23/03/23

 

O BRASIL E O MERCADO CHINÊS

 

Lula estará na China de 26 a 31 de março. Irá  à economia que mais cresce no mundo e rivaliza com os Estados Unidos, que se encontra em franco declínio. Porém, as relações de dependência semicolonial do Brasil com os EUA dificultam um maior enlace estratégico. Nesse aspecto, estamos nos referindo ao fato de que reservadamente Lula e Xi Jinping deverão discutir o futuro do BRICS e o que seria a medida política e econômica mais significativa desse agrupamento – a adoção de uma moeda comum entre seus membros.

De 2008 (ano referência em função da grande crise bancária iniciada nos EUA mas que contaminou toda a econômica global) a 2022, portanto por 15 anos consecutivos, o PIB chinês cresceu acima do PIB estadunidense (veja tabela abaixo). Em função da crise de 2008 todas as economias do G7 mais a brasileira tiveram uma retração de seu PIB, em 2020 dada a pandemia em todos eles também houve retração do PIB. Nesses dois anos a exceção foi a China que teve uma diminuição de  seu PIB mas onde não houve retração, vejam tabela. Analisando o PIB das economias centrais é  possível constatar que há uma crise e perda de vantagens das economias do G7 que em 1975, ano da primeira reunião do grupo forneciam 80% do produto interno bruto mundial, mas que hoje respondem por 40%.

Evolução do PIB  China, G7 e Brasil     2008 - 2022

 

CHINA

EUA

ALEMANHA

REINO UNIDO

FRANÇA

JAPÃO

ITÁLIA

CANADÁ

BRASIL

2022

3,00%

2,10%

1,80%

4,00%

2,60%

1,10%

3,70%

3,40%

2,90%

2021

8,10%

5,90%

2,60%

7,60%

6,80%

2,10%

7,00%

5,00%

4,60%

2020

2,20%

-2,80%

-3,70%

-11,00%

-7,80%

-4,30%

-9,00%

-5,10%

-3,90%

2019

6,10%

2,30%

0,60%

1,40%

1,80%

-0,40%

0,50%

1,90%

1,20%

2018

6,70%

2,90%

1,00%

1,30%

1,90%

0,60%

0,90%

2,80%

-1,30%

2017

6,90%

2,20%

2,70%

1,70%

2,30%

1,70%

1,70%

3,00%

1,30%

2016

6,80%

1,70%

2,20%

1,70%

1,10%

0,80%

1,30%

1,00%

-3,30%

2015

7,00%

2,70%

1,50%

2,40%

1,10%

1,60%

0,80%

0,70%

-3,50%

2014

7,40%

2,30%

2,20%

2,90%

1,00%

0,30%

0%

2,90%

0,50%

2013

7,80%

1,80%

0,40%

2,20%

0,60%

1,60%

-1,80%

2,30%

3,00%

2012

7,90%

2,30%

0,40%

1,40%

0,30%

1,40%

-3,00%

1,80%

1,90%

2011

9,60%

1,50%

3,90%

1,30%

2,20%

-0,50%

0,70%

3,10%

4,00%

2010

10,60%

2,70%

4,20%

2,10%

1,90%

4,70%

1,70%

3,10%

7,50%

2009

9,40%

-2,60%

-5,70%

-4,10%

-2,90%

-5,50%

-5,30%

-2,90%

-0,10%

2008

9,70%

0,10%

1,00%

-0,30%

0,30%

-1,00%

-1,00%

1,00%

5,10%

fonte: countryeconomy.com 

 

A rapidez com que a China reagiu ao coronavírus e o fato de seu PIB  ter crescido em 2020 aumentou a vontade dos EUA de criar uma aliança anti-China promovendo campanhas chauvinistas.  Por outro lado, a pandemia evidenciou a dependência do mundo em relação à China, desde bugigangas até insumo farmacêutico ativo (IFA), passando por matéria prima industrial básica a máquinas e ferramentas. Economias em diversos pontos do planeta ficaram esperando pelo embarque e desembarque de produtos chineses.

A ascensão chinesa é uma ameaça, não só econômica, mas de segurança nacional contra seus rivais ao dominar tecnologias de ponta como inteligência artificial, robótica, automação, biotecnologia, veículos autônomos e internet de quinta geração (5G) que possui amplo espectro de uso militar, haja vista que uma futura guerra não será com soldados, será com robôs e drones (vide a guerra por procuração da OTAN contra a Rússia). A gestão Biden dá continuidade à política de Trump, ambos possuem o mesmo objetivo de tentar reerguer a economia dos EUA, com a única diferença do tom de voz e da polidez, porém com as mesmas promessas belicistas.

