07/07/23

 

JUROS TIRÂNICOS III


No dia 27 de junho de 2023 o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central do Brasil divulgou a ata de sua 255ª reunião ocorrida dias 20 e 21. Ela está dividida em quatro partes. Na primeira “A) atualização da conjuntura econômica e do cenário do Copom” inicia por destacar que o ambiente externo segue adverso. O que não é novidade pois repete o que já havia apontado anteriormente. Contudo omite um dos aspectos centrais da economia mundial que é a instabilidade financeira dos EUA. Se ao final de maio o Congresso dos EUA não tivesse votado em ritmo urgente a suspensão do teto da dívida pública até 1º de janeiro de 2025 o mundo assistiria a uma pane geral, pois eles não teriam como girar sua economia. Caso essa fosse a realidade de qualquer outro país “emergente”, como o Brasil ou Argentina, a imprensa global estaria praticando seu habitual terrorismo de fim do mundo, mas como se trata dos EUA há um embargo geral de reportagens sobre o assunto. O problema da dívida pública no Brasil também é acobertado, ela é a questão central de nossa economia e o pano de fundo dos juros da taxa Selic. Tanto o governo Lula 3 como a serviçal grande imprensa escondem que a remuneração da dívida pública escoa recursos das áreas sociais e investimentos públicos. De acordo com nota para a imprensa de 30 de junho de 2023 o BC informou no documento “Estatísticas Fiscais” que só no mês de maio foram pagos de juros aos especuladores a soma de R$69,1 bilhões.

Na segunda parte intitulada “B) Cenários e análise de riscos” faz um apelo à “serenidade e paciência” o que significa aceitar que o rentismo prossiga acumulando riqueza ao ponto de fechar o ano com balanço de ganhos acima da inflação. Fez uso de uma linguagem de natureza incerta ao reconhecer que o comportamento do processo inflacionário presente e futuro depende de expectativas, que podem ser verdadeiras ou falsas. “O Comitê segue avaliando que expectativas desancoradas elevam o custo de trazer a inflação de volta à meta”. 

Ao afirmar que inexiste relação entre a baixa da inflação e a aprovação do Novo Arcabouço Fiscal não só frustra o ministro da Fazenda como despreza todo o esforço governamental de reformulação do teto de gastos. Na visão dos membros do Comitê está embutida avaliação de que apesar da aprovação do teto de gastos na gestão Temer em dezembro de 2016, implementado a partir do ano seguinte, a inflação flutuou de modo independente. Portanto, pode-se concluir que o novo teto de gastos da gestão Lula/Haddad seria desnecessário, como instrumento de contenção da inflação, e deveria ser revogado ao invés de aperfeiçoado “O Copom novamente enfatizou que não há relação mecânica entre a convergência de inflação e a aprovação do arcabouço fiscal, uma vez que a trajetória de inflação segue condicional à reação das expectativas de inflação e das condições financeiras.”

A visão petista de desenvolvimento com bem-estar pressupõe que os juros possuem efeito direto sobre o crédito e a atividade econômica. O que pode ser verdade a depender de inúmeras outras variáveis. Quanto mais caro o dinheiro maior a inibição de investimentos e por extensão o crescimento econômico. Essa, porém não é a prioridade do mercado e da classe empresarial.

Na parte seguinte: “C) Discussão sobre a condução da política monetária” flerta com o governo ao relatar divergência no Comitê sobre recuo da taxa Selic. De acordo com a ata predominou na reunião a visão de que há um processo desinflacionário que poderia dar início à queda dos juros. Houve contraposição a essa opinião ao se questionar as bases econômicas de confluência da inflação para sua meta. Apesar da diferença de opinião: “(...) os membros do Comitê foram unânimes em concordar que os passos futuros da política monetária dependerão da evolução da dinâmica inflacionária, em especial dos componentes mais sensíveis à política monetária e à atividade econômica, das expectativas de inflação, em particular as de maior prazo, de suas projeções de inflação, do hiato do produto e do balanço de riscos”. Ou melhor, mesmo dada publicidade a eventuais diferenças de opinião quanto ao momento de promover a queda da taxa Selic prevalece o consenso de que a baixa dos juros dependerá de condições favoráveis o que é muito relativo em se tratando das flutuações do mercado (que são mais imprevisíveis que a meteorologia).

Na última parte “D) Decisão de política monetária”, ainda que a grande mídia tenha enfatizado que o Copom poderá iniciar a redução dos juros em sua próxima reunião de agosto a ata encerrou seu relato com uma mensagem de inflexibilidade de sua política: “O Comitê reforça que irá perseverar até que se consolide não apenas o processo de desinflação como também a ancoragem das expectativas em torno de suas metas.”

