28/11/24

 

O PRONUNCIAMENTO DE HADDAD E O INSUSTENTÁVEL PESO DO ARCABOUÇO FISCAL

 

Se o regime político do Brasil fosse o parlamentarismo caberia ao chefe de Estado, diante do resultado das eleições municipais, solicitar um voto de confiança ou dissolver o Congresso e convocar novas eleições. Essa é a dimensão da crise – estamos diante de um governo combalido. Ele segue em corda bamba, ora caindo à direita, ora à esquerda – de um lado a pressão por aprofundar a perspectiva neoliberal/fiscalista e de outro a tentativa de se reerguer no apoio popular.

O resultado das urnas foi um cavalo de pau no PT. A proposta de isenção do imposto de renda até a faixa de R$ 5 mil, promessa de campanha que até agora estava engavetada, é uma forma de se recompor com uma base eleitoral que não votou no partido. O carimbo eleitoral da proposta é tal que entrará em vigor somente em 2026, ano de eleição.

Dado que não vigora o parlamentarismo no Brasil o presidente Lula determinou ao seu subordinado Fernando Haddad, Ministro da Fazenda, realizar um pronunciamento à nação em cadeia de rádio e televisão na noite de 27 de novembro de 2024, tentando conjugar os apertos nas contas públicas com a implementação de uma necessidade popular de reajuste da tabela do imposto de renda.  Quando lembramos que Haddad é um servidor do governo desejamos ressaltar que não existe uma política do Lula presidente e uma do ministro. Há um governo e uma só política. Se coerente, podemos indagar.  

Na manhã seguinte, dia 28, em entrevista coletiva o ministro Haddad detalhou alguns itens propostos:

o   Salário-Mínimo terá reajuste de acordo com a banda do arcabouço fiscal, piso de 0,6 e teto de 2,5%;

o   Benefício de Prestação Continuada (BPC) será auditado;

o   Abono salarial gradualmente reduzido para 1,5 salário-mínimo;

o   Bolsa Família biometria e recadastramento periódico;

o   Emendas Parlamentares destinarão metade do valor para saúde;

o   Forças Armadas terá fim da morte ficta (transferência de pensão aos familiares quando punidos) e idade mínima para ida a reserva;

o   Supersalários serão rediscutidos;

o   Fundeb incorpora investimentos na expansão das escolas de ensino integral e inclusão de programa “Pé de Meia” no orçamento do MEC;

o   Vale Gás será incluído no marco do arcabouço fiscal;

o   Subsídios e subvenções serão rediscutidos;

o   Desvinculação de Receitas da União (DRU) prorrogada até 2030.

Algumas medidas poderão ser executadas de imediato pois o governo possui os meios administrativos necessários. Outras demandam negociação no Congresso Nacional. Aí é imprevisível saber o que pode ser aprovado ou rejeitado.

A situação resulta do fato de que todos, tanto mercado como analistas críticos, sabiam que o arcabouço fiscal não se sustenta. Suas contas não fecham. As medidas anunciadas são tímidas diante das inconsistências que o marco fiscal impõe. O propósito de garantir e reforçar a atual política fiscal fatalmente naufragará. Nas palavras do próprio ministro caso não se comprima as despesas os gastos obrigatórios irão ganhar maior volume e comprimir cada vez mais os gastos discricionários (livres). As estimativas de poupar R$ 70 bilhões nos próximos dois anos estão baseadas em projeções otimistas. O horizonte de ampliar a arrecadação é um pouco irreal. A cobrança de imposto de renda para ganhos superiores a R$ 50 mil apenas compensa a isenção da tabela de quem ganha até R$ 5 mil. Isso se a conta fechar.

