Pela terceira vez o Governo Lula 3 foi
derrotado no Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central do Brasil
(BC), que, reunido nos dias 2 e 3 de maio de 2023, manteve a taxa Selic em
13,75% ao ano. O presidente reclama, faz barulho, joga o problema para a
diretoria do BC, mas não toma a decisão de demitir o presidente Campos Neto,
toda sua diretoria, e orientar o Ministério da Fazenda a adotar uma nova gestão
econômica. Pelo contrário, o governo acaba de indicar Gabriel Galípolo para a
diretoria de política monetária do BC. E qual a maior e melhor credencial desse
senhor? Ser um banqueiro, hoje no serviço público, mas que no passado foi
ex-presidente do Banco Fator. Para a plateia o governo oferece uma retórica
social, enquanto nos gabinetes arquiteta uma economia de espoliação do capital.
Ao contrário de atas passadas, em que o
destaque no cenário internacional eram as instabilidades decorrentes
do impacto da crise sanitária (Covid 19), do conflito armado
Ucrânia/OTAN versus Rússia e de uma desaceleração da economia em nível global,
desta vez a ata iniciou ressaltando as adversidades do mercado bancário externo
(estadunidense e europeu) que se encontra abalado pela falência de bancos
médios nos EUA (Signature, First Republic, Silicon Value) e um banco suíço
(Credit Suisse), embora não cite os nomes de nenhum deles. Sabe-se também que
o PacWest cambaleia e o banco alemão Deutsche Bank está com sua contabilidade
quebrantada.
O impacto dessas falências e
pré-falências é grande, ainda que a imprensa corporativa/financeira e os
analistas econômicos não o revelem; pelo contrário, ocultam o abalo sistêmico
das finanças e a capacidade de contágio global desse contexto de crise
bancária. Daí não ser surpresa que a instabilidade nos EUA, na Europa e no
mundo prossiga. Como disse, o analista econômico burguês mais assediado, Martin
Wolf: “Bancos são destinados a quebrar. E quebram” (Valor
Econômico, 15.03.23). De modo cínico, reconheceu a verdade: nada
pode prevenir colapsos bancários e financeiros. Por esse motivo, só a
estatização pode oferecer garantias ao sistema.
Ainda sobre o cenário externo, a ata destaca
que nas principais economias do mundo os bancos centrais possuem a
mesma preocupação e o mesmo receituário: conter a inflação com alta dos juros.
Não à toa no mesmo dia em que o BC brasileiro anunciava a manutenção da taxa
Selic, o FED (Banco Central dos EUA) anunciava a elevação da taxa de juros por
lá, subindo de 5 para 5,25% ao ano. Em março foi a vez do Banco Central Europeu
(BCE) elevar sua taxa para 3,7% ao ano.
A mais recente ata reitera o que já
havia comunicado nas anteriores, sem adicionar novos argumentos ou análises. Considera
que o país sofre com uma inflação acima do objetivo de 3,25% ao ano e que não
poupará esforços para que seja garantida a meta. A ata relacionou elementos que,
na opinião dos membros do comitê, oferecem riscos para uma elevação da inflação
como a permanência de uma tendência global de alta, indefinição sobre o que
será aprovado em termos de novo regime fiscal e dúvidas quanto às expectativas
da inflação a longo prazo. Dentre os elementos que poderiam facilitar uma
tendência de baixa, apontou queda nos preços de commodities e desaceleração
tanto da economia como da concessão de crédito doméstico.
Sublinharemos alguns trechos da “Ata do
Comitê de Política Monetária, 254ª Reunião, 2 e 3 de maio de
2023”, divulgada dia 9 de maio (o numeral que antecede a citação localiza
o parágrafo da ata) :
3. “No âmbito doméstico, o conjunto
de indicadores recentes segue corroborando o cenário de desaceleração gradual
do crescimento esperado pelo Comitê”. Reitera que possui um objetivo claro
de conduzir a economia a um quadro recessivo, portanto de queda da atividade
econômica e desemprego.
