro 3% e Reino Unido 4%. Por esse e tantos outros motivos, os trabalhadores necessitam se apropriar dos conhecimentos econômicos. Embora seja difícil decifrar o palavreado - propositalmente rebuscado - do economês praticado pelos analistas e jornalistas de economia. Além da linguagem obscura, é preciso entender que por princípio, tais analistas e jornalistas tem sua opinião vendida, pois são pagos pelos banqueiros e rentistas, daí veicularem opiniões compradas pelo sistema financeiro. Por meio de malabarismos de linguagem adotam argumentos mentirosos e falsos. Vez ou outra, enxertam alguma fórmula matemática para conferir ares de ciência e são apresentados como especialistas e portadores de pontos de vista independentes.   

 

AUTONOMIA

 

Por ocasião da sanção da Lei Complementar 179/2021 que concedeu autonomia ao Banco Central, PT e PSOL entraram no Supremo Tribunal Federal alegando inconstitucionalidade. O argumento era tosco: vício de iniciativa. Para os dois partidos a proposta deveria ter sido originada por decisão do Presidente da República, ao invés de um senador, Plínio Valério (PSDB – AM).  Ela estabelece a autonomia do BC e não sua independência, apesar da referência a ambas pela imprensa. Seria independente se ele determinasse a meta da inflação. Como ela é definida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) o que a lei sobre o BC conferiu foi a autonomia do banco para perseguir a meta de inflação que para 2023 está prevista em 3,25%, com intervalo de tolerância de 1,5% para cima ou para baixo. 

 

 

O principal aspecto da dita autonomia é a desconexão de mandatos: somente no meio do mandato do Presidente da República é que será trocado o presidente do BC e em regime escalonado seus diretores, todos indicados pelo Presidente da República e nomeados somente após aprovação pelo Senado. Em seu artigo primeiro a referida lei define os objetivos do banco: “zelar pela estabilidade e pela eficiência do sistema financeiro, suavizar as flutuações do nível de atividade econômica e fomentar o pleno emprego”. A mídia comprada, banqueiros, rentistas e a própria diretoria do BC estão dando ênfase apenas na questão da estabilidade de preços, ignorando a dinâmica econômica e a questão do emprego. 

Por ocasião da primeira reunião, neste ano e neste governo, do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central do Brasil, presidido por Roberto Campos Neto, que define a taxa básica de juros da economia, chamada de taxa SELIC (Sistema Especial de Liquidação e de Custódia), dias 31 de janeiro e 1º de fevereiro de 2023 a decisão foi por mantê-la em 13,75 % ao ano. A maior taxa básica de juros do mundo.

 

AS REAÇÕES

 

Na condição de Presidente da República, Lula reagiu com espanto ao fato de que foi mantida, ao invés de reduzida, a taxa de juros. Dentre os especuladores a manutenção da taxa foi bem recebida. Lula de viva voz passou a questionar sua manutenção, sem viés de baixa, e o desprezo com a economia e o emprego.  

Desde então, uma sórdida campanha foi deflagrada pela mídia corporativa. A mesma que elegeu Bolsonaro em 2018. Para exemplificar a postura antipopular e alinhada desses grandes jornais com o capital financeiro, selecionamos trechos de seus respectivos editoriais todos eles publicados dia 8 de fevereiro de 2023 com o propósito de desmoralizar o governo com pseudoargumentos.  A Folha de S. Paulo afirmou que: “O populismo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), embora não ameace a democracia como o do seu antecessor, coloca em risco o crescimento da renda e do emprego de dezenas de milhões de brasileiros.” Pelo contrário a renda e o emprego estão ameaçados de morte com a política de juros do BC. Para O Estado de S. Paulo “(...) Lula boicota seu próprio governo e prejudica aqueles que ele tanto diz ajudar”. É o BC que prejudica a população, neste caso, a vítima virou réu, Lula estaria dando um tiro no pé.  O Globo inverte a relação bandido - mocinho: “Declarações desastradas de Lula tentando atribuir ao BC uma responsabilidade que é dele em nada contribuem para dissipá-la”. O jornal de finanças Valor Econômico considera que “Lula desmoraliza a autoridade monetária, sem definir qual será sua política fiscal, deixando entrever que seu programa é a gastança”. Investimentos e programas sociais são gastança. O ponto de vista que defendem é o mesmo de Paulo Guedes.

 

As recentes declarações de Lula criticando o Banco Central, seu presidente Campos Neto, a autonomia da instituição e a manutenção da taxa de juros é apresentada pelos agentes do rentismo como prejudiciais à economia; quando são, na verdade, sua legítima defesa.  