Devemos educar e esclarecer a sociedade que comportamento da Bolsa de Valores, do mercado financeiro e cambial deve deixar de ser referência para o universo decisório da política e da economia. Foi-se a época em que serviam de termômetro. Antes a especulação decorria de um mecanismo de causa e efeito em que se perdia na baixa e se ganhava na alta. Hoje, em função das mudanças tecnológicas e de uma nova cultura as ações, os títulos e as moedas rodopiam desgovernadamente, visto que, é possível ganhar na baixa e perder na alta de preços. A lógica do passado mudou. Portanto, o pico do dólar no dia 27 ao bater em R$ 5,91 antes do pronunciamento está em função de ganhos de oportunidade. Na manhã do dia 28 bateu em R$ 6. O mercado sabota a iniciativa do governo. Na queda de braço com o governo o mercado aposta na desvinculação dos pisos da educação e saúde, essa é a razão da sua revolta. E isso é imexível.

 

 

19/11/24

JUROS E RETÓRICAS ENGANOSAS

 

Dia   14 de novembro de 2024 o Comitê de Política Monetária – Copom – do Banco Central (BC) do Brasil publicou a ata da 266ª reunião ocorrida dias 5 e 6 de novembro que elevou a taxa de juros em meio ponto percentual, passando para 11,25% ao ano. O presidente da República que poderia ter demitido Campos Neto desde o início de seu mandato, revogado a lei que concedeu autonomia ao BC e alterado o processo de indicação de seu presidente do BC ficou em silêncio.

Antes disso, em setembro, por ocasião da 265ª do Copom primeira reunião já sob a transição de um novo presidente, foi votado, por unanimidade, um aumento dos juros da taxa Selic. Estimou-se que o aumento de 0,25%, nesta reunião, elevando a taxa de 10,5% para 10,75% ao ano representará um aumento de R$ 13 bilhões nos gastos com remuneração dos títulos públicos. Agora, com a subida em 0,5% o gasto vai dobrar, para mais de R$ 26 bilhões em doze meses, totalizando presumidos R$ 40 bilhões, cifra próxima do corte de gastos que o governo pretende anunciar. Essa matemática prova que é o mecanismo da dívida que estrangula a economia.

Longe de parecer uma decisão técnica a definição da taxa básica de juros é uma decisão política. Ela é a base de referência para inúmeros contratos que afetam diretamente a vida das pessoas, desde os financiamentos de imóveis, passando por empresas que almejam ampliar sua capacidade produtiva ou renovar suas máquinas, chegando ao preço da alface na medida em que serve para definir os juros do financiamento agrícola.

Habitualmente às vésperas de cada reunião do Copom o jornal Valor Econômico publica um levantamento com agentes financeiros que opinam qual deve ser a decisão sobre os juros. No dia 04.11.24, o jornal informou que de 125 instituições financeiras consultadas, 122 defendiam um aumento de 0,5% e apenas 3 um aumento de 0,25%. Diante do resultado da enquete não havia dúvidas sobre a real decisão do comitê e a aposta foi por acelerar a elevação. Porém, o mercado financeiro deseja mais, na mesma edição do jornal, Fernando Genta economista-chefe da XP Asset Management declarou: “Para que a inflação venha a convergir à meta de 3% dentro do horizonte relevante, o Copom teria de aumentar a Selic para, pelo menos, 15% no atual ciclo de aperto monetário (...)”.

 

GALÍPOLO NA PRESIDÊNCIA DO BC

 

Em janeiro de 2025 o BC terá um novo presidente, dessa vez indicado por Lula – Gabriel Galípolo, o atual diretor de política monetária, embora não tenha tomado posse, ele não é o presidente de jure (de direito) mas é, desde sua indicação, o presidente de facto (de fato).  Neste intervalo os juros já subiram 0,75%. Como indicado pelo atual governo não deveria ele ter votado nas duas ocasiões contra a impopular elevação dos juros?

