16/05/23

 

JUROS TIRÂNICOS II

  

Pela terceira vez o Governo Lula 3 foi derrotado no Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central do Brasil (BC), que, reunido nos dias 2 e 3 de maio de 2023, manteve a taxa Selic em 13,75% ao ano. O presidente reclama, faz barulho, joga o problema para a diretoria do BC, mas não toma a decisão de demitir o presidente Campos Neto, toda sua diretoria, e orientar o Ministério da Fazenda a adotar uma nova gestão econômica. Pelo contrário, o governo acaba de indicar Gabriel Galípolo para a diretoria de política monetária do BC. E qual a maior e melhor credencial desse senhor? Ser um banqueiro, hoje no serviço público, mas que no passado foi ex-presidente do Banco Fator. Para a plateia o governo oferece uma retórica social, enquanto nos gabinetes arquiteta uma economia de espoliação do capital.

Ao contrário de atas passadas, em que o destaque no cenário internacional eram as instabilidades decorrentes do  impacto da crise sanitária (Covid 19), do conflito armado Ucrânia/OTAN versus Rússia e de uma desaceleração da economia em nível global, desta vez a ata iniciou ressaltando as adversidades do mercado bancário externo (estadunidense e europeu) que se encontra abalado pela falência de bancos médios nos EUA (Signature, First Republic, Silicon Value) e um banco suíço (Credit Suisse), embora não cite os nomes de nenhum deles. Sabe-se  também  que o PacWest cambaleia e o banco alemão Deutsche Bank está com sua contabilidade quebrantada.

O impacto dessas falências e pré-falências é grande, ainda que a imprensa corporativa/financeira e os analistas econômicos não o revelem; pelo contrário, ocultam o abalo sistêmico das finanças e a capacidade de contágio global desse contexto de crise bancária. Daí não ser surpresa que a instabilidade nos EUA, na Europa e no mundo prossiga. Como disse, o analista econômico burguês mais assediado, Martin Wolf: “Bancos são destinados a quebrar. E quebram”  (Valor Econômico, 15.03.23). De modo cínico, reconheceu a verdade:  nada pode prevenir colapsos bancários e financeiros. Por esse motivo, só a estatização pode oferecer garantias ao sistema.

Ainda sobre o cenário externo, a ata destaca que nas principais economias do mundo os bancos centrais  possuem a mesma preocupação e o mesmo receituário: conter a inflação com alta dos juros. Não à toa no mesmo dia em que o BC brasileiro anunciava a manutenção da taxa Selic, o FED (Banco Central dos EUA) anunciava a elevação da taxa de juros por lá, subindo de 5 para 5,25% ao ano. Em março foi a vez do Banco Central Europeu (BCE)  elevar sua taxa para 3,7% ao ano.

A mais recente ata reitera o que já havia comunicado nas anteriores, sem adicionar novos argumentos ou análises. Considera que o país sofre com uma inflação acima do objetivo de 3,25% ao ano e que não poupará esforços para que seja garantida a meta. A ata relacionou elementos que, na opinião dos membros do comitê, oferecem riscos para uma elevação da inflação como a permanência de uma tendência global de alta, indefinição sobre o que será aprovado em termos de novo regime fiscal e dúvidas quanto às expectativas da inflação a longo prazo. Dentre os elementos que poderiam facilitar uma tendência de baixa, apontou queda nos preços de commodities e desaceleração tanto da economia como da concessão de crédito doméstico.

Sublinharemos alguns trechos da “Ata do Comitê de Política Monetária, 254ª Reunião, 2 e 3 de maio de 2023”, divulgada dia 9 de maio (o numeral que antecede a citação localiza o parágrafo da ata) :

3. “No âmbito doméstico, o conjunto de indicadores recentes segue corroborando o cenário de desaceleração gradual do crescimento esperado pelo Comitê”. Reitera que possui um objetivo claro de conduzir a economia a um quadro recessivo, portanto de queda da atividade econômica e desemprego.