Os impostores da mídia corporativa - banqueiros e rentistas – se interessam sempre pela instalação do pânico. Quanto maior as incertezas, o imprevisível, as oscilações da Bolsa de Valores e do câmbio - melhor para eles. A cada oscilação no volume de transações na Bolsa de Valores, a cada queda ou subida na cotação do dólar, um punhado de especuladores ganha e outro perde. No entanto, os grandes especuladores sempre ganham, seja nas quedas, seja nas subidas.

 

A ATA DO COPOM

 

Dia 7 de fevereiro o Copom divulgou a ata da reunião em que decidiu por manter a taxa em 13,75%. Destacaremos alguns de seus argumentos. A ata começa passando em revista a conjuntura internacional. Caracteriza o cenário econômico global como de baixo potencial de crescimento e com desafio de moderar o avanço da inflação. Para os EUA aponta uma tendência à desaceleração, e que em muitos países, as pressões inflacionárias criam um ambiente desfavorável ao crescimento, sugerindo que poderá ocorrer um desaquecimento. Essa avaliação é comum ao Banco Mundial e ao FMI. Ambos reconhecem os limites da economia mundial neste ano de 2023.  

O problema reside no âmbito doméstico. Para a nossa realidade a diretoria colegiada do Banco Central caracteriza que a política fiscal do governo Lula 3 possui caráter expansionista, ou seja, pretende promover gastos sociais e de investimentos que serão responsáveis por pressionar “a demanda agregada ao longo do horizonte de projeções, ou a possibilidade de alteração das metas de inflação ora definidas” (Ata do Comitê de Política Monetária, 252º Reunião 31.01 – 01.02.23).   Demanda agregada que pode ser traduzida por consumo, no caso, de produtos essenciais para a vida do trabalhador. Na ata reconhece de que a instituição vai atuar contra dois de seus objetivos elencados na lei que conferiu autonomia ao banco – o nível de atividade econômica e o emprego –  ao afirmar que: “O conjunto de dados divulgados, incluindo a queda dos indicadores de confiança e a desaceleração observada nas concessões de crédito, junto com os efeitos defasados da política monetária, reforçam a expectativa do Comitê de desaceleração do ritmo da atividade econômica, que deve se acentuar nos próximos trimestres.” (Ata ...) Isto é, os membros do Copom para garantir que a meta de inflação seja cumprida ou dela se aproxime estão dispostos a promover o desemprego e reduzir a atividade econômica. Pretendem ampliar a miséria para garantir a remuneração da plutocracia do sistema financeiro: “Nesse sentido, alguns membros ressaltaram que a desaceleração deve prosseguir e é necessária para que os canais de política monetária atuem e ocorra a convergência da inflação para suas metas.” (Ata ...)  Dentre os fatores de risco para o futuro do país aponta que há: “(...) ainda elevada incerteza sobre o futuro do arcabouço fiscal do país e estímulos fiscais que implicam sustentação da demanda agregada, parcialmente incorporados nas expectativas de inflação e nos preços de ativos (...)” (Ata ...). Arcabouço fiscal que é a nova denominação para o antigo teto de gastos, tanto um como outro estão em função de gerar fundos para remunerar a dívida pública. E em tom de ameaça, para que a meta da inflação seja alcançada, promete “(...) um aperto monetário mais prolongado (...)” (Ata ...). Isso significa que o compromisso dos gestores do Banco Central é aumentar continuamente a taxa de juros.  

 

A LEI ESTÁ DO LADO

 

Os termos defendidos na ata revelam a incompatibilidade do presidente Campos Neto e todos os demais diretores do BC com a realidade do país, que necessita de medidas urgentes de estímulo ao emprego, à distribuição de renda e ao crescimento econômico.

A política de elevação dos juros visa dois objetivos: 1) garantir a remuneração do capital financeiro em alto nível e 2) sob a alegação de que controla a espiral de preços e salários (inflação,) promover a desaceleração da economia, gerando desaquecimento da demanda ampliando a miséria e o desemprego. Esse último aspecto é central, visto que, enfraquece o poder de barganha dos trabalhadores com a patronal.

Sendo assim, é fazer valer a letra da Lei Complementar 179/2021 que sanciona em seu Artigo 5º, inciso IV (em sequência): “O Presidente e os Diretores do Banco Central do Brasil serão exonerados pelo Presidente da República: IV - quando apresentarem comprovado e recorrente desempenho insuficiente para o alcance dos objetivos do Banco Central do Brasil". Está posto! Não há acordo. Em 2022, Campos Neto e sua diretoria não cumpriram com a meta da inflação e para 2023 relatam que irão promover recessão. É uma prerrogativa que o presidente possui, que ele faça uso. Para os súditos do capital, demissão já!