Essa foi a primeira reunião com Gabriel Galípolo já aprovado como futuro presidente do BC em sabatina no Senado.  Egresso do sistema financeiro, pois foi presidente do Banco Fator de 2017 a 2021, pretende aprofundar a autonomia do BC ao se declarar favorável à Proposta de Emenda Constitucional PEC 65 que concede autonomia financeira e orçamentária ao banco segundo declaração do senador Plínio Valério do PSDB do Amazonas ao jornal O Estado de S. Paulo de 07.09.24. A gestão Lula-Alckmin, em demonstração de fraqueza, não revogou a autonomia do Banco Central e agora o sistema financeiro patrocina a  PEC 65.

O atual governo em breve terá a maioria dos diretores do BC. Contudo, creditar que uma eventual maioria de votos no Copom altere a condução da política monetária é desconhecer a supremacia que o poder financeiro possui sobre todas as demais instituições da sociedade brasileira.

Ironicamente foi José Serra, fundador do PSDB, que ocupou inúmeros cargos públicos sempre em defesa do neoliberalismo do seu partido, quem revelou a “amorosa” relação, entre “servidores públicos” do BC e os bancos: É inconcebível que o Banco Central receba duas dúzias de agentes do mercado e converse com eles a portas fechadas. Assim como é absurdo que numa ligação de celular se discuta com um banqueiro o nível da taxa de juros. Meu primeiro pedido, então, a Galípolo é autonomia de verdade e transparência de fato no relacionamento com o mercado e o cidadão” (O Estado de S. Paulo 12.09.24). Haverá mudanças?

 

CRESCENTE FINANCEIRIZAÇÃO

 

O BC na gestão Campos Neto trava uma guerra contra os interesses populares. Ele combate a todo custo o crescimento do emprego e da economia com a desculpa de controlar a inflação.

A lógica da financeirização trava o desenvolvimento industrial e joga o país em crescente atraso. Ao invés de estimular o desenvolvimento de novos produtos e novas fábricas, o que se conhece por formação bruta de capital fixo (em contradição com os ganhos de capital financeiro) o empresário opta por gerar renda em papeis, inclusive manipulando o mercado (em muitos casos comprando e vendendo as ações de sua própria empresa) além dos papeis públicos. A remuneração crescente dos títulos públicos e ações fomentam a desindustrialização.

Como essa é a lógica – ganhar dinheiro financeiramente – aos especuladores pouco importa a economia real, o emprego, os trabalhadores. Muito mais que pretensa concorrência de produtos chineses a premissa de ganhar dinheiro no mercado financeiro é que desestimula a produção industrial no mercado interno favorecendo a desindustrialização. As fortunas estão sendo criadas via inflação financeira dos mercados de ações/títulos e elevação de valores promovida por alavancagem (o popular – comprar fiado) em um mecanismo de endividamento generalizado e crescente.

Em contrapartida se houvesse por parte dos economistas ditos progressistas e do governo empenho em modificar a política econômica em detrimento do capital financeiro e em benefício da reindustrialização do país, com a criação de emprego e distribuição de renda, um dos pontos a ser desmistificado seria o da relação dívida/PIB. Das sete maiores economias capitalistas apenas a Alemanha mantém uma relação dívida/PIB abaixo da brasileira.

Inexistem argumentos. De todos os lados, apenas conveniências retoricas. A mídia corporativa e a oposição pautados pela conveniência não comparam o quadro da dívida pública brasileira com a dos países centrais.  Omitem despudoradamente que há margem para ampliar a dívida pública sem quebrar a economia. Nos países do G7 o percentual é superior a 100%, exceto Alemanha. Enquanto isso, a dívida bruta do governo geral brasileiro que abrange Governo Federal, INSS, governos estaduais e municipais – atingiu 78,3% do PIB (R$ 8,9 trilhões) em setembro de 2024 (Banco Central do Brasil. Estatísticas Fiscais – 11.11.24). Entretanto, obrigada a cobrir os eventos do G20, a mídia repercutiu um relatório do Conselho de Estabilidade Financeira (uma agência global informal de regulação do setor financeiro) que estimou quanto cada país paga de juros de sua respectiva dívida pública em relação ao PIB e sem surpresa o Brasil lidera o ranking, cf. tabela abaixo. Para um PIB de R$ 10,9 trilhões gastamos R$ 649 bilhões com pagamento de juros em 2023 (Valor Econômico 19.11.24)