7. “(...) enfatizou-se a
possível adoção de políticas parafiscais expansionistas (...)”. Essa é
uma crítica velada ao BNDES, que está disposto a emprestar dinheiro a fim de
subsidiar o fomento ao crescimento econômico e que encontra na atual diretoria
do BC uma forte oposição.
9. “(...) prevalece um cenário
com maior restrição na oferta de crédito e, consequentemente, menor crescimento
econômico (...)”. Um dos argumentos é este: elevar os juros para encarecer
o crédito e garantir um menor crescimento.
11. “Os dados inflacionários mais
recentes corroboram a visão de um processo de desinflação mais lento, em linha
com a visão de uma inflação movida por excessos de demanda, (...)”. Insiste
que a inflação possui um componente de demanda, ou seja, que trabalhadores
possuem renda para compras, e o governo, ao pretender aumentar o gasto público
(consumo e investimento) para atender as demandas populares, vai gerar
inflação. Apesar das formulações ideológicas de que a inflação estaria na
emissão desordenada de moeda (monetaristas) ou na contenda por aumento salarial
(keynesianismo), em um país de enormes desigualdades e concentração de renda
como o Brasil, a inflação existirá sempre em estado
latente, dada a estrutura de sermos um capitalismo periférico e
semicolonial.
17. “O Copom enfatiza que não há relação
mecânica entre a convergência de inflação e a aprovação do arcabouço fiscal
(...)”. A ilusão do Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, era de que a
aprovação do novo regime fiscal poderia angariar a simpatia do BC e do mercado financeiro
para uma redução dos juros, mas está dito e repetido, inclusive em outras atas
e documentos do BC, que mesmo com um novo arcabouço fiscal as expectativas
inflacionárias poderão continuar crescendo e jogando a taxa de juros para cima.
21. “Sem prejuízo de seu objetivo
fundamental de assegurar a estabilidade de preços, essa decisão [de
manter a taxa Selic em 13,75%] também implica suavização do nível de
atividade econômica e fomento do peno emprego”. Trata-se de um
enorme descaramento afirmar que a política adotada pela atual gestão do banco está
preocupada em fomentar o emprego e garantir um nível de atividade saudável da
economia.
22. “O Copom enfatiza que, apesar de
ser um cenário menos provável, não hesitará em retomar o ciclo de ajuste caso o
processo de desinflação não transcorra como esperado”. Assim, confirma que
está a serviço do rentismo ao assinalar que, sob a justificativa de elevação
dos preços, poderá continuar a subir a taxa de juros. E que a despeito de
qualquer medida governamental, independentemente do contexto nacional e
internacional, irá garantir os mais altos juros do mundo. Isso significa que Brasil,
com enorme concentração de renda e desigualdades sociais, é o país que confere
o maior ganho do mundo na remuneração dos títulos da dívida pública.
A política monetária, e
consequentemente a definição da taxa de juros, não é a única forma de fazer a
economia girar. Dois conjuntos de medidas podem ser abraçadas, se não pelo
governo, pelos trabalhadores e pelos movimentos sociais:
I) há um grande arsenal
de instrumentos para podem ativar o emprego e a renda: a) a questão cambial
deve ser politizada e eliminada a política de flutuação do
câmbio; b) a geração de superávits primários para bancar o serviço
da dívida deve ser abandonada e a elevação de receitas, canalizada
para investimentos produtivos e sociais e c) a meta de inflação deve ser
flexibilizada;
II) uma auditoria da
dívida pública, simultânea à declaração de uma moratória no pagamento dos juros
e serviços da dívida interna, é urgente. O arco de alianças que elegeu
Bolsonaro em 2018 rompeu com ele e votou em Lula em 2022, e também o PT outrora
dos trabalhadores, encobre a exigência de denunciar o caráter ilegítimo dessa
dívida.