 

 

04/02/23

 

 

 

A PAUTA TRIBUTÁRIA DO NOVO CONGRESSO

 

Espetáculo por espetáculo, qual foi o maior e mais impactante: a posse de Lula dia 1º de janeiro de 2023 ou o vandalismo da turba bolsonarista dia 8? Só a história responderá. Neste cenário de dissonâncias cognitivas: um fala branco outro fala preto, uns fazem balanço positivo, outros negativo, alguns dizem que Lula 3 sai fortalecido, outros acham que o governo foi golpeado e se enfraqueceu. Alguns acham que a democracia venceu, saiu fortalecida, outros acham que o governo seguirá refém do bolsonarismo (denominação genérica para as forças de direita).

O espetáculo da posse recheado de mensagens pacificadoras, integradoras e inclusivas foi ofuscado pelo espetáculo do quebra-quebra no domingo seguinte. Na margem de tempo de uma semana ficou evidenciado o antagonismo entre as classes na sociedade capitalista. Embora petistas e bolsonaristas não compartilhem de que no capitalismo prevaleça a divisão de classes: petistas olham para as desigualdades promovidas pelo sistema e com visão romântica das contradições do capitalismo, pensam que podem erradicá-la com harmonização de interesses.  Já os bolsonaristas só enxergam o apocalipse. 

Em 1º de fevereiro tomaram posse os novos parlamentares e na mesma data elegeram a mesa diretora das duas casas que compõem o Congresso. Da mesma forma que o atual vice-presidente Geraldo Alckmin, os senhores Arthur Lira (Progressistas – AL) e Rodrigo Pacheco (PSD – MG), respectivamente presidente da Câmara de Deputados e Senado, se converteram em companheiros. O processo eleitoral de ambos seguiu os ritos habituais: troca de cargos. A gestão Lula 3 reitera o fisiologismo e o cretinismo parlamentar. Por trás de uma retórica inflamada aos eleitores, o modus operandi nos bastidores se repete e perdura.

Por isso, não constitui surpresa que no caso da eleição de Lira para a Câmara dos Deputados tenha ocorrido um rendez-vous (tradução: regabofe) à altura do cretinismo parlamentar que acomete os partidos, tanto os da situação, como os da oposição (em alternância de poder). O jornal O Globo em sua edição de 28 de janeiro de 2023, página 8, informou que no dia 26 uma quinta feira a noite, em jantar para promover a eleição de Arthur Lira à presidência da Câmara compareceram, dentre outros comensais, os ministros petistas Luiz Marinho (Trabalho) e Paulo Teixeira (Desenvolvimento Agrário);  o governador de São Paulo Tarcísio Freitas (Republicanos); e os seguintes deputados federais, pelo PSOL – SP Guilherme Boulos e Erika Hilton; pelo Republicanos – SP o também Bispo da Igreja Universal do Reino de Deus Marcos Pereira, pelo PT – RS Maria do Rosário, a cônjuge do senador Sérgio Moro a deputada pelo União de SP Rosângela Moro e o filho de Jair Bolsonaro o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL – SP).

Interessa-nos, todavia, a pauta econômica inicial da nova legislatura. No Congresso Nacional a equipe econômica pretende pautar a reforma tributária. Embora exista várias propostas na mesa de ambas as casas legislativas, há expectativa de qual deles será abraçado pelo governo.  No entanto, com base em declarações à imprensa tanto do presidente da Câmara dos deputados, como da equipe econômica, a prioridade é iniciar por uma ampla e radical reformulação dos impostos que incidem sobre o consumo. Aqueles que incidem sobre a renda e a propriedade ficariam para depois. Ou seja, o que poderia favorecer os trabalhadores fica para depois. A urgência em alterar o caráter regressivo da nossa política tributária (quem ganha menos acaba pagando mais imposto) fica adiada. 

Por esse motivo existe um consenso entre as elites por onde começar a reforma. O governo dessa forma irá contrariar os interesses populares. A reformulação das bases de arrecadação dos impostos no Brasil deveria ser iniciada pela renda e propriedade. Exatamente onde os desfavorecidos são mais prejudicados. Três medidas podem e devem ser encaminhadas: a regulamentação do imposto sobre grandes fortunas, a revogação da isenção nos lucros e dividendos e o voto de qualidade no CARF.