A divulgação da ata foi precedida pela publicação dia 21 de junho de 2023 do Comunicado “255ª reunião Copom mantém a taxa Selic em 13,75% a.a.” Nele em três passagens fica clara a indisposição do banco em alterar sua rota, malgrado toda a pressão dos gestores do governo Lula 3. A expectativa do BC é prejudicial para os trabalhadores pois aponta em tom positivo que o Brasil “ (...) segue consistente com um cenário de desaceleração da economia nos próximos trimestres”. Campos Neto e a diretoria do BC atuam por jogar a economia do país na recessão, por aumentar o desemprego e por diminuir a renda dos trabalhadores. Em outra passagem do mesmo comunicado exercitam o cinismo ao afirmar que “(...) essa decisão também implica suavização das flutuações do nível de atividade econômica e fomento do pleno emprego”.  É, portanto, o reconhecimento de que a política monetária do BC é propositalmente recessiva. Para colocar a inflação na meta não possuem pudores em desaquecer o mercado de trabalho. Ao contrário do que os eunucos do mercado financeiro (a expressão é de autoria do velho Leonel Brizola) – os jornalistas econômicos da grande imprensa ao repercutirem a reunião omitiram que os agentes do mercado que dirigem o BC não possuem nenhuma intenção de alterar a rota dos juros, pois o comunicado reitera: “O Copom conduzirá a política monetária necessária para o cumprimento das metas e avalia que a estratégia de manutenção da taxa básica de juros por período prolongado tem se mostrado adequada para assegurar a convergência da inflação”.

Depois da reunião do comitê ocorreram dois fatos que se relacionam diretamente com a política monetária da gestão Lula 3. O primeiro foi a reunião do Conselho Monetário Nacional (CMN) dia 29 de junho de 2023, composto por apenas três membros, o ministro da Fazenda Fernando Haddad, a ministra do Planejamento Simone Tebet e o presidente do Banco Central Campos Neto. Em entrevista, terminado o encontro, foi anunciado que a meta da inflação deixará de ser aferida pelo ano calendário de janeiro a dezembro para ser contínua, o referencial será de 24 meses. A mudança entra em vigor a partir de janeiro de 2025 com intervalo de tolerância de 1,5%. Manteve a meta da inflação de 2023 em 3,25% ao ano e daí em diante 3% a.a. até que seja alterada. Em nossa leitura resulta como conclusão da reunião que o atual presidente do BC terá liberdade para definir a critério de mercado a taxa de juros, que não será demitido e que qualquer mudança substantiva só a partir de janeiro de 2025. O segundo fato: Haddad indicou Lula avalizou e Galípolo, um “ex” banqueiro, foi aprovado pelo Senado em 4 de julho de 2023, e em breve assumirá a diretoria de política monetária do Banco Central. Poderia ter sido um trabalhador, mas esse não é um governo de trabalhadores.

Há exatos 20 anos, em 2003, Lula, os petistas e os partidos satélites que compunham a base do governo reclamavam da herança maldita de FHC (expressão utilizada para se referir aos problemas herdados da gestão anterior). Essa era a justificativa para fora do governo (externa corporis na expressão em latim), para justificar ao cidadão que o governo gostaria de garantir o bem-estar mas não pode. Todavia, a verdade era outra, a condução da política econômica para dentro do governo Lula 1 (interna corporis, na expressão em latim) dava continuidade ao tripé econômico do Plano Real: meta inflacionária, superávit fiscal e câmbio flutuante, daí não cumprir suas promessas eleitorais. Palocci era o ministro da Fazenda e o ex-banqueiro e deputado federal eleito pelo PSDB de Goiás Henrique Meirelles era o presidente do Banco Central.  Passados 20 anos a gestão Lula 3 segue na mesma linha, atribui ao antecessor a culpa por não poder promover as transformações necessárias para a vida dos trabalhadores, mas atende as exigências da patronal. Essa política oferece riscos mais sérios e de consequências mais danosas que as vividas no período 2013 – 2016, das jornadas de junho ao impeachment de Dilma.

21/06/23

 

A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL E OS TRABALHADORES

 

Dia 22 de março de 2023 foi divulgada uma carta com assinatura de mais de mil nomes, dentre eles notáveis executivos das big tech,  pedindo a interrupção temporária nas pesquisas sobre inteligência artificial – IA. Com desculpas de preocupação com o uso inadequado e possíveis impactos negativos, os signatários causaram um certo alarme. Alegando riscos profundos à sociedade e à humanidade e que a IA causaria mudanças radicais na história da vida na terra, a carta pediu: “ (...) a todos os laboratórios de IA que parem imediatamente por pelo menos 6 meses o treinamento de sistemas de IA mais poderosos que o GPT-4. Essa pausa deve ser pública e verificável e incluir todos os principais atores. Se tal pausa não puder ser decretada rapidamente, os governos devem intervir e instituir uma moratória.”

