O
GATILHO DA INFLAÇÃO
Na terça-feira, dia 28 de
fevereiro, após anuência do presidente Lula, o Ministério da Fazenda anunciou a
reoneração parcial de R$ 0,34 de tributos na gasolina e de R$ 0,02 no etanol.
Pode parecer insignificante, no entanto, é sobre cada litro cujo efeito cascata
acumula um repasse sobre cada etapa ou momento da atividade econômica. O
objetivo declarado é garantir uma arrecadação adicional de R$ 28,8 bilhões.
É notório que foi um erro
do governo ter cedido ao mercado financeiro e aos especuladores elevando o
preço da gasolina e do etanol. Toda a cadeia produtiva da economia será
impactada e será inevitável o repasse dos reajustes ao preço final. Mais uma
vez, trabalhadores sofrerão com a redução do seu poder de compra e essa é mais
uma desvalorização salarial.
Na entrevista coletiva em
que comunicou as novas medidas, o ministro Haddad apresentou três
justificativas: a fiscal, para reduzir o déficit no final do ano; a ambiental, ao
taxar combustível fóssil; e a social, para evitar aumento sobre produtos com
peso no consumo. Essa última justificativa é incompreensível, pois não há como refutar
que subir o preço de um bem tão essencial como a gasolina e o etanol produz
impactos negativos.
O atual governo,
pressionado pelos agentes econômicos do capital, inicia reversão das
providências do governo anterior que, em junho de 2022, por meios de três instrumentos
jurídicos (Lei Complementar 192, Lei Complementar 194 e Lei 14.385), adotou
medidas tributárias, reduzindo impostos federais e alíquotas sobre
combustíveis, energia elétrica e telecomunicações, cujo resultado foi a
deflação da gasolina em 25,78%, do etanol em 25,42%, da energia elétrica em
19,01%, do plano de telefonia móvel em 3,28 e do acesso à internet em 12,09%
(vide tabela 1). Em relação à energia elétrica, contribuíram para a redução a
restituição de cobranças indevidas e a normalização das bandeiras tarifárias.
TABELA 1 - IPCA - Variação acumulada em 12 meses (%) |
|
Índice geral |
5,79 |
Alimentação no
domicílio |
13,23 |
Combustíveis e
energia |
-12,89 |
Gás de botijão |
6,27 |
Gás encanado |
16,58 |
Energia elétrica
residencial |
-19,01 |
Gasolina |
-25,78 |
Etanol |
-25,42 |
Óleo diesel |
22,87 |
Gás veicular |
10,25 |
Produtos
farmacêuticos |
13,52 |
Plano de telefonia
móvel |
-3,28 |
Acesso à internet |
-12,09 |
Fonte: IBGE -
Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo |
|
Ao observarmos a tabela 2,
é nítido que, se tais medidas não tivessem sido adotadas, a inflação em 2022
seria o dobro. Com isso, fica claro que o Estado possui meios de conter os
processos inflacionários e que a subida permanente e incontrolada dos preços
resulta de medidas propositais e intencionais. A inflação é o principal meio de
desvalorização salarial, mês a mês, portanto, interessa aos trabalhadores
manter seu poder de compra. Porém, o governo, atendendo às pressões da
plutocracia de nossas elites ao disparar o gatilho inflacionário, prejudica os
trabalhadores.
TABELA 2 - Variação do IPCA em 2022 |
||
Mês de referência |
IPCA no mês |
Acumulado 12 meses |
janeiro |
0,54% |
10,38% |
fevereiro |
1,01% |
10,54% |
março |
1,62% |
11,30% |
abril |
1,06% |
12,13% |
maio |
0,47% |
11,73% |
junho |
0,67% |
11,89% |
julho |
-0,68% |
10,07% |
agosto |
-0,32% |
8,73% |
setembro |
-0,29% |
7,17% |
outubro |
0,59% |
6,47% |
novembro |
0,41% |
5,90% |
dezembro |
0,62% |
5,79% |
Como forma de amenizar os
aumentos, o ministro ressaltou que o governo está preocupado com a condição
econômica dos “pobres”. Nesse sentido, propagandear que o salário-mínimo foi
reajustado acima da inflação é falacioso, já que isso pode ser verdadeiro e
falso. É verdade que o salário-mínimo foi reajustado em 7,42%, 1,63 % acima do IPCA, que foi 5,79% em 2022, porém,
esse é o índice geral. De acordo com o IBGE, a inflação dos alimentos foi de
13,23% no ano de 2022. Comida é o principal item de consumo dos trabalhadores,
portanto o reajuste do salário-mínimo está defasado em 5,81% nesse quesito. Ou
seja, fica evidente que dados estatísticos podem ser manipulados a bel-prazer.