 

GRANDES FORTUNAS

 

Os trabalhadores não podem se deixar contaminar pelo cinismo e desfaçatez dos parlamentares, ministros e demais representantes do capital. O imposto sobre grandes fortunas não demanda votação ou debate. Já está aprovado, é lei constitucional. Como está prescrito pela Constituição Federal artigo 153 inciso VII, aqui citado em sequência: “Compete à União instituir impostos sobre grandes fortunas, nos termos de lei complementar”. Consequentemente cumpre de modo simples regulamentar a lei. Dada uma terceira oportunidade a Lula e uma quinta ao PT, que eles não se façam de rogados e, ao contrário dos mandatos anteriores, promovam a regulamentação da lei e mobilizem por sua aprovação.  

 

LUCROS E DIVIDENDOS

 

Fernando Henrique Cardoso em seu primeiro mandato isentou de imposto de renda os lucros e dividendos em uma lei geral que trata de outros assuntos. Desnecessário perder tempo com nova legislação. Um passo inicial e simples é revogar o artigo 10º da Lei 9.249, de 26 de  dezembro de 1995 que altera a legislação do imposto de renda das pessoas jurídicas, bem como da contribuição social sobre o lucro líquido, e dá outras providências: “Os lucros ou dividendos calculados com base nos resultados apurados a partir do mês de janeiro de 1996, pagos ou creditados pelas pessoas jurídicas tributadas com base no lucro real, presumido ou arbitrado, não ficarão sujeitos à incidência do imposto de renda na fonte, nem integrarão a base de cálculo do imposto de renda do beneficiário, pessoa física ou jurídica, domiciliado no País ou no exterior”. A manutenção desse dispositivo lesa os cofres públicos. Sua revogação deve ser encampada pelo movimento popular e contra a vontade de uma maioria de deputados e senadores impor uma vitória aos interesses populares.   

 

CARF

 

A Medida Provisória 1.160, de 2023, cuja ementa: “Dispõe sobre a proclamação do resultado do julgamento, na hipótese de empate na votação no âmbito do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, e sobre a conformidade tributária no âmbito da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil do Ministério da Fazenda e altera a Lei nº 13.988, de 14 de abril de 2020, para dispor sobre o contencioso administrativo fiscal de baixa complexidade.”. Nem reforma, nem extingui o CARF (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais). Diante disso nos resta defender sua aprovação apesar da timidez com que trata do problema crônico da sonegação de impostos. O montante é assustador até junho de 2022, as dívidas no Conselho chegavam a R$1 trilhão, que somados aos R$216 bilhões em litígio nas Delegacias de Julgamento da Receita Federal chegam ao total de R$ 1,216 trilhão. Só nos dois anos que antecederam a mudança sobre o voto de qualidade (voto de minerva do presidente do Conselho, um auditor fiscal), 2018 e 2019, foram arrecadados R$ 142,15 bilhões.  Prova de que dinheiro há e muito. O Conselho é controlado pelas confederações empresariais que indicam metade dos julgadores, a outra metade é composta por auditores. No entanto, quando o governo perde, a decisão possui caráter terminativo, quando os empresários perdem podem recorrer ao Judiciário. Entre a disputa nos órgãos da Receita Federal e no Judiciário o tempo médio é superior a 15 anos. Tal o descalabro em sua permanência e rotina de atuação que não somos os únicos a denunciar a existência do órgão e propor seu fim: “O CARF controlado pelas corporações empresariais não é uma instituição republicana! É um esbulho patrimonialista com raízes nas oligarquias do Império. Pelo fim imediato do CARF! (cf. Ricardo Fagundes da Silveira – Auditor Fiscal da Receita Federal e Membro do Conselho Deliberativo do Instituto Justiça Fiscal e Wilson Luiz Müller – Integrante do Coletivo Auditores Fiscais pela Democratização – AFD https://jornalggn.com.br/crise/carf-o-estouro-da-maior-boiada-de-bolsonaro/ )

Os trabalhadores não têm a oportunidade de recusar pagamento ou questioná-lo pois são tributados na fonte ou no momento do consumo. O mesmo deve ocorrer com a patronal.  Se houvesse honestidade entre os grandes empresários, a proposta de retomada do voto de qualidade no CARF não teria sido repudiada. E ao Ministro da Fazenda não deveria ser dada agenda para que sonegadores fossem recebidos presencialmente como ocorreu dia 1º de fevereiro. O objetivo dos sonegadores é barrar a medida, que por ser provisória, depende de aprovação do Congresso. Os R$ 50 bilhões previstos podem virar pó. Compete aos gestores governamentais não negociar nenhum acordo e fazer valer o interesse popular, executar as dívidas que alcançam a cifra de R$ 1,216 trilhão e destinar o recurso para o bem-estar social. O Congresso deve votar a medida provisória como ela foi elaborada.

 

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