Essa pausa não está em função de preocupações humanitárias, mas com disputas que envolvem interesses de ganho de capital e de domínio monopólico sobre a IA. Não podemos desprezar que capitalistas especulam nas bolsas de valores e notícias falsas e/ou verdadeiras são meios de promover a valorização e/ou desvalorização de ações. No início dos anos 1990, por ocasião do lançamento do projeto Genoma Humano de sequenciamento genético do DNA, a dimensão cientifica ficou secundarizada diante da corrida para a agiotagem financeira nas bolsas de valores com ações de empresas da área de biotecnologia. Sobre a IA circulam desde ideias  infantilizadas como a da lâmpada de Aladdin, que promoverá a felicidade, até catastrofismo de fim dos tempos. Vale lembrar que no início do projeto Genoma circularam notícias de fim das doenças a criação de monstros.

A chamada Revolução Industrial (iniciada na Inglaterra com a patente da máquina a vapor em 1769) abriu um período histórico, ainda não encerrado, de substituição progressiva do trabalho humano (braçal e intelectual) por máquinas. Porém, não é o único fenômeno material do processo: a substituição do braço pela máquina não está em função de gerar maior conforto ao operário, libertando-o dos ofícios mais penosos e desgastantes, mas está em função de elevar a produtividade do trabalhador e, assim ampliar os ganhos patronais. Esse segundo aspecto é o que está por trás da IA: ampliar a renda capitalista. 

A IA é uma máquina. Será limitada pelos conteúdos programados e banco de dados inseridos nela. Uma máquina jamais poderá interpretar um elemento novo, que esteja fora de sua memória. Algoritmos podem automatizar processos mentais e/ou comportamentais, mas somente daquilo que foi implantado na máquina, inclusive as eventuais respostas - atentar para o fato de que uma resposta não é sinônimo de coisa certa e menos ainda de solução, pois a resposta pode estar errada. Ao não possuir sentidos como os humanos as máquinas jamais terão condições de absorver os elementos da natureza - física e social - que possibilitam ao ser humano o questionamento da realidade e a formulação de proposições novas e resolutivas.

Ao mesmo tempo que os algoritmos poderão ser reprogramados em uma velocidade elevada estarão sempre formatados pelo que foi programado. A IA integra vários componentes físicos: crescente miniaturização eletrônica, ampliação do poder computacional (chips), memórias cada vez mais capazes e internet. A combinação desses elementos altamente potentes minimiza a capacidade individual do sujeito, mas não subtrai a inteligência como fator único e exclusivo dos seres humanos.

Um guindaste levanta toneladas. Um carro se move em uma velocidade inalcançável pelo homem. Um microscópio enxerga organismos invisíveis a olho nu. Um telescópio enxerga a uma distância que jamais será possível ao olho humano. Todos eles são artefatos criados pela humanidade. Comparar as limitações do ser humano com a capacidade dessas invenções é uma bestialidade. A ideia de substituição do ser humano pela IA vai na mesma linha de pensamentos imbecis, como comparar um atleta de levantamento de peso, um fisiculturista, com um guindaste.

A IA possui um amplo espectro de uso, e pode abarcar uma infinidade de atividades. A interface militar da IA potencializa em larga escala o impacto destrutivo dos artefatos bélicos. Num cenário onde as grandes potências pretendem manter à força seu poderio econômico e político, o uso da IA, bem como da energia nuclear, ameaça a sobrevivência de povos e civilizações. Contudo, a possibilidade de descontrole e imprevisibilidade de trajetória e detonação são riscos concretos na medida em que bombas e mísseis podem ter seus algoritmos reprogramados em um cenário inesperado e não previsto.  Uma defesa aérea programada com IA lança um míssil cujo alvo é móvel, e qual será a reprogramação do míssil quando o alvo escapar? Se ele possui livre e arbitrária autonomia para “decidir” o que fazer, poderá optar por retornar à sua base de lançamento. Isso significa que ele necessita de mecanismos de segurança que bloqueiem a possibilidade de retorno.  Exemplificar com ameaças militares talvez seja apelativo, mas e com uma receita de bolo? Se a programação não levar em consideração os ingredientes e a quantidade de produtos, e a boleira seguir cegamente a receita da máquina (em vez da receita da vovó), o resultado poderá ser um bolo que causará intoxicação alimentar, caso não se bloqueie a possibilidade de autogerenciamento do programa.

