Dia 14
de novembro de 2024 o Comitê de Política Monetária – Copom – do Banco Central
(BC) do Brasil publicou a ata da 266ª reunião ocorrida dias 5 e 6 de novembro que
elevou a taxa de juros em meio ponto percentual, passando para 11,25% ao ano. O
presidente da República que poderia ter demitido Campos Neto desde o início de
seu mandato, revogado a lei que concedeu autonomia ao BC e alterado o processo
de indicação de seu presidente do BC ficou em silêncio.
Antes disso, em setembro, por ocasião da 265ª do
Copom primeira reunião já sob a transição de um novo presidente, foi votado,
por unanimidade, um aumento dos juros da taxa Selic. Estimou-se que o aumento
de 0,25%, nesta reunião, elevando a taxa de 10,5% para 10,75% ao ano
representará um aumento de R$ 13 bilhões nos gastos com remuneração dos títulos
públicos. Agora, com a subida em 0,5% o gasto vai dobrar, para mais de R$ 26
bilhões em doze meses, totalizando presumidos R$ 40 bilhões, cifra próxima do
corte de gastos que o governo pretende anunciar. Essa matemática prova que é o
mecanismo da dívida que estrangula a economia.
Longe de parecer uma decisão técnica a definição
da taxa básica de juros é uma decisão política. Ela é a base de referência para
inúmeros contratos que afetam diretamente a vida das pessoas, desde os
financiamentos de imóveis, passando por empresas que almejam ampliar sua
capacidade produtiva ou renovar suas máquinas, chegando ao preço da alface na
medida em que serve para definir os juros do financiamento agrícola.
Habitualmente às vésperas de cada reunião do
Copom o jornal Valor Econômico publica um levantamento com agentes
financeiros que opinam qual deve ser a decisão sobre os juros. No dia 04.11.24,
o jornal informou que de 125 instituições financeiras consultadas, 122 defendiam
um aumento de 0,5% e apenas 3 um aumento de 0,25%. Diante do resultado da
enquete não havia dúvidas sobre a real decisão do comitê e a aposta foi por
acelerar a elevação. Porém, o mercado financeiro deseja mais, na mesma edição
do jornal, Fernando Genta economista-chefe da XP Asset Management declarou: “Para
que a inflação venha a convergir à meta de 3% dentro do horizonte relevante, o
Copom teria de aumentar a Selic para, pelo menos, 15% no atual ciclo de aperto
monetário (...)”.
GALÍPOLO NA
PRESIDÊNCIA DO BC
Em janeiro de 2025 o BC terá um novo presidente,
dessa vez indicado por Lula – Gabriel Galípolo, o atual diretor de política
monetária, embora não tenha tomado posse, ele não é o presidente de jure
(de direito) mas é, desde sua indicação, o presidente de facto (de
fato). Neste intervalo os juros já
subiram 0,75%. Como indicado pelo atual governo não deveria ele ter votado nas
duas ocasiões contra a impopular elevação dos juros?
Essa foi a primeira reunião com Gabriel Galípolo
já aprovado como futuro presidente do BC em sabatina no Senado. Egresso do sistema financeiro, pois foi
presidente do Banco Fator de 2017 a 2021, pretende aprofundar a autonomia do BC
ao se declarar favorável à Proposta de Emenda Constitucional PEC 65 que concede
autonomia financeira e orçamentária ao banco segundo declaração do senador
Plínio Valério do PSDB do Amazonas ao jornal O Estado de S. Paulo de 07.09.24.
A gestão Lula-Alckmin, em demonstração de fraqueza, não revogou a autonomia do
Banco Central e agora o sistema financeiro patrocina a PEC 65.
O atual governo em breve terá a maioria dos
diretores do BC. Contudo, creditar que uma eventual maioria de votos no Copom
altere a condução da política monetária é desconhecer a supremacia que o poder
financeiro possui sobre todas as demais instituições da sociedade brasileira.
Ironicamente foi José Serra, fundador do PSDB,
que ocupou inúmeros cargos públicos sempre em defesa do neoliberalismo do seu
partido, quem revelou a “amorosa” relação, entre “servidores públicos” do BC e
os bancos: “É inconcebível que o Banco Central receba duas
dúzias de agentes do mercado e converse com eles a portas fechadas. Assim como
é absurdo que numa ligação de celular se discuta com um banqueiro o nível da
taxa de juros. Meu primeiro pedido, então, a Galípolo é autonomia de verdade e
transparência de fato no relacionamento com o mercado e o cidadão” (O
Estado de S. Paulo 12.09.24). Haverá mudanças?
CRESCENTE FINANCEIRIZAÇÃO
O BC na
gestão Campos Neto trava uma guerra contra os interesses populares. Ele combate
a todo custo o crescimento do emprego e da economia com a desculpa de controlar
a inflação.
A lógica da
financeirização trava o desenvolvimento industrial e joga o país em crescente
atraso. Ao invés de estimular o desenvolvimento de novos produtos e novas
fábricas, o que se conhece por formação bruta de capital fixo (em contradição
com os ganhos de capital financeiro) o empresário opta por gerar renda em
papeis, inclusive manipulando o mercado (em muitos casos comprando e vendendo
as ações de sua própria empresa) além dos papeis públicos. A remuneração
crescente dos títulos públicos e ações fomentam a desindustrialização.
