07/03/23

 

 

O GATILHO DA INFLAÇÃO

 

Na terça-feira, dia 28 de fevereiro, após anuência do presidente Lula, o Ministério da Fazenda anunciou a reoneração parcial de R$ 0,34 de tributos na gasolina e de R$ 0,02 no etanol. Pode parecer insignificante, no entanto, é sobre cada litro cujo efeito cascata acumula um repasse sobre cada etapa ou momento da atividade econômica. O objetivo declarado é garantir uma arrecadação adicional de R$ 28,8 bilhões.

É notório que foi um erro do governo ter cedido ao mercado financeiro e aos especuladores elevando o preço da gasolina e do etanol. Toda a cadeia produtiva da economia será impactada e será inevitável o repasse dos reajustes ao preço final. Mais uma vez, trabalhadores sofrerão com a redução do seu poder de compra e essa é mais uma desvalorização salarial.

Na entrevista coletiva em que comunicou as novas medidas, o ministro Haddad apresentou três justificativas: a fiscal, para reduzir o déficit no final do ano; a ambiental, ao taxar combustível fóssil; e a social, para evitar aumento sobre produtos com peso no consumo. Essa última justificativa é incompreensível, pois não há como refutar que subir o preço de um bem tão essencial como a gasolina e o etanol produz impactos negativos.

O atual governo, pressionado pelos agentes econômicos do capital, inicia reversão das providências do governo anterior que, em junho de 2022, por meios de três instrumentos jurídicos (Lei Complementar 192, Lei Complementar 194 e Lei 14.385), adotou medidas tributárias, reduzindo impostos federais e alíquotas sobre combustíveis, energia elétrica e telecomunicações, cujo resultado foi a deflação da gasolina em 25,78%, do etanol em 25,42%, da energia elétrica em 19,01%, do plano de telefonia móvel em 3,28 e do acesso à internet em 12,09% (vide tabela 1). Em relação à energia elétrica, contribuíram para a redução a restituição de cobranças indevidas e a normalização das bandeiras tarifárias.

 

TABELA 1 - IPCA - Variação acumulada em 12 meses (%)

Índice geral

5,79

Alimentação no domicílio

13,23

Combustíveis e energia

-12,89

Gás de botijão

6,27

Gás encanado

16,58

Energia elétrica residencial

-19,01

Gasolina

-25,78

Etanol

-25,42

Óleo diesel

22,87

Gás veicular

10,25

Produtos farmacêuticos

13,52

Plano de telefonia móvel

-3,28

Acesso à internet

-12,09

Fonte: IBGE - Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo

  

Ao observarmos a tabela 2, é nítido que, se tais medidas não tivessem sido adotadas, a inflação em 2022 seria o dobro. Com isso, fica claro que o Estado possui meios de conter os processos inflacionários e que a subida permanente e incontrolada dos preços resulta de medidas propositais e intencionais. A inflação é o principal meio de desvalorização salarial, mês a mês, portanto, interessa aos trabalhadores manter seu poder de compra. Porém, o governo, atendendo às pressões da plutocracia de nossas elites ao disparar o gatilho inflacionário, prejudica os trabalhadores.

 

TABELA 2 - Variação do IPCA em 2022

Mês de referência

IPCA no mês

Acumulado 12 meses

janeiro

0,54%

10,38%

fevereiro

1,01%

10,54%

março

1,62%

11,30%

abril

1,06%

12,13%

maio

0,47%

11,73%

junho

0,67%

11,89%

julho

-0,68%

10,07%

agosto

-0,32%

8,73%

setembro

-0,29%

7,17%

outubro

0,59%

6,47%

novembro

0,41%

5,90%

dezembro

0,62%

5,79%

  

Como forma de amenizar os aumentos, o ministro ressaltou que o governo está preocupado com a condição econômica dos “pobres”. Nesse sentido, propagandear que o salário-mínimo foi reajustado acima da inflação é falacioso, já que isso pode ser verdadeiro e falso. É verdade que o salário-mínimo foi reajustado em 7,42%, 1,63 % acima do IPCA, que foi 5,79% em 2022, porém, esse é o índice geral. De acordo com o IBGE, a inflação dos alimentos foi de 13,23% no ano de 2022. Comida é o principal item de consumo dos trabalhadores, portanto o reajuste do salário-mínimo está defasado em 5,81% nesse quesito. Ou seja, fica evidente que dados estatísticos podem ser manipulados a bel-prazer.