A IA resulta do trabalho humano, do dispêndio de cérebro, nervos, músculos e sentidos humanos. Porém essas relações estão encobertas pelo que podemos chamar de fetiche tecnológico, capaz de ocultar as propriedades sociais inerentes ao trabalho humano – o conjunto de relações que envolvem a vida humana em todas suas dimensões. Sob comando do livre mercado, ela ampliará o caos econômico e, sob uma direção planificada, poderá ser um meio para, por exemplo, reduzir a jornada de trabalho.

Uma descoberta científica ou invenção só é progressiva quando, além de eliminar ou suprimir dificuldades e sofrimentos humanos, contribui para emancipar e beneficiar a coletividade. Tecnologias a serviço de uma minoria social são regressivas. Um novo mundo vai conservar as conquistas materiais, produto da história, suprimirá as relações sociais de exploração e conservará as conquistas mecânicas e técnicas que facilitarão o trabalho, conserva as heranças do passado expressando o acúmulo de conquistas pretéritas. Uma revolução científica ou social não somente destrói as correntes de opressão e ignorância, mas incorpora as conquistas e avanços de uma época. O progresso da ciência seria impossível sem essa tradição de heranças da qual a inteligência artificial será uma delas, a ser posta em proveito de uma nova sociedade, pautada pela cooperação de trabalhadores, ao invés da competição. Máquinas podem destruir civilizações, jamais construí-las. Essa competência é exclusivamente humana.

02/06/23

 

                                 

                                    PIB A DESCOBERTO

 

É natural que governo e especuladores estejam tomados de euforia diante do anúncio do PIB do primeiro trimestre de 2023. Ambos vivem de ilusões. Para se entender os 1,9% de crescimento se comparado ao quarto trimestre de 2022 , atribuídos em sua quase totalidade ao desempenho da agropecuária,  basta olhar para o comportamento da economia rural em 2022. A tabela 1 abaixo vislumbra os dados (Contas Nacionais Trimestrais - Indicadores de Volume e Valores Correntes, Jan-Mar 2023. IBGE 01.06.23). Diante de um 2022 difícil em função de impactos ambientais a produção foi ruim nos quatro trimestres do ano passado. Tomando por base o volume trimestral observamos que a produção diminuiu em cada um deles. No quarto e último trimestre de 2022 o volume de produção foi o menor – a metade do produzido no primeiro trimestre. Portanto, não constitui surpresa que neste primeiro trimestre de 2023 o PIB do setor escale altura.

 

tabela 1

 

SÉRIE ENCADEADA DO ÍNDICE DE VOLUME TRIMESTRAL

 

Média de 1995 = 100

 

Período

AGROPECUÁRIA

 

2022.I

300,5

2022.II

268,2

2022.III

213,0

2022.IV

149,9

fonte: ibge

 

 

A tabela 2 permite enxergar o rendimento, tanto do setor agropecuário, como dos demais. Ela apresenta os números revisados do PIB trimestre contra trimestre de 2022. Nela o desempenho do PIB Total foi baixo e no quarto trimestre de 2022 foi negativo. O PIB da agropecuária foi negativo nos quatro trimestres do ano.

O resultado do primeiro trimestre de 2023 está concentrado em um segmento cujo comportamento ao longo de 2022 esteve deprimido por problemas climáticos, apesar do ufanismo do setor que havia anunciado para 2022 uma safra recorde. Estávamos em ano eleitoral e o setor possuía um candidato próprio à presidência.

 

tabela 2

 

TRIMESTRE CONTRA TRIMESTRE IMEDIATAMENTE ANTERIOR (%) 

 

Com ajuste sazonal

 

Período

AGROPECUÁRIA

INDUSTRIA

SERVIÇOS

PIB TOTAL

 

2022.I

-0,1

0,8

1,0

1,0

2022.II

-0,5

1,6

1,2

1,1

2022.III

-1,1

0,6

0,9

0,5

2022.IV

-0,9

-0,3

0,2

-0,1

2023.I

21,6

-0,1

0,6

1,9

fonte: ibge

 

 

Ressaltamos que o agronegócio é um mito pelos seguintes aspectos: 1) não possui empreendedorismo, os avanços científicos do campo brasileiro decorrem das pesquisas patrocinadas pela Embrapa, uma estatal;  2) possui privilégios oriundos da Lei Kandir que os isenta de tributação; 3) é favorecido por uma taxa de câmbio que barateia a exportação ao desvalorizar a moeda nacional em favor do dólar, 4) não é o responsável por abastecer a mesa dos trabalhadores, pois 70% da produção de alimentos da cesta básica do brasileiro é produzida pela agricultura familiar e 5) despreza a agroecologia. Independente disso a bancada ruralista no Congresso Nacional vai com arrogância defender o setor como o mais dinâmico da economia, cobrar do governo uma postura de repressão às lutas camponesas e maiores benefícios.