Como essa é
a lógica – ganhar dinheiro financeiramente – aos especuladores pouco importa a
economia real, o emprego, os trabalhadores. Muito mais que pretensa
concorrência de produtos chineses a premissa de ganhar dinheiro no mercado
financeiro é que desestimula a produção industrial no mercado interno
favorecendo a desindustrialização. As fortunas estão sendo criadas via inflação
financeira dos mercados de ações/títulos e elevação de valores promovida por
alavancagem (o popular – comprar fiado) em um mecanismo de endividamento
generalizado e crescente.
Em
contrapartida se houvesse por parte dos economistas ditos progressistas e do
governo empenho em modificar a política econômica em detrimento do capital
financeiro e em benefício da reindustrialização do país, com a criação de
emprego e distribuição de renda, um dos pontos a ser desmistificado seria o da
relação dívida/PIB. Das sete maiores economias capitalistas apenas a Alemanha
mantém uma relação dívida/PIB abaixo da brasileira.
Inexistem
argumentos. De todos os lados, apenas conveniências retoricas. A mídia
corporativa e a oposição pautados pela conveniência não comparam o quadro da
dívida pública brasileira com a dos países centrais. Omitem despudoradamente que há margem para
ampliar a dívida pública sem quebrar a economia. Nos países do G7 o percentual
é superior a 100%, exceto Alemanha. Enquanto isso, a dívida bruta do governo
geral brasileiro que abrange Governo Federal, INSS, governos estaduais e municipais –
atingiu 78,3% do PIB (R$ 8,9 trilhões) em setembro de 2024 (Banco Central do
Brasil. Estatísticas Fiscais – 11.11.24). Entretanto, obrigada a cobrir
os eventos do G20, a mídia repercutiu um relatório do Conselho de Estabilidade
Financeira (uma agência global informal de regulação do setor financeiro) que
estimou quanto cada país paga de juros de sua respectiva dívida pública em
relação ao PIB e sem surpresa o Brasil lidera o ranking, cf. tabela abaixo.
Para um PIB de R$ 10,9 trilhões gastamos R$ 649 bilhões com pagamento de juros em
2023 (Valor Econômico 19.11.24)
dívida
pública X pagamento de juros |
||
G7 +
Brasil |
dívida pública, em % do
PIB |
pagamento de juros, em %
do PIB |
Estados Unidos |
122,1 |
3,01 |
Reino Unido |
101 |
2,46 |
Alemanha |
64,2 |
0,69 |
França |
110,6 |
1,68 |
Japão |
252,3 |
0,12 |
Itália |
137,2 |
3,61 |
Canadá |
107,1 |
0,5 |
Brasil |
84,6 |
5,96 |
fonte: Relatório
do FSB para o G20/BIS, FMI, JP Morgan, cálculos do FSB, Valor Econômico |
DECRESCENTE RENTABILIDADE
Uma taxa de
juros elevada reduz a rentabilidade das empresas. Ela não pode superar a taxa
bruta de lucro do capital industrial. Quando isso ocorre há um estímulo direto
à desindustrialização. Exemplificamos com uma simulação: se um investimento
industrial tem retorno de 10% ao ano e os investimentos em papeis tem uma
rentabilidade de 11,25% a.a. a figura do empresário desaparece e predomina a do
especulador financeiro.
Há uma
hipótese que atribui a origem das crises capitalistas a uma tendência de queda
da rentabilidade. No cenário global de predomínio das finanças é possível conceber
que ao se elevar a taxa de juros isso acarrete uma queda relativa da taxa média
de lucro. Exemplificando: se temos uma taxa de juros de 11,25% ao ano um
empresário calcula que qualquer investimento industrial deve garantir um
retorno de no mínimo 12% ao ano, para dessa forma justificar seu empenho de
capital. Ao se elevar progressivamente a taxa de juros a rentabilidade
industrial cai. Se um empresário tem uma rentabilidade de 10% ao ano e a taxa
de juros garante uma remuneração de 11,25% a.a. ele não hesitará em alocar seu
dinheiro em papeis que remunerarão seus recursos acima de um investimento
produtivo. Ao exercer uma força magnética de atração permanente para uma
acumulação financeirizada a economia perde impulso real na esfera da produção
de bens materiais e serviços, ela se desindustrializa. Esse, também, é o
mecanismo que explica porque atualmente muitas empresas compensam seus
prejuízos operacionais com lucros financeiros.
Embora a
economia esteja financeirizada o eixo sob o qual o sistema capitalista gira é a
produção e circulação de mercadorias. Os níveis mais avançados de especulação
são um sintoma de uma superprodução de bens (expressa em termos relativo pelos
níveis de ociosidade), que é em essência um processo artificial de aquecimento
da economia. Desde a quebra da bolsa de Nova York em 1929 predomina a visão de
que a crise explode no âmbito da especulação e atinge a produção e circulação
de bens e serviços. Portanto, na aparência seria a especulação a causa das
crises e seu impacto sobre a economia real seria a consequência do colapso
especulativo. É o contrário: a crise tem sua origem na produção (queda da
rentabilidade e consequente queda nos investimentos) e daí contagia o mercado
financeiro.
O tempo de impacto
dos juros varia de acordo com o setor econômico: bancos e comércio podem no dia
seguinte rever suas taxas de empréstimo repassando-as ao consumidor. Já o setor
industrial depende de tempo para o planejamento de suas atividades e repasses,
da mesma forma que um projeto demora, desde sua ideia inicial até sua
confecção, oscilações para cima na taxa de juros afetam investimentos na produção
e circulação de mercadorias.
Entre as disjuntivas capital ou
trabalho/finanças ou produção a resposta do governo deveria ser trabalho e
produção.