Na grande mídia corporativa, circulou o argumento de que “pobre não tem carro” e de que “é bom lembrar que os mais pobres não estão nem aí para os preços da gasolina nas bombas”.  A justificativa é racista (visto que definir indivíduos superiores e inferiores é uma forma explícita de racismo); é mentira que pessoas pobres não têm carro, muitos possuem carros populares usados e necessitam deles para trabalhar, embute a ideia de que o pobre não deve ter acesso à compra de um carro, de que o pobre não possui condições e capacidade para comprar um carro, de que o carro, símbolo de status e poder, é exclusivo das classes médias e altas e que não deve ser compartilhado, por ser de exclusividade das elites. 

Com argumento ecológico de desestimular o uso de combustível fóssil, o governo Lula 3 cede aos interesses do “mercado”. Seria grotesco acreditar que a preocupação dos agentes financeiros e do governo é com o meio ambiente. Essa é uma falsa desculpa. Com a medida, o governo garante aos rentistas uma segurança maior na remuneração dos papéis da dívida pública. As metas de descarbonização estão em função dos interesses de acumulação do capital e não da preservação da natureza. Há, porém, uma grande campanha publicitária sobre o tema, a fim de convencer a sociedade de que o bem-estar e a sobrevivência na Terra estão ameaçados e que, portanto, medidas emergenciais são necessárias. Isso demonstra que, com justificativas ambientais, de políticas verde e de sustentabilidade, adotam-se medidas reacionárias que se voltam contra o interesse dos mais desfavorecidos. Lembramos que, na França, houve um movimento popular denominado “coletes amarelos”, iniciado em outubro de 2018, por ocasião da instituição de um imposto sobre os combustíveis fósseis para financiar a descarbonização energética e a transição para uma “economia verde”.

Em suas declarações, o Ministro da Fazenda tem reiterado que a prioridade econômica do governo é a recomposição orçamentária, tanto do ponto de vista da despesa como da receita. Isso significa continuar promovendo um arrocho nos gastos sociais. Quanto aos descontos nos preços da gasolina e do etanol: hoje, eles estão em vigor, contudo, amanhã, eles poderão ser suspensos e os preços escalarem uma subida ainda maior. Passado o impacto inicial e maléfico do anúncio da majoração dos preços, a realidade poderá ser modificada.

A situação continua dura e chocante para os trabalhadores. O salário-mínimo terá um aumento de R$ 18,00, passando de R$ 1.302,00 para R$1.320,00, somente a partir de maio. Para o Dieese, a remuneração salarial mensal de um trabalhador hoje deveria ser de R$ 6.641,58. Em São Paulo, o valor da cesta básica para um adulto se sustentar por um mês foi de R$ 790, 00 em janeiro de 2023, enquanto o valor mensal do Bolsa Família não passa de R$ 600,00. A tabela do imposto de renda foi reajustada para isentar quem ganha até R$ 2.640,00 (dois salários-mínimos) quando deveria ser cumprida promessa eleitoral de isentar até R$ 5.000,00. Os gastos com o salário-mínimo e a atualização da tabela do imposto de renda estão estimados em R$ 8,2 bilhões e são duramente criticados pelo dito “mercado”.

Enquanto isso, em 2 de março de 2023, um dia após o anúncio do aumento dos preços dos combustíveis, a Petrobras divulgou dados de seu balanço contábil: no último trimestre do ano passado, o lucro líquido foi de R$ 43,3 bilhões e aos acionistas serão distribuídos R$ 35,8 bilhões em dividendos. Em 2022, o total de lucro líquido alcançou a cifra de R$ 188,32 bilhões, o maior da história do Brasil.

As conclusões são categóricas: para garantir o preço da gasolina, do gás de cozinha, do diesel e dos demais derivados do petróleo, o governo deve abandonar a política de preços de paridade de importação (PPI), que leva em consideração a cotação do barril de petróleo no mercado internacional, reverter a privatização de refinarias e das antigas subsidiárias da Petrobrás e assegurar uma Petrobrás 100% estatal para garantir que todo seu lucro seja revertido aos interesses populares.

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