Preocupa o fato de a participação da indústria na economia nacional continuar em queda, recuou 0,1% neste primeiro trimestre, cf. tabela 2. Cifra que poderia ser desprezada se o dado não representasse a diminuição progressiva do setor no PIB do país. Outro dado que chama a atenção sobre o setor industrial é a denominada Formação Bruta de Capital Fixo – FBCF (o que significa: produção de máquinas e ferramentas) que regrediu em 3,4%. Ou seja, o país além de não estar investindo em bens de produção não está repondo e dando manutenção nas suas máquinas e ferramentas.

Em função da divulgação dos números contidos na tabela 2 há uma corrida por novas estimativas do PIB para 2023. Muitas delas ampliando seu crescimento. Esse movimento não é do agrado do Banco Central que enxerga no crescimento econômico um perigo inflacionário. Os rentistas do capital argumentam que isso aquece a demanda, puxa o nível de emprego para cima e desequilibrada as contas públicas. O Boletim Focus, publicado pelo Banco Central, mas que traz as expectativas de mercado, projeta em sua edição de 26 de maio de 2023 um crescimento do PIB para este ano de 1,26%. Diante dos novos números alguns analistas do mercado financeiro acreditam que o PIB poderá crescer o dobro, chegando a 2,6%. Caso o Banco Central insista em garantir sua projeção, além de manter ou elevar a taxa Selic, poderá promover uma recessão induzindo o PIB trimestral a cair nos próximos trimestres do ano.

Devemos lembrar que esses números podem ser revisados para cima ou para baixo. Temos certeza de que deverão passar por retificação. Esperamos que não sejam piores do que os atuais. Como os dados numéricos podem ser manipulados ao sabor das conveniências  o portal do IBGE, para fazer propaganda governamental, informa que o PIB do primeiro trimestre de 2023 é de 3,3% no acumulado em quatro trimestres. Os números permitirão as mais diversas leituras. Importa, porém, algumas conclusões. A condição recessiva da economia não foi contida, indústria e serviços tiveram um desempenho aquém do esperado para alavancar salário e emprego.

O produto interno bruto é o principal indicador do nível de atividade econômica de um país, mede a produção de bens e serviços. Mede seu enriquecimento ou empobrecimento. Para teóricos do neoliberalismo chega a ser considerado um indicador de felicidade de um povo. Em termos relativos a publicação de seus dados em percentuais mede o nível de atividade econômica. Em termos monetários informa o valor de mercado dos bens e serviços produzidos no país. Sobre a distribuição das riquezas produzidas pelos trabalhadores não oferece o dado mais importante que seria a taxa de exploração sobre os trabalhadores. Deste modo, sem uma orientação para os interesses de classe dos trabalhadores o crescimento do PIB, além de não mudar a vida, perpetua as desigualdades.

16/05/23

 

JUROS TIRÂNICOS II

  

Pela terceira vez o Governo Lula 3 foi derrotado no Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central do Brasil (BC), que, reunido nos dias 2 e 3 de maio de 2023, manteve a taxa Selic em 13,75% ao ano. O presidente reclama, faz barulho, joga o problema para a diretoria do BC, mas não toma a decisão de demitir o presidente Campos Neto, toda sua diretoria, e orientar o Ministério da Fazenda a adotar uma nova gestão econômica. Pelo contrário, o governo acaba de indicar Gabriel Galípolo para a diretoria de política monetária do BC. E qual a maior e melhor credencial desse senhor? Ser um banqueiro, hoje no serviço público, mas que no passado foi ex-presidente do Banco Fator. Para a plateia o governo oferece uma retórica social, enquanto nos gabinetes arquiteta uma economia de espoliação do capital.

Ao contrário de atas passadas, em que o destaque no cenário internacional eram as instabilidades decorrentes do  impacto da crise sanitária (Covid 19), do conflito armado Ucrânia/OTAN versus Rússia e de uma desaceleração da economia em nível global, desta vez a ata iniciou ressaltando as adversidades do mercado bancário externo (estadunidense e europeu) que se encontra abalado pela falência de bancos médios nos EUA (Signature, First Republic, Silicon Value) e um banco suíço (Credit Suisse), embora não cite os nomes de nenhum deles. Sabe-se  também  que o PacWest cambaleia e o banco alemão Deutsche Bank está com sua contabilidade quebrantada.