7. “(...) enfatizou-se a possível adoção de políticas parafiscais expansionistas (...)”. Essa é uma crítica velada ao BNDES, que está disposto a emprestar dinheiro a fim de subsidiar o fomento ao crescimento econômico e que encontra na atual diretoria do BC uma forte oposição.

9. “(...) prevalece um cenário com maior restrição na oferta de crédito e, consequentemente, menor crescimento econômico (...)”. Um dos argumentos é este: elevar os juros para encarecer o crédito e garantir um menor crescimento.

11. “Os dados inflacionários mais recentes corroboram a visão de um processo de desinflação mais lento, em linha com a visão de uma inflação movida por excessos de demanda, (...)”. Insiste que a inflação possui um componente de demanda, ou seja, que trabalhadores possuem renda para compras, e o governo, ao pretender aumentar o gasto público (consumo e investimento) para atender as demandas populares, vai gerar inflação. Apesar das formulações ideológicas de que a inflação estaria na emissão desordenada de moeda (monetaristas) ou na contenda por aumento salarial (keynesianismo), em um país de enormes desigualdades e concentração de renda como o Brasil,  a  inflação existirá sempre em estado latente, dada a estrutura de sermos um capitalismo periférico e semicolonial.   

17. “O Copom enfatiza que não há relação mecânica entre a convergência de inflação e a aprovação do arcabouço fiscal (...)”. A ilusão do Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, era de que a aprovação do novo regime fiscal poderia angariar a simpatia do BC e do mercado financeiro para uma redução dos juros, mas está dito e repetido, inclusive em outras atas e documentos do BC, que mesmo com um novo arcabouço fiscal as expectativas inflacionárias poderão continuar crescendo e jogando a taxa de juros para cima.

21. “Sem prejuízo de seu objetivo fundamental de assegurar a estabilidade de preços, essa decisão [de manter a taxa Selic em 13,75%] também implica suavização do nível de atividade econômica e fomento do peno emprego”.  Trata-se de um enorme descaramento afirmar que a política adotada pela atual gestão do banco está preocupada em fomentar o emprego e garantir um nível de atividade saudável da economia.

22. “O Copom enfatiza que, apesar de ser um cenário menos provável, não hesitará em retomar o ciclo de ajuste caso o processo de desinflação não transcorra como esperado”. Assim, confirma que está a serviço do rentismo ao assinalar que, sob a justificativa de elevação dos preços, poderá continuar a subir a taxa de juros. E que a despeito de qualquer medida governamental, independentemente do contexto nacional e internacional, irá garantir os mais altos juros do mundo. Isso significa que Brasil, com enorme concentração de renda e desigualdades sociais, é o país que confere o maior ganho do mundo na remuneração dos títulos da dívida pública.

A política monetária, e consequentemente a definição da taxa de juros, não é a única forma de fazer a economia girar. Dois conjuntos de medidas podem ser abraçadas, se não pelo governo, pelos trabalhadores e pelos movimentos sociais:

I)                  há um grande arsenal de instrumentos para podem ativar o emprego e a renda: a) a questão cambial deve ser politizada e eliminada a política de flutuação do câmbio;  b) a geração de superávits primários para bancar o serviço da dívida deve ser abandonada e a  elevação de receitas, canalizada para investimentos produtivos e sociais e c) a meta de inflação deve ser flexibilizada;

II)               uma auditoria da dívida pública, simultânea à declaração de uma moratória no pagamento dos juros e serviços da dívida interna, é urgente. O arco de alianças que elegeu Bolsonaro em 2018 rompeu com ele e votou em Lula em 2022, e também o PT outrora dos trabalhadores, encobre a exigência de denunciar o caráter ilegítimo dessa dívida.

 


JUROS E RETÓRICAS ENGANOSAS   Dia   14 de novembro de 2024 o Comitê de Política Monetária – Copom – do Banco Central (BC) do Brasil publicou...