O marco que define o atual contexto mundial deriva do fim do breve século XX, cujo fato terminal foi a queda do muro de Berlim em novembro de 1989 e o colapso da União Soviética em 1991. Relacionado à China o evento foi outro: quando em junho de 1989, com volumosa presença de forças militares se promoveu o que ficou conhecido como massacre da Paz Celestial em Pequim, uma das cenas antológicas do século XX. Nessa ocasião o capital se convenceu de que os chineses poderiam ser sócios no mercado mundial.

O desafio, não só dos EUA, mas das principais economias capitalistas será intenso. De uma participação de 4% no PIB mundial em 1990, a China em 2020 chegou a 16,4%, um crescimento de 400% em 30 anos. Em termos comparativos, no ano de 2020, os EUA detinham 23% e o Brasil 1,6% de participação no PIB mundial. Nesse intervalo a China investiu em infraestrutura interna, recebeu em transferência pesquisa e desenvolvimento de produtos e criou novas tecnologias, cujo exemplo mais evidente é a internet de quinta geração (5G).

Esse avantajado crescimento impressiona ao ponto de alguns economistas já anteciparem que este será o século da China. O que nos parece, por ora, um pouco precipitado. Apesar do grande entusiasmo com a economia chinesa, os EUA continuam sendo a principal economia do planeta e o dólar segue inabalável como moeda de reserva internacional. Neste consórcio, que é o mercado mundial, as reservas internacionais chinesas estão na casa de US$ 3 trilhões e as do Brasil, em torno de US $ 324,7 bilhões; em ambos os casos, basicamente títulos do tesouro estadunidense. A substituição do dólar pela moeda chinesa pode acontecer, mas por enquanto como hipótese. Em perspectiva histórica isso é possível da mesma forma que no século XVI a moeda mundial era a espanhola, no século XVII, a holandesa, no XVIII foi a vez da moeda francesa, no XIX, a libra inglesa e no XX, o dólar. Se este for século chinês, será a vez do yuan/renminbi ocupar o papel de moeda reserva. Reservadamente Lula e Xi Jinping deverão discutir o futuro do BRICS e o que seria a medida política e econômica mais significativa desse agrupamento – a adoção de uma moeda comum entre os membros do grupo.

Um capítulo anedótico da disputa dos EUA, secundado pela União Europeia, contra a China é o caso do meio ambiente no Brasil, a Amazônia e a mata atlântica. O agronegócio exporta 80% da soja brasileira para a China. Uma das formas de prejudicar a nação asiática é limitar e encarecer a ração alimentar de seus rebanhos. Daí a preocupação de Biden com a preservação da natureza brasileira, além de outros interesses. É puro cinismo compartilhado com o cinismo do politicamente correto. Óbvio que opinamos em defesa de nossa floresta, a questão é a crença ingênua em uma boa índole por parte dos EUA.

Para se contrapor ao projeto chinês de uma nova rota da seda, com investimento externo de US$ 8 trilhões que, em mão dupla, na ida abasteceria de fontes e matéria prima a economia do país e na volta escoaria sua produção, os EUA estão oferecendo crédito de US$ 40 trilhões em 15 anos para países emergentes e de baixa renda aplicarem em projetos de infraestrutura. Um dos focos estadunidenses é impedir o acordo Nicarágua – China de Cooperação Marítima do Século XXI no âmbito das Novas Rotas da Seda (BRI), que visa construir um canal paralelo ao do Panamá, ligando o Atlântico ao Pacífico.

Dos dois lados – EUA e China – a retórica é inflamada, contudo a realidade é distinta das aparências. Por enquanto o  cenário não é de conflito entre os dois países, mas de rivalidade entre monopólios gigantescos (por exemplo Amazon versus Alibaba). A economia mundial em seu atual estágio apresenta-se entrelaçada como os nós de um bordado. Ao se tentar desfazer de um de seus nós, todo o tecido se desfia. Consequentemente, imaginar que as cadeias de abastecimento e produção deixarão de ser globais para tornarem-se regionais não será uma passagem tranquila. Medidas protecionistas, o que alguns denominam de desglobalização ou desacoplamento, elevarão os custos e com eles crises mais agudas eclodirão. Em vista disso, a contradição não se localiza no enfrentamento entre dois estados soberanos (EUA x China) mas no choque entre os distintos capitais (bancário, comercial, industrial) e seus respectivos monopólios.

Se existe um destino manifesto na história dos EUA é o de provocar guerras, sejam convencionais sejam híbridas. Além da Rússia o próximo alvo poderá ser a China. O novo cenário difere da Guerra Fria iniciada em 1947 com a Doutrina Truman de combate à União Soviética, pois não se trata da competição entre dois blocos distintos, capitalismo versus comunismo, mas da formação de blocos econômicos rivais em disputa por capital. A China promete se defender e para isso pode estabelecer uma aliança estreita com a Rússia. Ironicamente os EUA não combatem a China por exportar a ideologia comunista, mas por rivalizar no domínio da economia capitalista.

 


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