O impacto dessas falências e pré-falências é grande, ainda que a imprensa corporativa/financeira e os analistas econômicos não o revelem; pelo contrário, ocultam o abalo sistêmico das finanças e a capacidade de contágio global desse contexto de crise bancária. Daí não ser surpresa que a instabilidade nos EUA, na Europa e no mundo prossiga. Como disse, o analista econômico burguês mais assediado, Martin Wolf: “Bancos são destinados a quebrar. E quebram”  (Valor Econômico, 15.03.23). De modo cínico, reconheceu a verdade:  nada pode prevenir colapsos bancários e financeiros. Por esse motivo, só a estatização pode oferecer garantias ao sistema.

Ainda sobre o cenário externo, a ata destaca que nas principais economias do mundo os bancos centrais  possuem a mesma preocupação e o mesmo receituário: conter a inflação com alta dos juros. Não à toa no mesmo dia em que o BC brasileiro anunciava a manutenção da taxa Selic, o FED (Banco Central dos EUA) anunciava a elevação da taxa de juros por lá, subindo de 5 para 5,25% ao ano. Em março foi a vez do Banco Central Europeu (BCE)  elevar sua taxa para 3,7% ao ano.

A mais recente ata reitera o que já havia comunicado nas anteriores, sem adicionar novos argumentos ou análises. Considera que o país sofre com uma inflação acima do objetivo de 3,25% ao ano e que não poupará esforços para que seja garantida a meta. A ata relacionou elementos que, na opinião dos membros do comitê, oferecem riscos para uma elevação da inflação como a permanência de uma tendência global de alta, indefinição sobre o que será aprovado em termos de novo regime fiscal e dúvidas quanto às expectativas da inflação a longo prazo. Dentre os elementos que poderiam facilitar uma tendência de baixa, apontou queda nos preços de commodities e desaceleração tanto da economia como da concessão de crédito doméstico.

Sublinharemos alguns trechos da “Ata do Comitê de Política Monetária, 254ª Reunião, 2 e 3 de maio de 2023”, divulgada dia 9 de maio (o numeral que antecede a citação localiza o parágrafo da ata) :

3. “No âmbito doméstico, o conjunto de indicadores recentes segue corroborando o cenário de desaceleração gradual do crescimento esperado pelo Comitê”. Reitera que possui um objetivo claro de conduzir a economia a um quadro recessivo, portanto de queda da atividade econômica e desemprego.

7. “(...) enfatizou-se a possível adoção de políticas parafiscais expansionistas (...)”. Essa é uma crítica velada ao BNDES, que está disposto a emprestar dinheiro a fim de subsidiar o fomento ao crescimento econômico e que encontra na atual diretoria do BC uma forte oposição.

9. “(...) prevalece um cenário com maior restrição na oferta de crédito e, consequentemente, menor crescimento econômico (...)”. Um dos argumentos é este: elevar os juros para encarecer o crédito e garantir um menor crescimento.

11. “Os dados inflacionários mais recentes corroboram a visão de um processo de desinflação mais lento, em linha com a visão de uma inflação movida por excessos de demanda, (...)”. Insiste que a inflação possui um componente de demanda, ou seja, que trabalhadores possuem renda para compras, e o governo, ao pretender aumentar o gasto público (consumo e investimento) para atender as demandas populares, vai gerar inflação. Apesar das formulações ideológicas de que a inflação estaria na emissão desordenada de moeda (monetaristas) ou na contenda por aumento salarial (keynesianismo), em um país de enormes desigualdades e concentração de renda como o Brasil,  a  inflação existirá sempre em estado latente, dada a estrutura de sermos um capitalismo periférico e semicolonial.   

17. “O Copom enfatiza que não há relação mecânica entre a convergência de inflação e a aprovação do arcabouço fiscal (...)”. A ilusão do Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, era de que a aprovação do novo regime fiscal poderia angariar a simpatia do BC e do mercado financeiro para uma redução dos juros, mas está dito e repetido, inclusive em outras atas e documentos do BC, que mesmo com um novo arcabouço fiscal as expectativas inflacionárias poderão continuar crescendo e jogando a taxa de juros para cima.

21. “Sem prejuízo de seu objetivo fundamental de assegurar a estabilidade de preços, essa decisão [de manter a taxa Selic em 13,75%] também implica suavização do nível de atividade econômica e fomento do peno emprego”.  Trata-se de um enorme descaramento afirmar que a política adotada pela atual gestão do banco está preocupada em fomentar o emprego e garantir um nível de atividade saudável da economia.