Na grande mídia
corporativa, circulou o argumento de que “pobre não tem carro” e de que
“é bom lembrar que os mais pobres não estão nem aí para os preços da
gasolina nas bombas”. A
justificativa é racista (visto que definir indivíduos superiores e inferiores é
uma forma explícita de racismo); é mentira que pessoas pobres não têm carro, muitos
possuem carros populares usados e necessitam deles para trabalhar, embute a
ideia de que o pobre não deve ter acesso à compra de um carro, de que o pobre
não possui condições e capacidade para comprar um carro, de que o carro,
símbolo de status e poder, é exclusivo das classes médias e altas e que
não deve ser compartilhado, por ser de exclusividade das elites.
Com argumento ecológico
de desestimular o uso de combustível fóssil, o governo Lula 3 cede aos
interesses do “mercado”. Seria grotesco acreditar que a preocupação dos agentes
financeiros e do governo é com o meio ambiente. Essa é uma falsa desculpa. Com
a medida, o governo garante aos rentistas uma segurança maior na remuneração
dos papéis da dívida pública. As metas de descarbonização estão em função dos
interesses de acumulação do capital e não da preservação da natureza. Há,
porém, uma grande campanha publicitária sobre o tema, a fim de convencer a
sociedade de que o bem-estar e a sobrevivência na Terra estão ameaçados e que,
portanto, medidas emergenciais são necessárias. Isso demonstra que, com
justificativas ambientais, de políticas verde e de sustentabilidade, adotam-se
medidas reacionárias que se voltam contra o interesse dos mais desfavorecidos.
Lembramos que, na França, houve um movimento popular denominado “coletes
amarelos”, iniciado em outubro de 2018, por ocasião da instituição de um imposto
sobre os combustíveis fósseis para financiar a descarbonização energética e a
transição para uma “economia verde”.
Em suas declarações, o Ministro
da Fazenda tem reiterado que a prioridade econômica do governo é a recomposição
orçamentária, tanto do ponto de vista da despesa como da receita. Isso
significa continuar promovendo um arrocho nos gastos sociais. Quanto aos
descontos nos preços da gasolina e do etanol: hoje, eles estão em vigor,
contudo, amanhã, eles poderão ser suspensos e os preços escalarem uma subida
ainda maior. Passado o impacto inicial e maléfico do anúncio da majoração dos
preços, a realidade poderá ser modificada.
A situação continua dura
e chocante para os trabalhadores. O salário-mínimo terá um aumento de R$ 18,00,
passando de R$ 1.302,00 para R$1.320,00, somente a partir de maio. Para o
Dieese, a remuneração salarial mensal de um trabalhador hoje deveria ser de R$
6.641,58. Em São Paulo, o valor da cesta básica para um adulto se sustentar por
um mês foi de R$ 790, 00 em janeiro de 2023, enquanto o valor mensal do Bolsa
Família não passa de R$ 600,00. A tabela do imposto de renda foi reajustada
para isentar quem ganha até R$ 2.640,00 (dois salários-mínimos) quando deveria
ser cumprida promessa eleitoral de isentar até R$ 5.000,00. Os gastos com o
salário-mínimo e a atualização da tabela do imposto de renda estão estimados em
R$ 8,2 bilhões e são duramente criticados pelo dito “mercado”.
Enquanto isso, em 2 de
março de 2023, um dia após o anúncio do aumento dos preços dos combustíveis, a
Petrobras divulgou dados de seu balanço contábil: no último trimestre do ano
passado, o lucro líquido foi de R$ 43,3 bilhões e aos acionistas serão
distribuídos R$ 35,8 bilhões em dividendos. Em 2022, o total de lucro líquido
alcançou a cifra de R$ 188,32 bilhões, o maior da história do Brasil.
As conclusões são
categóricas: para garantir o preço da gasolina, do gás de cozinha, do diesel e dos
demais derivados do petróleo, o governo deve abandonar a política de preços de
paridade de importação (PPI), que leva em consideração a cotação do barril de
petróleo no mercado internacional, reverter a privatização de refinarias e das
antigas subsidiárias da Petrobrás e assegurar uma Petrobrás 100% estatal para
garantir que todo seu lucro seja revertido aos interesses populares.