 

 

 

dívida pública X pagamento de juros

G7  +  Brasil

dívida pública, em % do PIB

pagamento de juros, em % do PIB

Estados Unidos

122,1

3,01

Reino Unido

101

2,46

Alemanha

64,2

0,69

França

110,6

1,68

Japão

252,3

0,12

Itália

137,2

3,61

Canadá

107,1

0,5

Brasil

84,6

5,96

fonte: Relatório do FSB para o G20/BIS, FMI, JP Morgan, cálculos do FSB, Valor Econômico

 

DECRESCENTE RENTABILIDADE

 

Uma taxa de juros elevada reduz a rentabilidade das empresas. Ela não pode superar a taxa bruta de lucro do capital industrial. Quando isso ocorre há um estímulo direto à desindustrialização. Exemplificamos com uma simulação: se um investimento industrial tem retorno de 10% ao ano e os investimentos em papeis tem uma rentabilidade de 11,25% a.a. a figura do empresário desaparece e predomina a do especulador financeiro.

Há uma hipótese que atribui a origem das crises capitalistas a uma tendência de queda da rentabilidade. No cenário global de predomínio das finanças é possível conceber que ao se elevar a taxa de juros isso acarrete uma queda relativa da taxa média de lucro. Exemplificando: se temos uma taxa de juros de 11,25% ao ano um empresário calcula que qualquer investimento industrial deve garantir um retorno de no mínimo 12% ao ano, para dessa forma justificar seu empenho de capital. Ao se elevar progressivamente a taxa de juros a rentabilidade industrial cai. Se um empresário tem uma rentabilidade de 10% ao ano e a taxa de juros garante uma remuneração de 11,25% a.a. ele não hesitará em alocar seu dinheiro em papeis que remunerarão seus recursos acima de um investimento produtivo. Ao exercer uma força magnética de atração permanente para uma acumulação financeirizada a economia perde impulso real na esfera da produção de bens materiais e serviços, ela se desindustrializa. Esse, também, é o mecanismo que explica porque atualmente muitas empresas compensam seus prejuízos operacionais com lucros financeiros.

Embora a economia esteja financeirizada o eixo sob o qual o sistema capitalista gira é a produção e circulação de mercadorias. Os níveis mais avançados de especulação são um sintoma de uma superprodução de bens (expressa em termos relativo pelos níveis de ociosidade), que é em essência um processo artificial de aquecimento da economia. Desde a quebra da bolsa de Nova York em 1929 predomina a visão de que a crise explode no âmbito da especulação e atinge a produção e circulação de bens e serviços. Portanto, na aparência seria a especulação a causa das crises e seu impacto sobre a economia real seria a consequência do colapso especulativo. É o contrário: a crise tem sua origem na produção (queda da rentabilidade e consequente queda nos investimentos) e daí contagia o mercado financeiro.

O tempo de impacto dos juros varia de acordo com o setor econômico: bancos e comércio podem no dia seguinte rever suas taxas de empréstimo repassando-as ao consumidor. Já o setor industrial depende de tempo para o planejamento de suas atividades e repasses, da mesma forma que um projeto demora, desde sua ideia inicial até sua confecção, oscilações para cima na taxa de juros afetam investimentos na produção e circulação de mercadorias.

Entre as disjuntivas capital ou trabalho/finanças ou produção a resposta do governo deveria ser trabalho e produção.

 

 

 

  O GOL CONTRA DE GALÍPOLO     O Comitê de Política Monetária – Copom do Banco Central anunciou dia 19 de março uma nova elevação da tax...