22. “O Copom enfatiza que, apesar de ser um cenário menos provável, não hesitará em retomar o ciclo de ajuste caso o processo de desinflação não transcorra como esperado”. Assim, confirma que está a serviço do rentismo ao assinalar que, sob a justificativa de elevação dos preços, poderá continuar a subir a taxa de juros. E que a despeito de qualquer medida governamental, independentemente do contexto nacional e internacional, irá garantir os mais altos juros do mundo. Isso significa que Brasil, com enorme concentração de renda e desigualdades sociais, é o país que confere o maior ganho do mundo na remuneração dos títulos da dívida pública.

A política monetária, e consequentemente a definição da taxa de juros, não é a única forma de fazer a economia girar. Dois conjuntos de medidas podem ser abraçadas, se não pelo governo, pelos trabalhadores e pelos movimentos sociais:

I)                  há um grande arsenal de instrumentos para podem ativar o emprego e a renda: a) a questão cambial deve ser politizada e eliminada a política de flutuação do câmbio;  b) a geração de superávits primários para bancar o serviço da dívida deve ser abandonada e a  elevação de receitas, canalizada para investimentos produtivos e sociais e c) a meta de inflação deve ser flexibilizada;

II)               uma auditoria da dívida pública, simultânea à declaração de uma moratória no pagamento dos juros e serviços da dívida interna, é urgente. O arco de alianças que elegeu Bolsonaro em 2018 rompeu com ele e votou em Lula em 2022, e também o PT outrora dos trabalhadores, encobre a exigência de denunciar o caráter ilegítimo dessa dívida.

 


31/03/23

                                                   JUROS TIRÂNICOS I 

 

Em 21 e 22 de março de 2023, o Comitê de Política Monetária ― Copom do Banco Central do Brasil (BC) ―, sob a presidência de Campos Neto, esteve reunido para mais vez discutir a taxa de juros. Foi a segunda na gestão Lula 3. Após a primeira  ―31 de janeiro e 1º de fevereiro ―, que ratificou a taxa em 13,75% ao ano, houve um debate crítico sobre a  permanência da taxa a partir das declarações do próprio Lula e de outros agentes políticos do governo, enquanto a imprensa corporativa saiu em defesa dos juros do Banco Central.  Do lado governamental, o objetivo era convencer os membros do comitê a reduzirem a taxa na próxima reunião. O próprio Ministro da Fazenda Fernando Haddad, no final de fevereiro, ao anunciar a elevação de tributos sobre a gasolina e o etanol, declarou que aquele gesto sinalizava um compromisso do governo com o equilíbrio fiscal, abrindo espaço para a redução dos juros, o  que se confirmou ser um erro de avalição do senhor Ministro.

Em sua segunda reunião, o Copom manteve a taxa em 13,75% e, em vez de sinalizar que poderá abaixá-la, de maneira oposta disse que “(...) não hesitará em retomar o ciclo de ajuste caso o processo de desinflação não transcorra como esperado” (Ata do Comitê de Política Monetária, 253ª Reunião, 21-22.03.23). Em referência às medidas de agrado ao mercado que não resultaram em queda da taxa de juros, mas que poderão detonar o gatilho da inflação deteriorando o padrão de vidas dos trabalhadores,  ata afirma: “O Comitê avalia que o compromisso com a execução do pacote fiscal demonstrado pelo Ministério da Fazenda, e já identificado nas estatísticas fiscais e na reoneração dos combustíveis, atenua os estímulos fiscais sobre a demanda, reduzindo o risco de alta sobre a inflação no curto prazo”. 

A ata expressa a opinião e a forma como o mercado financeiro defende sua política monetária, que sob a justificativa de manter a inflação sob controle desenvolve uma política econômica de caráter contracionista, ou seja, promovendo a redução do nível de atividade econômica e, como consequência, o desemprego. Lula e sua equipe ficaram desmoralizados com a decisão do Copom de não alterar a taxa de juros.

Vejamos um exemplo sobre quem manda na economia: segunda feira, dia 20 de março, véspera da reunião do Copom, o jornal Valor Econômico publicou uma consulta feita com 112 instituições financeiras sobre a taxa de juros Selic: 111 delas projetaram a manutenção em 13,75%. A manchete da matéria publicada era “Copom deve manter juro inalterado em 13,75%”. O verbo não está no modo indicativo, mas no imperativo, ou seja,  o mercado estava dando uma ordem a Campos Neto. O presidente do BC, escolhido na gestão de Bolsonaro e Paulo Guedes, é um exemplo da meritocracia de parentesco: neto de Roberto Campos, ex-Ministro do Planejamento do general Castelo Branco, ex-senador e deputado federal pelos partidos defensores da ditadura , foi do Banco Santander e advoga pelos interesses da plutocracia financeira.

O pano de fundo do debate sobre a taxa de juros é a dívida pública, aspecto desprezado por quase todos: militância da esquerda liberal, mídia corporativa e demais setores das elites.  Se cada ponto percentual na taxa de juros equivale a R$35 bilhões por ano, quanto maior a taxa, maior a drenagem de recursos orçamentários para a remuneração dos credores do Estado e  tanto menor para atender as demandas populares. Títulos da dúvida pública são mercadorias concebidas como capital por seus detentores, portanto a flutuação na taxa de remuneração desses títulos é vista por eles como aumento ou diminuição do seu capital.

Quanto mais elevada a taxa de juros, maior a massa de dinheiro desviada da economia real para a ciranda financeira, cujas consequências são a atrofia do mercado de bens e serviços e o crescimento da recessão e do desemprego. Esta é uma das principais características do capitalismo financeiro ou rentístico: a especulação domina, enquanto diminuem os níveis de atividade e a reprodução em escala ampliada.

Analistas econômicos afirmam que durante a pandemia houve diminuição da procura por bens e serviços e,  com seu fim, as pessoas voltaram a comprar, fato que pressiona os preços (inflação). Pelo contrário, a pandemia produziu uma depressão na renda geral da população, vista pelo número de demissões, pela redução do poder de compra, pelos dados de crescimento do PIB e pelas expectativas de que o crescimento das economias em 2023 será nulo ou muito baixo. O Brasil e o mercado mundial não se ressentem de uma demanda elevada, mas de uma oferta reduzida, ou seja, faltam mercadorias para serem vendidas.

Após a primeira reunião do Copom no governo Lula 3, ocasião em que os juros foram mantidos em 13,75%, houve uma reação negativa do governo, o que gerou um debate sobre a autonomia do Banco Central e dos prejuízos de manter uma taxa tão alta – é a maior do mundo.

Em suas reuniões, o Copom define as taxas de juros com base em uma avaliação dos indicadores econômicos ― o mais importante para eles é a taxa de inflação mensal e anual. Ambas as taxas, a de juros e a de inflação, são pilares da chamada política monetária.

Com a justificativa de combater a inflação, o BC tem mantido a taxa de juros muito alta, mas essa  não é a única atribuição do BC estabelecida no Decreto Lei 179/2021, que lhe concedeu autonomia para “zelar pela estabilidade e pela eficiência do sistema financeiro, suavizar as flutuações do nível de atividade econômica e fomentar o pleno emprego”. Esses dois últimos aspectos são negligenciados pela atual direção do BC, que,  ao privilegiar apenas o alcance da meta de inflação, que este ano é de 3,25%,  joga a economia em quadro recessivo.

No final do terceiro mês de 2023,  tudo indica que caminhamos para uma contração do PIB e, caso isso ocorra, entraremos no que os economistas denominam de recessão técnica (quando há queda do PIB em dois ou mais trimestres consecutivos), pois o PIB do último trimestre de 2022 recuou em 0,2% e ao longo de 2022 foi decaindo, como fica claro no gráfico abaixo.   




Para o governo e sua equipe econômica (que dialoga mais com o mercado e os empresários e menos com os trabalhadores), a retomada do investimento e do crescimento depende de uma nova política monetária que reduza os juros. O raciocínio é o seguinte: se um capitalista investe em um negócio cujo retorno será de 10% do capital empregado, com uma  taxa de juros em 13,75% ele não investirá na economia real. Será desestimulado, pois a remuneração ficará  abaixo das especulações com papéis da dívida pública.

O governo Lula 3 busca redirecionar o acúmulo de capital do mercado financeiro para o setor produtivo da economia, que produz bens e serviços e imagina que se a taxa de juros cair essa será a direção adotada pelos empresários. Para a equipe econômica, o excesso de capital monetário parasitando no mercado financeiro debilita o investimento produtivo, é o oposto da economia real.  Para ela  é necessário baratear o crédito na sociedade brasileira como forma de expandir as operações industriais e comerciais não somente para estimular os investimentos, mas também o crédito popular para facilitar o acesso a bens móveis e imóveis e serviços.

Não é de todo correto afirmar que o capital financeiro é pura ficção e parasitismo; nele há componentes como juros e sistema de crédito que, sob uma direção social, impulsionam a economia. Por isso, tomar as rédeas do mercado é fundamental. De preferência com uma ampla intervenção estatal nos bancos públicos e privados. A começar por demitir Campos Neto e expurgar da diretoria do Banco Central os representantes do mercado financeiro.


  NOVA INDÚSTRIA BRASIL:   UM EXPEDIENTE OCASIONAL   Dia 22 de janeiro de 2024, uma segunda feira, o presidente Lula lançou seu programa...